A proposta

Entregue ao silêncio, ela me encarava com um olhar profundo e provocativo; um sorriso debochado e brincalhão lhe enchia o rosto. Este rosto, que tinha a mesma beleza que o sol, ocasionalmente ocultava-se atrás do cabelo, mas num gesto gracioso as mãos, solícitas, o enxotava. Ufa, quantos adjetivos!

Gozavam de liberdade as suas pernas, a todo momento inquietas sob a mesa. Até ali tivera eu poucas oportunidades de vê-las, douradas em um bonito vestido preto.

Olhei para os cantos, mas o fiz apenas por pretexto de consciência. Entretido, estava nenhum pouco preocupado com o que poderia se passar nas mentes dos outros clientes. Fiz um gesto discreto com a mão, chamei-a para mais perto e disse-lhe ao pé do ouvido:

- Te dou cinquenta para você mostrar a calcinha.

Ouvida a minha proposta, ela encostou novamente as costas na cadeira e, com uma imperturbabilidade indecifrável nos olhos, seu sorriso ganhou um novo ar de zombaria, com covinhas nas bochechas. Faltam-me palavras para lhes explicar de qual tipo de zombaria estou a tratar, só posso dizer que era um tipo diferente do primeiro, ainda mais infantil. A sua imagem de braços cruzados me desassossegou, pareceu-me uma postura bastante defensiva. Diante da ausência de uma resposta verbal, agachei-me como se procurasse um ratinho invisível a correr pelo piso, um talher desembestado que, embasbacado com o infame pedido, saltara da mesa ou um duende puxador de meias deveras inconveniente. Ali, mais seguro, não necessitava de a encarar. Era o lugar mais apropriado, fosse qual fosse a resolução, e também a deixa, caso aceitasse o pedido. Por fim, complacente, ela afastou um pouco mais as pernas e subiu o vestido. E mais um pouco. Não demoraria muito para que eu conseguisse ver a calcinha branca por baixo da mesa.

Após muita hesitação, sai da "toca" e me apercebi jubiloso; satisfeito com tamanhas ousadias, por carecer de sensatez quando esta por muito tempo nos encarcerava em uma vida de monotonia.

Meu celular se encontrava próximo ao cotovelo. Ela o apanhou num movimento ágil, fazendo-o desaparecer por completo de minhas vistas. Enquanto eu ainda me perguntava qual seria a finalidade daquela ação, ela devolveu-me o celular, fitando-me ainda fixamente, com o mesmo sorriso largo e as tais covinhas nas bochechas. Quando olhei a imagem estampada na tela do aparelho deparei com uma foto da calcinha, bastante nítida, e que ela mesma tirara naquele instante.

- Você é muito boa para tirar fotos. Poderia ser fotógrafa.

- Gosto mais de posar - objetou ela.

- Tem talento também - concordei ao conferir outra vez a foto.

- Obrigada - respondeu ela - Mas se me convidasse para ir à praia, poderia vê-la de graça. Não só a minha, é claro.

- Você tem razão. Mas acho isso mais excitante. Além de que não gosto de praias. Os banhistas me causam tédio.

- Sensato - respondeu com um tom de aprovação.

Trêmulo como o diabo, enfiei a mão no bolso do paletó e retirei a carteira; contei o dinheiro em embaraçoso silêncio e, em seguida, estendi o braço sobre a mesa. Disse:

- Pode ficar com o troco.

- Fique com ele - disse ela - Só me dê quando eu tiver dinheiro para pagar uma viagem à Paris.

Eu era, ao mesmo tempo, o seu freguês e o seu banco. Insisti para que ficasse com o dinheiro, disse que aquele não contava com o restante, que o aceitasse apenas como um presente e que guardaria o mesmo valor para a sua viagem. Enormemente agradecida, ela riu, tomou o montante e o guardou no decote.

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