Amor à prieira vista?

Eram seis horas da manhã quando meu filho adolescente bateu na porta do meu quarto, certificando se eu já havia acordado. Fingi que acordei com a batida.

- O que foi? Esqueceu que hoje é sábado?

Aos sábados ficávamos livres para fazer o que quiséssemos, e ele sempre optava por dormir até o meio do dia. Depois de minha viuvez eu também não encontrava muitos motivos para pular da cama muito cedo.

- Nós vamos tomar café com eles?

Sua voz desafinada saiu muito ansiosa. “Eles” eram dois adolescentes com seu pai e sua mãe, ambos “pais” solteiros. Comigo viúvo, formávamos um estranho grupo de famílias assimétricas. O “pai” é meu colega de escritório que tem um filho de 16 anos, mesma idade do meu próprio. A “mãe” é uma bonita mulher que aluga o quarto extra do meu colega para seu único filho de 15 anos estudar e conhecer a família do pai. Eles moram no interior e não tem amigos na cidade. Meu colega disse estar tentando socializá-los e fez uma referência singular a eles, quando nos convidou para jantar na casa dele, na noite anterior.

- Eles são legais, um pouco estranhos, mas se você quer uma boa companhia para seu filho, recomendo aquele garoto. E se me permite a intimidade, com todo respeito, recomendo também a mãe dele para você... Por que eu já estou apaixonado, senão...

O comentário abusivo dele fez meu sangue subir, pois eu detestava esse tipo de joguete. Mas não pude deixar de reconhecer que, pelo menos, ele estava me avisando. Afinal, não era a primeira vez que alguém do escritório tentava me apresentar uma mulher, pois todos achavam que minha viuvez estava “demorando demais”... como se esse não fosse um estado permanente de um ser humano que perdera bruscamente o único amor de sua vida... E essa idéia determinada fazia com que meus sócios vivessem marcando jantares na casa deles e me forçando comparecer.

Mas Frederico era novo na empresa e mal me cumprimentava, então fiquei pensativo. Mas como o convite era extensivo ao meu filho, decidi abrir mão de senões. Mas o colega pareceu sentir a minha reserva e discou para sua própria casa, e falou no viva-voz.

- Tê? O jantar cabe mais um convidado? Tem um cara boa pinta aqui que tá disponível e é uma boa opção se você quiser se divertir no final de semana... E tem também um colega que tem um filho da idade dos nossos e ficou viúvo a pouco tempo... qual dos dois eu posso convidar?

Uma voz que me pareceu aliviada respondeu decidida, pra não falar suplicante.

- O viúvo... por favor... meu filho está quase deprimido e um coleguinha vai ajudar a distrair ele... Ah! Pergunta se eles gostam de lasanha...

Meu colega abriu um sorriso sedutor.

- Lasanha...? Você...?

- não... não... já te disse que eu posso matar um homem e eliminar as provas, com classe, mas não me pede pra enfrentar a cozinha.... não... foi dona Aurora que fez pra mim e como eu comprei os ingredientes dobrados, ela fez duas travessas gigantes, com muuuito queijo... Mas traz o sorvete... eu sabia que estava esquecendo alguma coisa... ou talvez eu tenha me esquecido de propósito... paciência...

Eu me assustei com a espontaneidade dela e a idéia de uma travessa de lasanha borbulhando com o queijo derretido me sensibilizou. Após conferir o endereço liguei para meu filho para comunicá-lo, pois como pai eu achava que tinha o direito de arrastá-lo para fora de casa. A única pergunta que ele fez foi: “a gente não vai voltar tarde não, né... pai?”.

Isso me alertou para o fato que eu deveria insistir em movimentar a nossa vida social, já que ela praticamente implodiu após a morte da mãe dele. Ele não queria sair mais de casa, seus amigos praticamente desistiram dele, e eu tinha menos ânimo que ele para qualquer coisa que não fosse obrigatória. Até os jantares na casa de minha irmã estavam ficando intoleráveis.

