O amor maduro é a valorização do melhor do outro e a relação com a parte salva de cada pessoa.                            
                                                                                                                                                                                              Artur da Távola
 




 
VELHOS SÃO OS TRAPOS

Aurea espreguiçou-se na cama, o corpo parcialmente tapado com o lençol e enquanto ouvia a água do chuveiro de Gabriel a correr, recordou o que tinha sido até aí a sua viagem.
 
Aposentada há cerca de quatro anos, viúva há onze, duas filhas e uma neta, vivia para a família. Há mais de quinze anos que não viajava, a doença de Roberto e depois a tristeza em que mergulhara após a viuvez tiraram-lhe qualquer veleidade. As filhas também não a encorajaram muito, ela sentia-se um estorvo para as suas descendentes e apesar de não se considerar velha, tinha preferido viver sozinha.
Foi ficando por casa, uns quantos passeios a pé, algumas, poucas, idas ao cinema. Agora, com a tv cabo, tinha todo o cinema em casa, acomodara-se. Não tinha amigas, mas como poderia ter se raramente saía de casa, detestava telefones e por isso mesmo nem tinha telemóvel?Ler e ver filmes, dois dos seus hobbies de sempre, ocupavam os seus tempos livres.
Foi levando uma vida insípida até que viu na tv um documentário sobre algumas cidades europeias. Soube depois, despertada a curiosidade por uma montra de agência de viagens, que havia programas específicos que contemplavam a visita a várias cidades em sequência, os chamados circuitos. Um desses, passando por Budapeste, Viena, Bratislava e Praga, denominado "Capitais Imperiais" tinha preço acessível e incluía algumas refeições no trajeto. Após muita ponderação, decidiu-se a reservar viagem para esse mês de Julho, sinalizando logo para ter algum desconto no preço.
 Foi difícil dominar quer a excitação que a viagem lhe causava, a primeira de longo curso que fez sozinha, quer ainda ignorar as palavras de desaconselhamento que a família lhe dirigiu. Tudo enfrentou com coragem e chegado o dia,embarcou.
A primeira cidade visitada foi Budapeste.
O tempo chuvoso, cinzento e frio, contrastando com a época do ano, provocou-lhe alguma deceção. Apesar de ter adorado visitar o Parlamento e a Ópera, edifícios de grande esplendor e grandiosidade, desiludiu-se com o cancelamento, devido ao mau tempo, do jantar num barco ancorado no rio Danúbio. A comida também não era nada de especial, no jantar da chegada tinha comido um prato típico, o goulash, muito picante e quase tinha "morrido" com cólicas.
A viagem no circuito foi feita de autocarro, com uma guia portuguesa, muito simpática e eficiente.
Foi em Viena que travou conhecimento com Gabriel. Bastante mais novo que ela, andaria pelos quarenta anos, alto e magro, boa figura, vestuário casual. Tirava fotos sempre que podia.
Quando a guia lhes comunicou que tinham um dia livre, os excursionistas, que no total não ultrapassavam os vinte, visitaram o Naschmarkt, o mais popular mercado de rua da cidade. Então Gabriel meteu conversa, perguntou se queria que lhe tirasse alguma foto. Ela hesitou mas depois, resoluta, aceitou a oferta. Simpatizou logo com ele, era brincalhão, mostrava-se sempre divertido, o que lhe agradou. Almoçaram numa McDonald's e depois andaram pelas ruas cheias de gente,na zona mais central.
A jovialidade de Gabriel fez milagres e ela sentiu-se mais desinibida, conversando abertamente. Gabriel era do Porto, Aurea de Lisboa. Conhecia o Porto de várias viagens que seu defunto marido fizera em serviço, então acompanhava-o de forma a ficar lá nos finais de semana. Adorava essa cidade, as suas gentes francas e a sua hospitalidade.
Gostaram dos vários palácios e monumentos, mas o que mais seduziu o grupo foi o jantar especial
em Grinzig, nos arredores de Viena, onde todos foram convidados a dançar  músicas locais. O típico do restaurante, as roupas dos empregados, aliado ao vinho da zona, soltou a alma portuguesa e todos dançaram e até tentaram cantar. Ela dançou com Gabriel algo atabalhoadamente mas ninguém reparou, o ambiente era descontraído.
