JOGOS E TRAPAÇAS DO AMOR
O sujeito me abordou na rua . Nunca o tinha visto e eu estava meio bêbado , cansado . Eram oito e meia e esperava o ônibus que me levaria de volta para casa num ponto sem sombra no centro da cidade .
- E ai , meu chapa …
Disse esse tipo , vestindo camisa Polo e calça jeans . Parecia um desses babacas cheios da grana , sorridente e com aparência boa e saudável . Ele me ofereceu um cigarro . Filtro branco .
- Precisa de fogo , meu chapa ?
Uma atitude estranha essa , pensei . Mas vou ver até onde vai , quem sabe ele não abre a carteira e me da uma grana ?
- Escuta , tá afim de uma grana fácil ?
Por deus , eu disse .
- Escuta aqui , eu não sou desses .
Falei , tragando o cigarro .
- Desses ? Como assim ?
- Não sou um puto , você deve ter confundido as coisas . O pessoal costuma me chamar de filho da puta , mas isso não quer dizer que eu seja um puto .
Minha cabeça doía e o sol incomodava a vista . Havia sido uma noite da pesada aquela . Não me lembro o motivo da bebedeira , mas exitem teorias , como essa que um velho uma vez escreveu :
Se a vida esta chata tu bebe para alegra la
Se a vida esta boa você bebe para comemorar …
E se nada acontece , bebe para que algo aconteça .
Bom , era isso ou algo mais ou menos assim . Minha vida na Open Night estava melhorando , por algum motivo que desconheço resolveram me efetivar no trabalho . Meu último texto recebeu boas criticas e eles , o chefões , viram ali uma boa forma de se ganhar dinheiro , angariar fundos para as viagens a Disney e carrões importados . Me deram um tapinha nas costas e disseram que sempre confiaram em mim .
- Muito obrigado por isso senhor ….
Eu agradeci enquanto eles riam , não sei se da minha acara ou da grana que pensavam poder fazer .Talvez fosse isso , minha sorte estava mudando , e quando o homem da camisa Polo abriu minhas mãos e botou duzentas pratas nela logo as fui metendo no bolso para ter certeza que ele não pegaria de volta .
- Agora são minhas , parceiro . Se tentar arranca las de mim eu grito , digo que tu esta tentando me roubar . Quando a policia chegar eles logo vão sacar sua cara de tarado .
O sujeito riu e me mediu .
- Bom , 'parceiro' , se realmente a policia aparecer é bem mais provável que te levem e me usem como testemunha de assassinato .
- Não sei não . Provavelmente você não testemunharia nada .
O cara fez que não com a cabeça , ainda com o sorrisinho besta no rosto . Tentava ser irônico numa tentativa vergonhosa .
- Você não me conhece , rapaz ...como pode ter certeza que eu não testemunharia contra você ?
- Realmente não te conheço , mas a reciproca é verdadeira . E tem mais , mortos não falam …
O sorrisinho besta sumiu do seu rosto . Engoliu algo em seco e botou a mão no meu ombro .
- E ai , quer trabalhar para mim ?
- E se eu disser que não ?
- Gosta de mulher ?
- Não me leve a mal , cara . Mas tu tem cara daqueles que assistem porno comendo linguiça . Vou dar o fora …
Desisti de esperar o ônibus , sai andando . Meu corpo doía , alguma briga ? Quem sabe ? Depois de cinco metros encostei num poste e o sujeito da Polo colou atrás de mim .
- Você não me parece muito bem . Parece que a vida anda lhe pregando peças . Mas eu estou aqui para lhe dar um sopro de ar fresco nessa incrível manha de segunda !
Depois de estender a mão se apresentou .
- Fagundes …
Era seu nome .
- Oliver , pode me chamar assim .
- Não se deprima , cara . A vida é escrita em linhas tortas por Deus .
- Não sei não . A minha vida parece estar sendo escrita por um desgraçado metido a escritor que não sabe botar os pingos nos ''is''. Deus não tem nada a ver com isso .
Voltei para o ponto de ônibus e me sentei nele .
Fagundes me acompanhou . Depois se lamentou ….
