Arrependei-vos de seus pecados

- Thomas Moore, o senhor foi acusado de roubo, assassinato e terrorismo e portanto eu o condeno à cadeira elétrica. Sua execução está marcada para daqui a uma semana.

Essas eram as palavras que ecoavam na cabeça de Thomas dia e noite, sem parar. Ele iria morrer. Ia morrer eletrocutado e não havia nada que pudesse fazer. Nada.

- Ei, você aí! – um guarda da prisão gritou.

- O que é?

- É o dia da sua execução, seu bosta. Já se passou a sua semana de folga.

- Não posso ficar aqui mais alguns minutos?

- Não, temos hora marcada. Ainda tem outros dois presos na fila hoje. Acha que só por que explodiu a loja de um cara você é especial?

- Na verdade, não. – e realmente não achava.

- Hum...então vamos logo.

Thomas não achava que era especial por ter explodido um estabelecimento ou por ter matado dois policiais e uma mulher. Ele não achava que era especial por ter roubado um carro ou por ter pedido o resgate de um garoto de doze anos. Ele não se achava especial por essas coisas.

Ele não se achava especial por nada.

- Você vai poder conversar com alguns familiares e amigos antes de ser executado. Vou te levar até a sala onde eles devem estar esperando.

- Vai estar vazia.

- Vazia?

- Não tem ninguém vivo ou que não esteja preso que queira me ver. Podemos pular essa parte.

Isso também era verdade.

- Então vou te levar lá só porque a lei manda. – o policial deu um sorriso – E porque quero esfregar na sua cara que você não tem mais ninguém.

- Não precisa disso, já sei.

Thomas não tinha forças para responder alguma coisa à altura, ele nem se importava que o policial estivesse rindo dele. Ia morrer em alguns minutos. Nada importava.

O policial abriu uma porta, comprovando o que os dois já sabiam: não tinha ninguém.

- Tem razão, seu merda. Ninguém quis vir te ver antes de você morrer.

Ele olhou em volta, na esperança de ver alguém entrar na sala naquele mesmo instante. Ninguém. Não estava surpreso, de qualquer maneira. Ele era um assassino, ninguém quer ver um assassino vivo, só morto. Deu mais uma olhada na sala e então notou uma pequena capela, nunca fora muito religioso, mas talvez fosse melhor garantir...

- Posso aproveitar o tempo da visita para rezar?

- Rezar? Acho que pode.

- Vou levar só cinco minutos.

- Então anda logo antes que eu mude de ideia.

Ele andou até o final da sala e se ajoelhou, sentindo-se um pouco envergonhado de ter decidido se importar com religião agora, na hora final. Enquanto isso o policial saía da sala, e Thomas pôde ouvi-lo murmurar um Pai Nosso antes de encostar a porta. Ao que tudo indica até mesmo policiais durões são tementes a Deus.

E agora estava sozinho. Apenas ele e uma força maior que talvez nem existisse.

- Senhor nosso Deus, em nome de Jesus eu... – ele parou por uns instantes pensando no que poderia dizer naquele momento.

- Eu sempre ouvi as pessoas dizendo que você é o maior psicólogo que já existiu, e que a única coisa que você quer é ser nosso amigo. Já que é assim não entendo por que devemos conversar com você de um jeito tão submisso. Começar a conversa com “Senhor nosso Deus” faz com que as pessoas tenham medo, e eu já estou bem assustado. E eu me sinto um pouco envergonhado de ter resolvido vir falar com você agora. Eu nunca tive certeza de que realmente existia um deus e mesmo agora não sei se tenho tanta certeza assim. Mas talvez se eu tivesse ido mais à igreja não estaria aqui agora, e três pessoas estariam vivas. E uma loja estaria inteira. – Thomas parou, respirou uns instantes, e continuou. – Mas a verdade é que eu só fiz isso porque se tem uma coisa que eu aprendi com a vida é que não dá para confiar nas pessoas, se você não se virar sozinho nunca vai conseguir ser alguém na vida. Eu nunca pude depender de alguém, nem quando criança. E depois que cresci e me tornei adulto ainda tive que lidar com o desemprego e o sustento de uma família. – Agora Thomas estava chorando. – Mas dois anos atrás eu estava devendo um dinheiro para uma gangue, e não tinha como pagar. E aí eles vieram e...e...a minha filha era tão pequena...só tinha cinco anos...a vida não pode ser tão injusta assim. – Ele parou para enxugar as lágrimas que caíam aos montes pelo seu rosto.

- E depois disso minha mulher foi embora e eu tive que me juntar à gangue para pagar a dívida. Bom, vou resumir. Eu quero deixar bem claro que sei que o que eu fiz foi errado e eu me arrependo muito de ter feito, se desse para voltar no tempo e mudar tudo eu mudaria. – Thomas se levantou, os cinco minutos já iam acabar. – Mas também espero que você entenda que o que eu fiz foi por necessidade e não tenha punido a minha filha por uma coisa que eu fiz.

- Ei, coroinha! O seu tempo de comunhão já acabou!

-Só um segundo. – Thomas respondeu. – Então o que tiver que ser será. Se quiser me mandar para o inferno pode me mandar, mas ao menos tenha a decência de vir falar na minha cara depois que eu passar para esse lado.

- Anda logo, seu merda!

- Mande um abraço para a minha filha e fale que estou morrendo de saudades. – Thomas lançou um olhar de súplica ao Jesus crucificado. – Amém.

Os dois seguiram por longos corredores e passaram por muitas celas e portas até chegar ao local da execução.

- Bom, já chegamos. Pode se sentar ali para que o espetáculo possa começar.

Na sala havia alguns policiais, oito ou nove repórteres e ainda algumas pessoas curiosas que quiseram assistir. Como se a morte de outro ser humano fosse um programa de TV, que caso você não goste, é só mudar de canal.

Thomas se sentou na cadeira, pensando em tudo e nada, sentindo o coração bater mais forte.

Tum-tum tum-tum tum-tum

Eles amarraram seus pés e braços à cadeira e colocaram um capuz sobre seu rosto.

(para evitar que essas nobres pessoas vejam a minha cara se contorcer e queimar)

Será que sentiria dor?

Tum-tum tum-tum tum-tum

- Jake, pode me dar um cigarro?

-Tá aqui, mas não tenho isqueiro.

- Eu tenho.

(como se fizesse isso todos os dias)

Talvez fizessem.

Os pensamentos se atrapalhavam e mal dava para ouvi-los com aquele barulho todo.

Que barulho?

O coração buscando viver.

Tum-tum tum-tum tum-tum

- Está pronto, seu merda?

- Sim.

- Então pode ligar a cadeira, Jake!

Ouve um segundo suspenso no ar, como se o planeta tivesse segurado a respiração.

Será que existe um paraíso?

Tum- tum tum-tum tum-tum

Logo vou estar com você, filha.

A corrente elétrica atravessou o seu corpo, em menos tempo que o pensamento levou para se concluir.

Tum-tum tum-tum tum...

Ele abriu os olhos, e estava em um lugar lindo. Não se parecia com nada que já tivesse visto ou até mesmo imaginado, não havia palavras para descrever a beleza daquilo que estava vendo. E havia uma sensação de paz e alegria espalhada por todo lado, uma sensação que jamais havia experimentado antes.

Aquilo não era morrer, era voltar à vida.

-Papai?

Thomas olhou na direção da voz, e sorriu.

Matheus Barbosa
Enviado por Matheus Barbosa em 21/10/2014
Código do texto: T5007199
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