As oito em ponto, toquei o interfone de um apartamento no último andar de um prédio sem elevador. Foi o colega quem nos recebeu, e após me instalar e me oferecer uma bebida, fiquei sabendo que a inquilina estava tomando banho e os garotos foram buscar o sorvete que ele havia esquecido. Mas o cheiro de queijo sendo assado me tranqüilizou, já que se tudo desse errado, pelo menos eu não dormiria com fome.

Mas quando a amiga dele veio ter conosco, eu não soube o que dizer nem o que fazer com o copo que eu segurava. O certo era eu depositá-lo em algum lugar antes de me levantar, pois assim teria a mão livre para cumprimentá-la. Mas o copo estava seguro pela minha mão, como se ele fosse uma bala de oxigênio da qual eu não pudesse me afastar, e meus olhos e cérebro não conseguiram raciocinar após pregar os olhos nela. Ouvi um nome: Maria Teresa, mas seu cheiro chegou entupindo minhas narinas, impedindo os demais sentidos de se manifestarem.

Meu cérebro me avisou que desde minha viuvez, a três anos, não tivera nenhuma mulher em meus braços. Mas o aviso dele não foi delicado, e tive que me remexer para distrair meu corpo da informação. Eu já havia me esquecido que eu ainda sou jovem e saudável, apesar de viúvo.

Descobri subitamente que meus hormônios estavam a todo vapor, meu corpo é que não estava sentindo os efeitos deles. Mas agora ele pareceu erupcionar como um vulcão adormecido. E não foi somente o fato de ela ser bonita, pois já fui apresentado a outras muito mais belas. Mas essa me sorriu gostoso, com uma intimidade reconfortante, não invasiva como as demais.

Eu não consegui tirar os olhos do sorriso dela. E pior, eu senti o efeito do sorriso dela em mim. Eu me senti acariciado, reconfortado, seguro. Depois fiquei com medo.

Só para esclarecer, meu amigo era negro. E sem preconceitos, mas quando alguém de uma raça diferente da sua fala em te apresentar um amigo dele, você logo imagina que é um igual a ele, e não a você. E o que eu tinha na minha frente era uma jovem de uns trinta anos, loiríssima, cabelos longos e olhos que não eram castanhos e que provavelmente tinha o sorriso mais espontâneo do mundo.

Ela entendeu o meu embaraço, para meu desconforto, e pediu que eu ficasse à vontade, que ela ia pegar refrigerante pra ela e para meu filho, já que não nos acompanharia no vinho. Da cozinha justificou (e eu também gostei do jeito espontâneo dela expor seus pensamentos).

- Se tendo pleno controle sobre meu cérebro eu já falo um monte de besteiras, nem queira estar por perto se ele estiver embaraçado pelo álcool...

Eu nada falei, sei que devia ter concordado, ou discordado, na verdade qualquer atitude seria melhor que o silêncio, mas consegui justificar meu ego, que era por causa da falta de prática com as mulheres.

Afinal, já fazia vinte anos que eu fora cortejado uma última vez, ou que cortejara alguém... Quer dizer, minto, faz vinte anos que meu corpo reagiu de maneira incontrolável, a uma estranha. Minha mulher conhecia todas as minhas intimidades, e isso era muito bom...

Mas quando ela voltou, se sentou ao lado do meu garoto e travou uma animada conversa com ele. Quantos anos; onde estudava; que série cursava; se tinha muitos amigos; onde eles se divertiam; se ele freqüentava algum clube com piscina... Eu o olhei preocupado, ou talvez estivesse enciumado, pois também não me lembro de uma mulher solteira me ignorar tão facilmente, e não gostei.

Tentei sondar as reações do meu filho ao bombardeio maternal, mas ele respondia com tanta naturalidade que me pus a escutá-los. Mas a fala dele me assustou, embora eu já soubesse do que ele falava. Talvez eu não gostei de vê-lo expondo isso a uma estranha, pois senti que eu estava falhando com ele.

- Na verdade eu não ando saindo muito... depois que mamãe morreu eu só fico em casa... está muito difícil sem ela... é estranho por que ela sempre conferia minha roupa antes deu sair...

A moça sorriu e falou espantada.