No dia seguinte passearam com o grupo por Bratislava, uma cidade "arrumadinha", com o rosto lavado com os fundos da União Europeia.
A viagem prosseguiu finalmente para Praga, onde ficaram três noites. O hotel foi o melhor de toda a viagem, novo e com serviço impecável. O tempo melhorara muito, o calor fazia apetecer um passeio pela zona velha da cidade. Caminharam em grupo, acompanhados pela guia, pelas ruas apinhadas de turistas, em algumas os casinos eram "porta sim", "porta sim". Depressa constataram que aquela era a cidade mais europeia de todas as que tinham saído do domínio soviético.
A exposição das vaquinhas pintadas com grande criatividade, a imensa praça velha do município, com o seu relógio astronómico e vários monumentos espalhados pela cidade faziam as maravilhas dos milhares de visitantes.
Aurea e Gabriel ficaram inseparáveis. Com tempo livre para almoçar, degustaram alguns mini-pratos tradicionais e subiram ao castelo de Praga, situado na zona alta da cidade. O calor era imenso e todos os excursionistas suaram as estopinhas. Ficaram algo desiludidos, porque andaram muito e o calor tornou a visita enfadonha.
Gabriel comprara-lhe um pequeno marcador de livros no bairro dos ourives, na descida para a parte baixa da cidade. Aurea ficou sensibilizada e deu-lhe o braço, caminhando ao seu lado.
À noite, sem programa pré-definido, a guia sugeriu uma ida ao teatro negro ou de sombras, tradicional da República Checa, mas em vez disso, Gabriel desafiou-a para uma ida a um dancing com jantar e espetáculo incluídos, o que ela aceitou.
Divertiram-se muito, ela sentia-se tonta, pelo espumante e também pelo calor do corpo dele.
Foram de táxi para o hotel e Aurea apenas se lembrava das mãos quentes dele despindo-a e devassando docemente a sua intimidade. De manhã sentia-se outra, mais nova pelo menos vinte anos.
Sentira prazer, imenso prazer, algo que desconhecia desde a juventude. Seu marido nunca fora grande amante, nem ela especial apreciadora das artes do sexo. Aurea, que sempre fora contida nas suas manifestações conjugais, soltara-se, gemera de luxúria e paixão. Gabriel revirara-a, despertara-lhe sensações inebriantes, enlouquecedoras, algo para ela desconhecido. E sentira imensa ternura por ele quando cansado a abraçou e repousou o rosto nos seus seios nús. De manhã saira cedo do seu quarto, de forma muito discreta.
Nesse dia estava prevista uma excursão a Karlovy Vary, uma estância termal situada a quase duas horas de viagem de Praga.
Andaram juntos todo o dia, visitando as termas de águas sulfurosas, situadas no centro da pequena cidade. A guia informou que iriam almoçar no hotel Pupp, onde tinham sido rodadas algumas cenas do filme "007 - Casino Royale". Foi um dia bem passado, os excursionistas ficaram maravilhados com a beleza estética e arquitetura presentes em todas as ruas da localidade.
Regressaram no final da tarde a Praga e andaram um pouco pela zona central, atravessaram a ponte Carlos quase ao anoitecer e tiraram selfies juntinhos, perante o olhar reprovador de um casal que também integrava a viagem.
Esse seria a última noite em Praga, depois seria o regresso a Portugal.
Nessa noite a paixão foi avassaladora, ela delirou nos braços de Gabriel. Nunca se sentira assim… Lamentou todo o tempo que perdera, numa vida amorfa, sem conhecer as delícias do amor. Apesar de num dado momento ter pensado que talvez aquela relação não tivesse pernas para andar, ele era mais ou menos da idade da sua filha mais velha, concluiu que valia a pena arriscar, iria arriscar, sem dúvida.No dia seguinte seria o regresso, mas não o fim daquele idílio.
O livro da sua vida iniciara um novo capítulo…
 
Esperou que ele saisse da casa de banho e quando veio junto da cama, enlaçou-o pelo pescoço e puxou-o docemente para si…
 




 

Imagem: Vista geral de Praga - Google.










 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 02/01/2015
Reeditado em 02/01/2015
Código do texto: T5088500
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