O amor de Liz

Liz era sonhadora, amava e se orgulhava dos pais, os quais eram caseiros em um terreno valioso de um bairro nobre. Ela era uma garota discreta, falava baixo. Havia um músico perto de sua casa que tocava piano e violino, daí o gosto dela por música clássica. Também gostava de ler. Sem sair do lugar viajava além-mar.

Seu maior desejo era mudar de vida, pois não se conformava com a pobreza. Algo estava errado. Os pais dela trabalhavam demais e recebiam pouco. Não tinham trabalho bem remunerado para garantir o futuro deles. Não tinham carteira de trabalho assinada, assistência médica, férias, etc.

A mãe era lavadeira. Mãe e filha caminhavam pelas ruas elegantes do bairro onde residiam, carregando roupas limpas e passadas. Camisas eram entregues em cabides. No retorno das entregas carregavam as trouxas de roupas sujas. Liz abaixava a cabeça quando passava pelos jovens de sua idade.

Um dia Liz conheceu um rapaz que residia próximo dela. Ele era lindo e educado, namoraram por um bom tempo. Ele frequentava a casa dela, mas ela nunca fora convidada a visitar a casa dele. Ela achava isto estranho, mas nunca teve coragem para comentar com ele. Faltava um compromisso maior, faltava algo.

Então em um momento de fragilidade surgiu outro jovem com promessas e ela foi seduzida. No anseio de mudar de lugar, iniciar uma vida nova, Liz disse adeus ao seu amor de adolescente, partiu para outro país. Depois de algum tempo retornou ao Brasil, mas mudou de cidade. Mas Liz nunca esqueceu o seu grande amor. Ficava imaginando onde e como ele estaria.

Transcorreram três décadas, muitas coisas se passaram e ela se divorciou, retornou para a cidade onde nascera. Com o desejo de resgatar o passado, se empenhou em descobrir o telefone do seu antigo amor. E conseguiu!

- Alô... sou a Liz. Este telefone é do ....?

- Liz ?

- Sim a Liz do ...

- Não acredito! (risos de ambos)

Conversaram rapidamente. Ele estava em uma reunião, retornou a ligação depois de alguns minutos. A partir de então os dois telefonavam um para o outro, como se fossem adolescentes. Assunto do passado não faltava. Por uma coincidência da vida, ele também divorciara.

Ele foi comedido, talvez tenha ficado assustado. Porém quis vê-la rápido, marcaram dia e horário. Liz ficou ansiosa, voltara no tempo como se fosse uma menina. Assim que se encontraram se entregaram aos risos, felizes, um olhando para o outro, sem acreditar no que estava acontecendo. Depois emudeceram por alguns instantes, semblante sereno, os dois com os olhos marejados. Abraçaram-se, uniram suas mãos, apertando-as. E depois ela deslizou as mãos pela face dele e ele fez o mesmo. E depois ele tocou seus cabelos, vagarosamente, deixando-a trêmula. Ela começou a chorar. Abraçaram-se novamente. Foram momentos agradáveis, com muita nostalgia. Depois de algumas horas se despediram.

Não tardou e se encontraram novamente. Mas neste dia ele estava diferente, não sorria tanto. Em alguns momentos relembrou momentos bons que passaram juntos e depois tocou na decepção dele. De repente ele fez uma revelação:

- Liz, eu a amava tanto, tanto! Você para mim era uma caixinha de cristal.

Ele falou com um tom de mágoa, suspirou e depois sorriu discretamente. Os dois conversaram um pouco mais e, olhando para o relógio, ele disse que tinha compromisso. Iria viajar e no retorno ligaria para ela. E assim ele se despediu:

- Liz, qualquer dia a gente se encontra.

Ela estava arrependida do passado e frágil por seus problemas particulares. Ao contrário dela, ele estava muito bem. Então Liz teve medo de lutar por aquele amor, nunca mais ligou para ele, nem respondeu aos seus telefonemas. Ela o desejava, mas preferiu se afastar.

Liz sumiu da cidade. Ninguém sabe pra onde foi, ninguém mais a viu. É possível que tenha se arrependido, mas assim preferiu.

(Texto já publicado em livro)