- Cara , estou com um problemão e acho que tu pode me ajudar . Logo te vi saquei que seria você …
- As aparências enganam . Não sou assassino , sou escritor .
Fagundes voltou a rir .
- Sabia que era algum tipo de artista só de olhar .
- Como ? Pelas roupas rotas ou pela aparência doente ?
- Classe , meu amigo . Você tem classe . É diferente do resto do pessoal . Logo nota se .
Com os cotovelos apoiados no joelho e a cabeça nas mãos , la estava eu numa posição de derrota .
- Tá legal , o que você quer ?
Dai Fagundes me contou essa historia :
O sujeito era rico , mas um babaca ( isso ele não me disse , eu deduzi ).Tenho de dizer , boa pinta , e esse era o problema . Fagundes era bitolado que todas as garotas que o conheciam se apaixonavam por seu pinto sobre rodas italiano e sua grana antes de conhece lo de verdade . Estava cansado disso . O que ele fazia agora era se corresponder por cartas antes de conhecer a mulher pessoalmente . Poucos sabem disso, mas na sessão de anúncios nos jornais você encontra de tudo . Carros usados , casas de praia , vibradores tamanho king Size , gente comprando dinheiro velho , gente vendendo dinheiro velho e não raramente pessoas procurando o amor da sua vida nos classificados . E foi nos classificados que Fagundes encontrou Rita .
Me chamo Rita . Sou jovem , loura e busco amor sincero . Procuro um homem que me veja como mulher , não como um objeto sexual . Não me importa o quão feio você seja , contanto que seja carinhoso , gentil e
não pense que meu cu é um moedor de linguiça .
Logo abaixo disso estava seu telefone . Fagundes me mostrou o recorte do jornal . Disse que havia ligado para ela e marcado um encontro na praça , de frente a Igreja Matriz as nove horas . Eram dez para as nove.
- Preciso que você vá la e se passe por mim .
Disse ele , agora sentado ao meu lado .
- E por que isso ?
- Veja bem , se eu aparecer ela logo vai sacar que sou rico e convenhamos , sou bonito . Não quero que ela se interesse por isso antes mesmo de me conhecer profundamente .
- Entendo . Dai você viu um cara na rua , feio e claramente pobre e pensou : Alguém que pode se apaixonar por um tipo assim sem duvida é uma pessoa boa e desinteressada ...
- E não foi só isso . Eu já te disse, você tem classe !
Bom , isso eu não podia negar .
Aceitei o trabalho . Bolas , era o emprego perfeito ! O cara marcava um encontro e eu testava a mulher . Me sentei na escadaria . Os pombos brancos andavam pela praça ciscando e cagando em todo lugar. Filei o maço de filtros brancos de Fagundes e acendi um cigarro enquanto esperava . Tinha uma cafeteria do outro lado da rua , de lá ele observava tudo tomando um capuccino e mordiscando seu croissant . Fez um joinha para mim . Segundo Fagundes , Rita deveria aparecer usando uniforme laranja . Segundo ele , ela trabalhava na rua próximo do local marcado . Daria uma escapadinha do serviço para se encontrar com ele , que no caso sou eu . Nove e vinte e nada de Rita . Para mim estava tudo bem , de qualquer forma a grana já era minha , mas Fagundes parecia impaciente lá na padaria , conversava com uma boazuda que acabara de se sentar na mesa ao lado . Uma negra alta de cabelos afro com pinta de modelo internacional . Enquanto isso eu suava com os primeiros raios de sol nas escadas que levam ao altar de deus . Merda . Divagando sozinho e fumando meus quinto cigarro o sino das nove e meia tocou trás de mim , algumas pombas se assustaram e voaram deixando um punhado de merda e penas em tudo quanto é canto . Se foram para voltar logo , com suas patas nojentas e olhos vermelhos .
- Elas não são lindas ?
Ouvi essa voz feminina. Sem erguer a cabeça disse que não .
- Não passam de ratos voadores …
Falei .
- Eu acho que são lindas …
- Até cagarem na sua cabeça , dai nada mais importa . Alguns acham que uma cagada de pomba é sinal de sorte . Sorte de merda , é o que eu acho …
- Tem um desses pra me arrumar ?
