FASCÍNIO (PRIMEIRA PARTE)

É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música.

Honoré de Balzac

Rodrigo levantou-se quando Carla chegou. Cheio de atenção para ela, cumprimentou-a com um aperto de mão e puxou a cadeira para ela se sentar, só depois se sentou no lugar em frente. O restaurante estava quase cheio, um ambiente selecto.

- Teve dificuldade em chegar aqui?

- Bastante, não costumo vir para este lado da cidade. O trânsito está caótico com toda esta chuva e a hora de ponta também não ajuda.

Ela olhou à volta, admirando a sumptuosidade do restaurante e depois fixou-o, inquisitiva.

Rodrigo sorriu um pouco acabrunhado.

- Está bem, confesso… Quis impressioná-la e por isso não olhei a custos.

Carla sorriu, divertida…

- Bem vejo, Rodrigo. E parece que conseguiu, sabe?

Ele estendeu a mão sobre a mesa, tocando-lhe os dedos. - Sabe que tudo faria para a impressionar favoravelmente. Não me é indiferente, antes pelo contrário…

Ela sorriu de novo e não retirou a mão.

- Bem sei… - e olhou-o, de uma forma terna.

- Acha que terei hipóteses?

- De quê?

- De conquistar o seu coração, ter o seu amor…

- Eh,amigo,o que para aí vai… Vamos com calma, sim? Aceitei jantar consigo porque simpatizei com a pessoa que durante duas semanas negociou comigo um contrato promissor para as empresas que representamos… Mas isso não significa muito…

Fez-se silêncio. Ele olhou-a um pouco desapontado, ela notou isso.

Rodrigo pegou no guardanapo de algodão egípcio e começou a enrolar a ponta, nervoso. Depois falou:

- Não conhece nada da minha vida nem eu da sua. Mas saiba que nunca tive uma estrelinha dourada a orientar-me, em miúdo passei fome, tive muitas dificuldades para poder frequentar a escola. Calçei os meus primeiros sapato tinha seis anos. Comecei a trabalhar muito cedo e comi o pão que o diabo amassou. Subi a pulso na vida, por isso dou muito valor a tudo aquilo que conquistei e da mesma forma valorizo sobremaneira pessoas que comigo se cruzam e mostram determinação e vontade de vencer. Como é o seu caso. - Olhou-a fixamente. - Você é um osso duro de roer… Metaforicamente falando, claro. Negociar consigo foi difícil - sorriu timidamente.

Carla olhou-o em silêncio, também esboçou um ligeiro sorriso e depois retorquiu:

- Pelo meu lado, posso dizer que tive uma infância feliz, sem luxos, mas nunca me faltou o essencial. E tive quem me pagasse os estudos. Claro que tirei o doutoramento a minhas expensas. E também gostei de negociar consigo, por isso aqui estou. Admiro-o, sabe?

Encorajado, Rodrigo continuou:

-Tirei uma licenciatura em economia já tinha feito os trinta anos - comentou ele. - E também uma pós-graduação, para poder ocupar lugar de destaque na minha empresa. E, logicamente, ter acesso aquilo que o dinheiro pode comprar…

- Como um jantar num restaurante com duas estrelas Michelin, por exemplo - rematou ela. - Os preços aqui devem ser fogo…

Rodrigo riu-se com vontade. Achava-a encantadora, cada vez mais o atraía.

Escolheram os pratos, umas entradas para degustar, depois ambos selecionaram o peixe e finalizaram com uma sobremesa deliciosa, dispensando o café. Conversaram animadamente toda a refeição.

A noite ia algo avançada e ela olhou para o relógio. - Já é tarde.

Rodrigo esboçou um gesto de algum desânimo.

- Vai embora? A noite ainda é uma criança…

- Eu tenho compromissos familiares, sabe? Você não tem ninguém à sua espera? Eu tenho.

- Desculpe, não imaginei…

- Tenho uma tia muito imperativa e que me cai em cima com perguntas se chego mais tarde sem avisar. Apenas isso. - Riu da cara dele. - Não, não sou casada. Julgou que eu era? - E sorriu de novo perante o seu ar de atrapalhação.

- Não usa aliança, em princípio isso significa que é livre.

- Olhe, Rodrigo, nunca fui casada nem pretendo sê-lo. Mas mesmo que fosse nunca usaria aliança, não sou pombo-correio para usar anilha. E nesse caso não estaria aqui consigo, pode estar certo disso.

Ele sorriu de novo e olhou-a, maravilhado. Tomou a mão de Carla entre as suas.

- Diga-me que amanhã janta comigo… Peço-lhe… Se quer fazer de mim um homem feliz.

Ela fez-lhe uma carícia no rosto.

- Você existe? - Fez uma pausa. - Está bem, aceito o convite. Não vejo razão para o recusar. O Rodrigo não é má pessoa. Repito, fiquei com uma ideia positiva de si nestes dias em que convivemos profissionalmente. Já concluimos o negócio mas não vejo razão para não ficarmos amigos.

Carla fez menção de se levantar, Rodrigo logo se apressou a deslocar a cadeira para ela. Depois de pagar a despesa, acompanhou-a à saída. Chovia bastante.

- Tem o carro longe?

- Não, está ali no parqueamento. E você?

- Eu moro muito perto daqui, por isso vim a pé. Posso acompanhá-la até ao automóvel? Vejo que só tem o impermeável e sem chapéu-de-chuva irá molhar o cabelo todo.

Ela hesitou um pouco mas depois assentiu.

- Obrigado. Você é muito gentil, sabe?

Caminharam lado a lado, ela protegendo-se sob o chapéu-de-chuva dele, indo por isso muito juntos. Aconchegou-se no braço protetor dele, que lhe envolvia os ombros.

- É este - disse ela, estacando junto de um BMW de último modelo. - Obrigado - disse quando ele lhe abriu a porta do carro.

Ele pretendeu dar-lhe um aperto de mão mas ela beijou-o na face, deixando-o estático.

Aquele perfume assim tão perto e o calor do corpo dela puseram o seu coração a bater a mil. Sentiu a cabeça à roda.

- Amanhã telefona-me a indicar o local de encontro?

- Sim, Carla, não me esquecerei. De certeza absoluta. Obrigado pela companhia.

Ela sorriu-lhe, fechou a porta do carro e pôs o motor a funcionar, depois acenou-lhe com um gesto elegante e arrancou suavemente.

Rodrigo ficou parado a ver o automóvel dela a afastar-se, a chuva agora caindo com mais intensidade, tocada a vento e por isso deixando-o aos poucos todo molhado.

O seu coração não abrandava um bater acelerado, doido. Sentia que algo de diferente nascera nessa noite.

Depois de algum tempo de reflexão sobre tudo o que sucedera, indiferente ao frio que agora se fazia sentir, empreendeu o caminho para sua casa.

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 23/10/2014
Reeditado em 26/10/2014
Código do texto: T5009070
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