É preciso ter coragem, arrisque-se

Absorta entre um café e outro, deliciava-me com uma mordida faminta numa empadinha, viajando ao mesmo tempo, entre as páginas de Lígia Fagundes Telles, essa grande autora e amiga oculta, que a conheci ainda nos meus idos tempos de "ginásio" e que agora havia conseguido um exemplar nas prateleiras de um sebo.

O que não é oculto a ninguém são os sentimentos que brotam de cada folha. Entre Direito De Não Amar e A Disciplina do Amor, fiquei pensando no meu direito de amar que não tive. No amor que me escapou pelos dedos, pelos invernos a fora.

Mais um gole de café..., outra empadinha... Olho no cruzamento de onde estava, volto para minhas folhas. Sentada numa mesa bem rente a rua, apenas uma vidraça me separava dos perdestes. Via, de soslaio, as pernas dos passantes que iam e vinham num balé real, cuja música da manhã impunha o ritmo do corre corre de qualquer mortal.

Continuei lendo o primeiro texto, ergui a cabeça e olhei para o cruzamento que neste momento o sinal abria e os carros avançavam o sinal verde, todos preocupados em chegar, cumprir seus compromissos, talvez um amor os esperavam. "Sinal verde", pensei, verde para os carros, verde para os meus pensamentos, que na contra mão do destino tingiu-se de vermelho. "Será que não me amou o suficiente?, será que fiz alguma coisa errada?", pensei.

Duas histórias tão semelhantes em dois contextos diferentes, vidas arruinadas, tempo não vivido, enfim tudo que afoga a alma, a alma de um doente apaixonado.

Mais um café, agora já quase frio...tão frio quanto as lembranças que me passavam pela mente. Nada de plano um, dois, muito menos plano três, porque não seria eu.

Egoísmo, ou orgulho ferido? Não. Era só um pouquinho de amor contido.

Pronto. Lá se foi o café, a empadinha, mais uma folha, mais outra...e outra. Até me calar diante da Disciplina do Amor, que disciplina! Que exercício de paciência, meu Deus!

Fiquei a imaginar se o amor tivesse me cobrado a mesma conduta, a mesma solicitude, anos e anos a fio. Se eu não me cansaria de uma espera sem fim, por mais que eu tivesse a certeza de... Certeza de quê? E que certeza temos da vida, a não ser aquilo que vivemos a cada dia? Um dia por vez, em cada seu tempo, aquilo que lhe é por direito viver.

Lá fora, o tempo mudava. O céu, oras cinza, oras claro. E o sinal abria e fechava. Os carros iam e vinham; e os perdestes também. Levantei-me decidida, paguei a conta, desci pelas ruas da cidade, avancei o sinal, coisa que não podia. Encontrei o endereço, era ali eu tinha certeza, e...sem pedir licença, entrei. Foi paixão a primeira, segunda e terceira vista. Quando o vi, abracei-o, toque na pele tão familiar, foram momentos de contemplação, de harmonia novamente. Eu olhava para ele com paixão primeira e ele olhava desejando que eu o desejasse ainda mais.

Porém, junto também vieram as lembranças terríveis, meus olhos ficaram turvos, o meu coração acelerou é, num ímpeto, que só uma mulher sabe o que é, saquei o meu cartão de crédito e levei o vestido comigo...

Pelas ruas, o vento batia no meu rosto e uma sensação de liberdade dominava meu ser. Ser feliz é um direito, correr atrás dele é um dever! O amor nos ensina, mas o amor próprio nos disciplina.

Sônia Sylva

SÔNIA SYLVA
Enviado por SÔNIA SYLVA em 06/05/2014
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