Destino

De repente, percebi que o lugar não me era desconhecido. O cheiro, o cenário, a brisa, tudo me parecia imensamente familiar, como se eu nunca tivesse me afastado dali. Comecei a caminhar entre os pequenos caminhos que conduziam às velhas casas, distantes e separadas umas das outras por jardins mal cuidados, onde o mato crescia sobre os canteiros de flores, sufocadas na paisagem. Uma ou outra janela se abria para o dia que começava a amanhecer. Senti um doce aroma de café pairando no ar e me dirigi para aquilo que parecia uma pequena quitanda. Uma senhora de corpo robusto e faces rosadas me recebeu com aspecto sombrio, como se houvesse amanhecido de mal com a vida. Expliquei que o meu carro havia se enguiçado na estrada de asfalto que ficava do outro lado e que eu precisava de ajuda para pedir socorro. Ela me mostrou o telefone e continuou sua rotina, contando moedas e ajeitando a caixa registradora. Foi então que eu me lembrei... Eu já estivera ali. Fora há muitos anos, quando ainda criança e era levada pelos meus pais para visitar velhos parentes que moravam nas fazendas próximas. Perguntei pelos nomes dos quais eu me lembrava e ela sorriu ao me identificar como filha de amigos, que ela também conhecia. Só então me ofereceu um café e se mostrou mais hospitaleira. Aos poucos fomos conduzindo nossa conversa para o passado e eu fui descobrindo que os pequenos parênteses da minha infância haviam todos se fechado, todos haviam ido embora para o outro mundo ou para partes diferentes do nosso. Mas contou-me que ainda havia uma fazenda onde o filho de um dos amigos de meu pai ainda morava. Havia ido embora para estudar, mas retornara para cuidar das terras herdadas. Ensinou-me o caminho e me ofereceu uma bicicleta, para que eu pudesse ir conhecer, até que o meu socorro chegasse. Como sempre gostei de aventuras, resolvi ocupar o tempo com o reviver das lembranças, voltar ao passado e viver o contraste da minha vida tão conturbada de cidade grande. O caminho era difícil, mas a estrada era acessível, e oferecia uma visão maravilhosa do verde mesclado com as flores do campo que brotavam em suas margens. De longe, avistei a casinha rústica que a mulher me indicara. Ao largo, uma plantação enorme de grãos, muito bem cuidada, e um curral rodeado de um gado branquinho, que de longe, parecia miniaturas movendo-se lentamente entre o verde do pasto. Aproximei-me da entrada da fazenda, gritei e ninguém respondeu. Avancei para a parte dos fundos e novamente tudo parecia deserto. Apenas o som do ribeirão que passava nos fundos da casa se fazia ouvir. Dirigi-me para o curral e gritei novamente. Ninguém respondeu. Aventurei-me a olhar no seu interior e foi então que eu o vi... Estava de costas, sem camisa, ajeitando a ordenhadeira. Uma sensação estranha passou pelo meu peito. Aquele dorso moreno de repente me pareceu familiar, próximo, íntimo, sem que eu ao menos soubesse de quem era. De repente, ele se virou para mim. Olhou-me intrigado e sorriu suavemente. Meu coração disparou e eu não consegui dizer uma só palavra no momento. Fiz menção de me retirar, mas achei a minha ideia idiota, infantil, sem justificativa. E de maneira hesitante, expliquei o motivo da minha visita, minha curiosidade em ver de novo pedaços da minha infância. Ele levantou-se lentamente, enxugou as mãos e se apresentou como dono da fazenda, convidando-me a conhecer a casa. Novamente senti aquela sensação de que tudo me era familiar e que eu já havia estado ali. Foi então que vi o porta retratos. Como uma viagem no tempo, de repente me vi misturada aos personagens da foto, e o enxerguei menino, brincando ao meu lado, com os mesmos olhos brilhantes que agora me fitavam... De repente ele tomou as minhas mãos e disse que nunca havia se esquecido de mim. Engraçado como a sua voz ia descrevendo nossas aventuras de infância e as imagens iam desfilando diante dos meus olhos, como se o passado fosse um ontem muito próximo. E entre essas lembranças, a que ele mais insistia era na promessa que havíamos feito de que nunca nos separaríamos um do outro. Sorri, meio que tímida, ao me lembrar desse tempo que o meu cotidiano conturbado havia cuidado de me fazer esquecer. Só então perguntou da minha vida. Contei-lhe da minha ida para a cidade por causa da doença da minha mãe, da perda dos meus pais pouco tempo depois, da minha mudança de país junto com meus tios para cursar minha faculdade e finalmente o meu retorno para ocupar a direção da empresa da família, assim que meus tios se foram. Contei também que a minha passagem por aquele lugar era acidental, que eu me dirigia para outro estado onde me aguardavam para a execução de um grande projeto desenvolvido pelas nossas empresas. Mas ele não pareceu se interessar por nada disso. Fixou sua atenção apenas no fato do meu carro ter se quebrado justamente na entrada do pequeno povoado. E foi então que confessou que sabia que um dia isso aconteceria, pois todos os dias e noites pedia a Deus que trouxesse de volta a menina de seus sonhos, o seu amor de infância que jamais havia esquecido. E que Deus já lhe havia dado vários sinais que um dia isso aconteceria. Fiquei sem palavras, sem reação diante dessa confissão tão inusitada e ao mesmo tempo tão linda. Acho que ao ver a cor de minha face sumindo, ele preocupou-se comigo e colocou suas mãos ao redor da minha cintura. E de repente, senti que aquele abraço era tudo que eu sempre procurei na vida, que ele era realmente a parte que faltava para me completar. Apenas encostei minha cabeça no seu ombro e me deixei levar. O mundo não parecia mais o mesmo quando nos encaminhamos para a casa. E no caminho, as flores antes tão tímidas agora se esmeravam na cor, no perfume, no espaço que ocupavam e coloriam a vida de primavera. Meu carro voltou poucas vezes à cidade grande, apenas o suficiente para me organizar para controlar os negócios de longe. Escolhemos cuidar da terra que Deus usou como cenário para o nosso reencontro. E eu nunca me canso de contar para os outros que o destino realmente existe e que o amor não encontra barreiras nem distâncias para aproximar aqueles que nasceram um para o outro. Mesmo que a vida às vezes atravesse o caminho e nos afaste do curso. O amor sempre acha um jeito de nos levar de volta...

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 18/05/2014
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