Sombras e Máscaras

Demorei para aceitar o fato de que havia se erguido uma parede entre nós, até que se materializou de repente bem na minha frente e me fez sentir uma dor tremenda ao bater com a testa nela enquanto caminhava.

Do meu lado, eu tentava pintar a parede com as melhores cores que conseguia e enfeitar com desenhos sinceros, mesmo que imperfeitos. Em alguns momentos ruins, pensei em apagar tudo, arremessar um balde de tinta preta que me impedisse de começar novamente, mas nunca cheguei a tanto. Em outros momentos, bati de leve com os nós dos dedos na parede esperando alguma resposta vinda do outro lado. Até pensei ter ouvido resposta algumas vezes, mas certamente foi a minha imaginação me iludindo, alimentada por meu desejo de reencontrar a garota que um dia amei.

Em um dia nublado, pouco tempo depois, sentia-me repentinamente inspirado, pronto para fazer o meu melhor desenho, aquele que simbolizaria uma nova etapa em minha vida, na qual pensar nela já não faria parte. Enquanto procurava o melhor local para começar, notei uma pequena fissura com um orifício ainda menor bem em seu centro. Eu tinha certeza de que aquilo havia surgido recentemente, pois conhecia bem cada centímetro daquela parede.

Hesitei um instante, mas resolvi olhar pelo orifício, percebendo que a parede era bem mais estreita do que eu havia imaginado até então. Do outro lado, uma fumaça sutil envolvia o ambiente – pelo odor que chegou até mim, parecia de cigarro – e demorei um pouco para discernir o que via. Notei algumas luzes coloridas vindas do teto que refletiam nas paredes e nas máscaras – havia várias, todas iguais e todas sorriam. Elas cobriam rostos de pessoas que eu não conseguia identificar, pois estavam envoltas em sombras e flutuavam lenta e desordenadamente pelo recinto, que tinha o tamanho de um bar… Pensando melhor, o lugar parecia realmente um bar, com mesas, bebidas e sombras que deveriam ser garçons, já que seguravam bandejas e serviam as outras sombras. Uma música lenta e melancólica tocava, fazendo sentimentos muito ruins surgirem em minha mente.

Mal terminei de assimilar tudo o que via, notei uma mesa num canto distante que me chamou a atenção. Nela havia umas cinco ou seis sombras mascaradas – era difícil ter certeza, já que pareciam fundir-se e separar-se como se fossem um único ser feito de uma substância estranha e fluida. Sorriam aqueles insinceros e inflexíveis sorrisos, enquanto cercavam alguém que diferia de todos naquele lugar, alguém real e sólido que as sombras não conseguiam consumir, e que eu sabia exatamente quem era, embora ostentasse em seu rosto a mesma máscara usada pelos outros.

Era ela. Constatar isso fez meu coração disparar, e acredito que os batimentos estavam tão fortes que ela ouviu, pois olhou imediatamente em minha direção. Senti seus olhos me fitarem com intensidade, mas já não me reconheciam. Ergueu uma das mãos e a introduziu nas sombras de alguém ao seu lado, de onde retirou mais uma máscara idêntica às demais. Apontou-a em minha direção oferecendo-a, mas fiz sinal negativo com a cabeça sem pensar duas vezes, mesmo sabendo que só meu olho era visível pelo orifício. Mas ela entendeu minha escolha, percebeu que eu nunca aceitaria me tornar o que ela escolhera ser. A música parou, bem como todo o movimento naquele lugar. No momento seguinte, duas coisas aconteceram simultaneamente.

Lágrimas negras começaram a escorrer de dentro da máscara dela – o que tornava o sorriso muito sinistro e triste – e as sombras ao seu redor começaram a envolvê-la, finalmente conseguindo consumi-la até que se dissolvesse. Eu senti que ela se lembrara de mim no último instante, mas agora escolhera ir para sempre. Uma grande tristeza me invadiu, mas eu sabia que nada poderia fazer. Afastei-me do orifício, consegui um pouco de argamassa e o fechei.

Peguei um balde de tinta amarela bem clara e pintei um enorme sol onde antes havia a fissura na parede. Permiti-me lembrar uma última vez dos momentos felizes vividos há tanto tempo, marcando em cada traço do desenho um pouco daquela felicidade.

Ao terminar, deixei o pincel cair da minha mão e apreciei a pintura por um momento. Virei-me então para o horizonte atrás de mim, onde o verdadeiro Sol começava a nascer depois de muito tempo. Senti o calor em minha pele e vi vários caminhos surgirem e se intercalarem até pararem bem diante de meus pés. Escolhi um e comecei a caminhar, prometendo a mim mesmo nunca olhar para trás.

(Publicado originalmente em meu blog http://reflexoescronicas.com)