Superfície

Cortando desimportantes informações, esta é uma manhã fria, como de costume neste vasto oceano que tenho percorrido durante o que parecem ser anos. Estou de pé no convés e observo o além. Tudo está parado. Há uma sinistra neblina quase invisível preenchendo todo o horizonte. O silêncio, é incorruptível a ponto de fazer meus ouvidos se pressionarem para dentro, como se uma presença escura estivesse os tapando, com muito zelo. O oceano está a um tom de ser totalmente negro, e o céu acinzentado não colore o cenário. Tamanha estranheza do horizonte vazio em que nos perdemos, que pareço nunca ter conhecido alguma vez terra firme. Minha vida, toda que eu consiga me recordar, é este barco, e uma inadjetivável garota de cabelos escuros. Tem... algo de especial em seus olhos.

Cortando detalhes insignificantes, meu navio corta a água enquanto navega em uma velocidade impossível. Não há vento. Não há movimento na água, mas estamos navegando vorazmente. Nós cortamos muitas coisas ao longo da nossa trajetória de vida. Estamos sempre cortando algo. Pulando coisas, evitando aquilo e correndo daquele. Vamos passando e passando, dando jeitos, saindo do caminho, dando licença. Por favor, passe. Finja que não me viu aqui, por favor.

Até que trombamos de costas com alguém que está fazendo o mesmo. Foi assim que a conheci. Era uma noite escura para mim, talvez não estivesse realmente escuro fora de minha mente. Mal se via algo além do meu estático navio naquela noite. Eu estava no deck quando ouvi os sons de braçadas na água. Meu espanto de ouvir algo além da minha lenta respiração era maior que o meu instinto de me proteger de algum possível invasor. Já estava na escuridão há tempos, e eu nunca havia sentido outra coisa viva desde que desaportei há três eternidades atrás. Subia, pela rede de corda ao lado, uma exausta garota, não menos perdida do que eu. Senti que seus olhos poderiam me afogar de tamanha profundidade ao vê-los pela primeira vez. Ela não fala muito, e quando pergunto o que a trouxe até mim, ouço que foram gigantes tartarugas. Parece ser tudo o que eu preciso saber.

Metáforas.

Corta para o agora, na manhã fria em meu convés observando o sinistro nada. Pode parecer uma descrição entusiasmada de minha parte, mas a verdade é que todos os dias são assim. E eu nunca me canso daqui. Estamos perdidos há não sei quanto tempo, vagando, navegando. Nenhum conjunto de palavras parece descrever meus dias com ela, tudo porque não tem nada de especial, de fato, no que as palavras podem atingir. A parte da superfície.