As duas faces do Amor

Ele veio até mim feito rastro de pólvora acesa, segurou meu braço e procurando meus olhos fixamente solta em alto e bom som:

- Eu te amo, mulher!

Não consegui evitar a gargalhada, e pensei que aquilo só poderia ser brincadeira.

Apertou meu braço com mais força, meio me chacoalhando e repetiu:

- Eu te amo, mulher!

Baixei o olhar, contei até três, o mandei para o inferno em pensamento e disse:

- Me solta, não gostei da brincadeira!

A contragosto ele soltou, mas emendou:

- A única pessoa que está brincando aqui é você! Há muito tempo te dou todos os sinais do que eu sinto e você não faz nada ou melhor, faz sim: debocha, despreza, me evita... e eu sofro. Sofro porque te amo há tempos e porque estou preso onde não deveria. Se você me der ao menos uma razão convincente pra não me querer, desisto, do contrário, fico com você!

Naquele minuto fiquei estática. Nos conhecemos há um bom tempo e ele nunca havia falado comigo nesse tom. Ele sofria mesmo, falava sério. Já não me olhava mais com o costumeiro olhar de peixe morto, olhava com fome, com sede...de mim! Ao mesmo tempo que analisava o que ele me dizia, sabia que do outro lado estava eu, a amar também... outra pessoa. Porém eu amava conscientemente porque queria e decidira. Amava sem prender, sem exigir, sem possuir, sem culpar e sem culpa...apenas amava. Não me preocupava o que poderia vir ou não, só o amor que eu sentia e partilhava do meu jeito, sem invadir.

Olhei para ele com compaixão. Entendia aquilo tudo. Ninguém controla o sentimento quando chega.

Pedi desculpas por não corresponder e foi ainda pior. Ele se encolheu, feito criança que apronta e espera a punição. Ficamos em silêncio, aos poucos ele se afastou e foi pro seu lugar.

Não é nada fácil querer e não poder. O que se há de fazer? Eu nada podia, não posso.

Minha avó já dizia “coração é lugar que ninguém pisa, é areia movediça”.

Antes de voltar ao meu lugar, chamei-o pelo nome e disse:

- Isso passa, isso também passa.

Só não esqueci de pensar que do meu lado não quero que passe.

Não por causa do amor em si, mas pelo que o amor causa em mim.

Fernanda Vaitkevicius
Enviado por Fernanda Vaitkevicius em 20/03/2014
Código do texto: T4737127
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