Eu e ela (Dispensa títulos)

Faz muito tempo que não escrevo, então vou tentar algo.

Todos sabem quem sou e quem eu gostaria de ser. Mas ninguém sabe dela, talvez nunca soubessem se eu não comentasse, mas acho que devo. Aqueles olhos castanhos nunca me perdoariam se eu os deixasse na penumbra do esquecimento.

Ela tem todos os predicados de uma mulher perfeita e como tal, não é de se deixar passar em branco. Se fosse hoje em dia e eu soubesse o que sei atualmente, tudo seria mais fácil. Mas a vida não dá oportunidade de ensaiar, não estamos falando de bandas de Rock n Roll.

A conheci numa fase muito turbulenta. Ela deveria ter uns 15 anos enquanto eu tinha um pouco mais. Era o tempo de afirmação de imagem e auto-afirmação, numa balança que poucos conseguem entender após serem adultos. Éramos adolescentes e isso bastava.

Os tradicionais erros dos adolescentes eram presentes, pressentidos e alimentados por todos nós. As bebidas alcoólicas e a maconha eram duas válvulas de escape das famílias chatas que achávamos ter. A galera se dividia em 3 times pro mesmo campo de futebol: o time do álcool, o time da fumaça e o time que misturava os dois. Eu e ela fazíamos parte do primeiro time. Nunca me interessei por maconha, pra dizer a verdade. Aquele cheiro meio adocicado e a idéia de perder o próprio controle por uma faixa de tempo me dava ânsia de vômito. Ainda me dá.

Cada um com sua estrada.

Eram tempos difíceis esses. Cada fase da vida de um tempo difícil e esse era o nosso: éramos todos deslocados de nossos habitats, os quais nos soavam ultrapassados e jogados nas ruas para conhecermos “o mundo” (restrito entre as pontes que davam acesso/saída à nossa cidade)... E quando estávamos cansados de sermos rebeldes, voltávamos pras nossas casas. Havia a tristeza no olhar de cada um ali, ninguém queria estar ali, estávamos todos por não ter onde estar. E eu a conheci.

Antes de mais nada, meu nome é Ângelo e o dela vai ser Marcela. Ângelo por ser a forma portuguesa pro latim Angelus que você deve saber o que significa... Marcela por ser o nome daquela erva florida que embeleza os campos do Rio Grande do Sul e ela embelezava todo o ambiente por onde passava, ao menos aos meus olhos. Poderia dar seu nome verdadeiro, mas Marcela está bom.

Sei que num tempo de muita roupa preta, muito Rock n Roll e rebeldia, trocamos alguns beijinhos. No diminutivo mesmo, não por terem sido de pouca intensidade, pouca qualidade ou quantidade, mas por reforço da ternura. Éramos ótimos em esconder dos outros o carinho que tínhamos um pelo outro. Tão bons nisso que conseguimos esconder, algumas vezes, um do outro. E pra reforçar nossa rebeldia, passeávamos com o cachorro dela. O nome do cachorro era o nome de um deus. E nós queríamos ser os anjos rejeitados. Mais fácil de entender do que parece.

Mas eu era um perfeito idiota e como todo perfeito idiota fazia questão de ficar com todas, comer todas, beijar todas e ter uma diferente a cada sábado. Eu não estava disposto a mudar, afinal o que iriam pensar de alguém que liga pro amor? De alguém que acredita em algo tão frágil e tão tedioso? Tchau, Marcela. Mais difícil de entender do que parece.

Eu sabia que eu iria machucar ela por nos afastar. Eu iria machucar muito mais caso eu a mantivesse ao meu lado pensando em outras. E, decididamente, eu não ia conseguir viver comigo mesmo se eu a fizesse chorar por uma traição. Não sei quantas lágrimas ela deixou pingar por minha causa, mas todas devem ter sido menos dolorosas do que poderiam ter sido.

Mil vezes eu quis ligar, bater no portão dela, mandar flores, pedir ela de volta. Mas eu havia deixado escapar a felicidade que batia à minha porta. Então, vieram os dias e o tempo cura tudo – diz o pessoal. Mentira, não cura droga nenhuma. Se o tempo fosse um bom remédio, as farmácias venderiam relógios e não frascos com comprimidos. Dia após dia, eu me iludi em outras bocas, outras coxas e outras partes corporais femininas. Não é difícil de imaginar que isso era tão frívolo que nem deveria ter sido escrito. Perdoe-me, leitor.

O tempo passou e nós nos víamos por obra do Acaso. Sim, o Acaso, esse anjo abandonado na Terra com a missão de confundir a nossa realidade. Nos vimos uma vez, por relâmpago, quando trabalhei em uma loja de souvenir... Outra, quando tratamos inconscientemente de nos encontramos em outro trabalho meu...

Ainda carrego no fundo de minha boca o sabor dos beijos dela, os quais às vezes me acordam e me levam à sacada, pra fumar e pensar. Nesse meio tempo, ela teve outros namorados. Dentre eles, um queria me matar e o outro, também. Tenho facilidade em despertar o carinho nas pessoas. Tá, mentira.

O que me leva a escrever isso é que já a pedi novamente em namoro e ela me disse ter medo de voltar comigo. Medo. O mesmo medo que eu tive de assumir que a amava e ter jogado talvez essa vida toda no lixo. Os caminhos nem sempre são fáceis, a vida não se verga às nossas vontades. Os sinos não sobram em coros de aleluia, somente um pouco de luz cai do céu sobre nós quando fazemos algo de bom. Pena que nem sempre vemos. E ainda, sobre ela: eu queria tanto ter uma chance de, mais do que sentar no sofá da casa dela e ficarmos conversando até tarde... Eu queria novamente atar os nossos corações com uma corda de amor, carinho e esperança. Não sei dar o nó sozinho.

Meu conselho: não ligue pros outros. Tanto faz a opinião deles: todos com os quais eu me importei quando jogava a vida amorosa no lixo como uma flor seca hoje se foram. Hoje estão longe e não se importam comigo. Não deixe o amor ir embora. Não deixe a Marcela da sua vida ir embora, seja o nome dela Carla, Maria Helena ou qualquer outro.

Um dia eu prometi que escreveria algo sobre nós. Talvez hoje já seja tarde demais.

Eu queria te ligar, mas não sei as palavras certas. Eu ainda não aprendi a falar, somente a sentir.

>> Ângelo. Rio Grande do Sul, 2014.

//Texto de Mateus Muller