Conquista

Enquanto eles tentavam encontrar o caminho que os levassem ao lual uma fina chuva começou a cair, no início foi confortável sentir as leves gotas tocarem os rostos enquanto eles vagavam, eram como se as poucas estrelas que eles viram no céu antes de saírem do hotel pulassem sobre eles, uma melodia natural começou a tocar e uma onda de vento gélido passou entre ambos, mas ao invés de separá-los fez com que eles buscassem o calor daquela amizade. Corajosos, Mike e Cecília continuaram caminhando, até que a chuva se jogou intensamente sobre eles. Mike olhou para o céu e permitiu que as gotas, que caiam agora ininterruptas, lhe atingissem com ímpeto. Por ele continuaria desafiando a fúria etérea, mas antes de esbravejar contra o alto, algo há muito adormecido lhe sugeriu que talvez aquilo não fosse uma maldição, antes de agarrar Cecília pelas mãos e correr até um local protegido, deu um sorriso e falou para si mesmo: “será que ele tá querendo me ganhar de novo, só com isso?”

- Cecy, acho melhor desistimos dessa procura louca e reconhecermos que estamos mesmo perdidos.

- E o que você sugere? – Perguntou Cecília, tentando escorrer a água do cabelo.

- Ficar com você aqui. – Mike disse com um quê de malícia estampado em cada palavra, Cecília, no entanto o encarou com um meio sorriso e só restou a Mike a chance de disfarçar sua explicita intenção. - Bom, e esperar a chuva passar...

- Para irmos embora. – Completou Cecília.

Enquanto esperavam a chuva amenizar Mike ofereceu seu casaco para Cecília e ele mesmo delicadamente a vestiu. Embora de tempo em tempo sentisse um discreto arrepio subir-lhe o corpo, evitou demonstrar que estava começando a sentir frio. Para ele era satisfatório ter Cecília ali e se fosse preciso ele a daria toda a sua roupa só para esquentá-la. Mas por que não dar-lhe o corpo? Mike buscou coragem nas luzes que piscavam distante na torre de transmissão e perguntou:

- Posso te abraçar? Você ta começando a tremer.

Cecília aproximou-se de Mike e escondeu-se em seus braços. Por que ele demorou tanto para pedir algo tão simples, se ele demorasse mais um pouco era ela quem iria envolvê-lo. Com a cabeça repousada no ombro de Mike Cecília sentiu o cheiro gostoso que exalava daquele corpo, que mesmo sendo tão jovem já se mostrava tão forte e acolhedor. Quando Mike passou os braços por suas costas puxando-a lentamente para mais perto dele, ela imaginou o que Jéssica estava perdendo e teve uma vontade passageira de insistir para Mike ficar com a amiga. Quando os dedos desbravadores de Mike abriram trilhas em seus cabelos ela desistiu de pensar em Jéssica, havia mais em Mike que ela queria conhecer, nem que fosse somente para saber qual seria a sensação de estar com ele. Quando ele encostou o rosto no seu, o atrito da pele molhada e contraditoriamente pulsante foi uma tortura para ela, sentir a respiração dele tão próxima e aquele hálito tão doce a fez esquecer-se de tudo e quando por fim, Mike aproximou os lábios para beijá-la Cecília simplesmente se despertou e percebeu que aquilo era loucura, que Mike ainda não a tinha conquistado, que o seu namorado a esperava e que, principalmente, a chuva havia cessado.

- Acho que já dá pra irmos, não é?

Mike entendeu o que acontecera há pouco. Era cedo, ele havia se deixado levar pela oportunidade, mas reconhecia que deveria ter se segurado. Caso ele perdesse a confiança de Cecília a essa altura, poderia não ter mais nenhuma forma de recuperar. Porém controlar aquele desejo não fora nada fácil. Como suas mãos estavam quentes, vibrantes com o toque no corpo de Cecília, como aquele abraço tinha sido diferente dos muitos abraços que ele dera na sua vida em tantas outras garotas. Estranhamente ele não estava excitado sexualmente, mas sabia que de maneira estimulante todo seu corpo havia correspondido. Para não tocar no assunto e não aparentar-se arrependido, afinal, desculpas poderiam revelar fraqueza e no momento não era o que ele queria transparecer, ele apenas acenou a cabeça em sinal de sim e ainda abraçado percorreram o caminho de volta ao hotel.

O retorno foi silencioso. Ainda chovia pingos miúdos e teimosos que de quando em vez Mike tirava do rosto de Cecília com a mesma mão pousada em seu ombro. Uma confluência de pensamentos percorria a cabeça e o coração de ambos. Cecília tinha vontade correr para seu quarto e esconder-se debaixo das cobertas e ali esperar o primeiro sonho de uma forma desafiadora, aquele primeiro que lhe surgisse no sono seria esse o merecedor de sua paixão, mas tinha medo de se Mike ali tão perto dela, de algum jeito não lhe pudesse seguir até sua cama e deitar-se com ela. Mike queria deixar a covardia de lado e dizer para Cecília que ele estava sentindo algo sincero por ela, que aquele namoradinho dela era um idiota, e que não merecia a confiança cega que ela lhe dava, e que diferente daquele babaca ele estaria sempre do seu lado. Mas ambos não disseram nada. A cada passo os pensamentos se reviravam e a coragem de resolver logo aquilo crescia dentro de cada um, porém antes de ter força suficiente eles avistaram as luzes do hotel.

Quando chegaram à porteira, Mike retirou o seu casaco de Cecília e a encarou. Ela leu o que estava escrito naqueles olhos negros com tamanha facilidade que pensou merecer um diploma. Antes de se afastarem Cecília tomou as mãos de Mike entre as suas. Acariciou-as por alguns instantes e enquanto falava revelou com os olhos algo que Mike não conseguiu ler.

- Acho que foi bem melhor não termos conseguido chegar ao lual.

- Também não faria sentido. Lual sem lua não é lual. Mas eu também acho que valeu muito a pena.