Disse a voz feminina , se referindo ao cigarro . Lhe entreguei o cigarro , o sol atrás de si ofuscou seu rosto , mas notei que ela vestia laranja . Ao seu lado um carrinho de lixo e uma vassoura .
- Rita ?
Perguntei .
- Você deve ser Fagundes , certo ?
Nenhum de nos dois respondeu . Ela se sentou ao meu lado e pediu fogo . Lhe estendi um caixa de fósforos . Era linda , olhos claros , a pele louro queimada pelo sol , os dentes se mostraram ligeiramente tortos quando sorriu encabulada depois de uma pergunta minha .
- Você faz sempre isso ?
- Isso o que ?
- Procura homens nos classificados ?
- Bom , a gente nunca sabe onde vai encontrar o amor …
Parecia ingenua , vinte e tantos anos com uma voz linda com sotaque das ruas . Seus corpo estava todo coberto pelo macacão laranja desbotado . Dei uma espiada na padaria do outro lado da rua . Fagundes e a negra boazuda conversavam , agora na mesma mesa , sobre qualquer coisa que os faziam rir .
- Bom , então você esta procurando encrenca nos classificados , Rita .
Falei a ela .
- Encrenca ?
- Amor é encrenca . Você ama o que lhe convêm , isso é fato .
- Não acredito nisso . Acredito no amor , acredito naquele papo de que só o amor pode salvar o mundo ...
Ingenua , como eu havia dito . Mas da forma como falava ficava impossível não se seduzido , enganado pelas promessas que nossos pais nos contavam . Permaneci firme .
- Até mesmo a poça do sangue da pessoa que você ama vai lhe fazer recuar os pés para não sujar suas botas . Acho que isso resume bem o amor para mim .
Rita olhou nos meus olhos e franziu a testa .
- O que foi que lhe fizeram ?
- Como assim ?
- Do jeito que fala logo se percebe que esta chateado . Alguém deve ter lhe aprontado algo muito feio , moço …
Joguei a bituca do cigarro no degrau a baixo e pisei sobre ele . Quando levantei a cabeça Rita olhava para a padaria . Ela pos a mão na boca espantada e se levantou .
- O que foi ?
Perguntei . Olhei para a padaria e vi a negra alta e boazuda com uma xícara de café nas mãos , estava de pé , a sua frente Fagundes se limpava com um guardanapo . O garçom tentava acalmar os dois , mas a negra parecia exaltada , apontou para onde eu e Rita estávamos e começou a gritar . Fagundes se aproximo , numa tentativa vergonhosa de se desculpar , e nesse momento levou uma boa bofetada no rosto .
- Wow !
Soltei , me levantando ao lado de Rita .
- Mas que merda !
Disse eu .
- Conhece aquela boazuda , Rita ?
A loura de laranja a minha frente baixou a cabeça e se desculpou .
- Você vai ter de me perdoar …
Disse ela , tentando se explicar .
- Eu só queria ajudar , sabe …
Fiquei quieto sem dizer nada . Por um tempo ela esperou que eu dissesse , mas não disse nada . Ela estendeu a mão e se apresentou .
- Veronica , me chamo Veronica . Eu não queria enganar o senhor … só queria ajudar …
Cobri meu rosto com as mãos , e ri .
- Tudo bem , Veronica .
Perguntei se ela tinha de voltar trabalhar .
- Oh , sim claro que sim …
Tirei as duzentas pratas do meu bolso e lhe dei cem . Ela não entendeu , mas foi logo botando a grana .
- Escuta , essa grana é sua . O que acha de sairmos daqui . Vamos lá pra casa , sei lá …
- Senhor , não sei o que pensa que sou , mas lhe garanto que não sou uma vagabunda …
- Moça , eu nunca pensaria isso . E ai , o que me diz ?Minha casa ou a sua ?
Fagundes saiu na rabeira da negra boazuda quando ela deixou a padaria.
- Aquele cara deve ter feito algo horrível . Aquela senhora me pareceu alguém bastante decente ….
Concordei com ela enquanto entravamos num táxi .
17/10/2014
07H37M