- nossa... que coincidência... eu também faço a mesma vistoria no meu filho, só que é o tempo inteiro, quando ele sai, quando chega, quando vai dormir, quando sai do banho... Ele fica uma onça... então eu já prometi que vou fazer isso só até ele fazer 16. No dia seguinte do aniversário dele eu não vou fazer mais... quantos anos você tem mesmo...? ...17? Então considere-se livre dessa vistoria... Nessa idade nenhuma mãe faz mais isso... Certo?

Ela ganhou a minha gratidão quando esperou meu filho responder. Adultos normalmente não dão atenção para adolescentes, e quando o fazem, normalmente não esperam uma resposta.

Mas ela olhava fixamente para meu filho. E meu filho estava muito carente, eu observava essa lacuna e não fazia idéia de como preenchê-la. Ela insistiu novamente.

- Certo?

Ele sorriu timidamente.

- Certo

Ela sorriu muito segura

- Muito bem... mas caso você esteja muito inseguro e quiser uma opinião feminina pode vir aqui que eu te dou, embora eu não entenda patavina de moda e menos ainda da masculina... Mas sei dizer se o banho limpou direito e se o cabelo está precisando de corte e...

Mas ouvimos chave na porta e logo dois homens entraram com uma sacola de supermercado na mão. Um era negro e muito alto e se apresentou como André. O outro era tão alto e de cabelos pretos e olhos muito azuis e se apresentou como Samuel. Mas quando eles se aproximaram eu percebi que eram muito jovens. E foi o filho dela quem cumprimentou meu filho calorosamente, disparando a falar.

- Ei cara... você deve ser o Mateus, o filho do Antonio que trabalha com meu tio na empresa. E você também não tem mãe, é isso? Então bem vindo ao clube: o Andrezão não tem mãe e eu não tenho pai. Agora que você já conheceu a minha mãe, se quiser eu posso te emprestar ela pras reuniões da escola e pagagem de mico. Se você puder me emprestar o seu pai, eu vou ficar muito agradecido. De vez em quando vão precisar chamar um responsável e eu gostaria muito de não precisar chamar a minha mãe. Não que ela não seja responsável, mas ela é excessivamente responsável e tem o poder de complicar as coisas simples, se é que você me entende... E se já está com ela a mais de cinco minutos já deve entender do que estou falando. Se não, até o fim da noite vai ficar completamente sensibilizado pelo meu drama pessoal...

Não sei se fiquei com pena do meu filho, na verdade tive muita dificuldade de entender o que ele expressava. Ele me parecia encantado com o garoto, igual eu havia ficado com a mãe dele. E, puxa, como eles falavam... Mal o garoto terminou de falar já estava indo em direção à cozinha para guardar o sorvete que estava derretendo, depois sumiu em direção ao quarto.

O “Andrezão” se sentou ao lado do pai e mal teve tempo de oferecer mais refrigerante pois logo o garoto estava de volta, mas agora com uma cara muito séria. Ele se sentou perto da mãe dele e como ficou muito calado e com uma cara estranha a mãe também parou de falar. Quando ela perguntou se havia algum problema, antes dele responder o Andrezão sorriu em expectativa e espichou o corpo para trás, abrindo os braços jocosamente. Samuel trocou olhares entre ele e a mãe e por fim se decidiu.

- não... nada... é só que eu fui guardar uma coisa na gaveta de calcinha da senhora e vi uma sacola da loja de cueca que a senhora falou que não tinha ido... Daí eu fiquei curioso e abri a sacola... A senhora pode me explicar o que significa aquilo?

Todos nós vimos uma mãe muito desconcertada diante de uma pergunta embaraçosa de um filho. A única dúvida era: que pergunta embaraçosa ele fazia?

- não... é nada demais, meu filho... nada mesmo... coisa boba da cabeça da mamãe... já passou... esquece... já faz muito tempo, eu tava com muita coisa na cabeça e não tava pensando direito... na verdade eu tava apavorada com esse menino aí me atormentando com aquelas histórias... e insinuações... e perigos.... e... enfim... passou, viu? A mamãe te ama muito, mesmo se você fosse... de qualquer jeito você é o meu filho preferido...

Os dois ficaram alguns segundos se entreolhando numa muda conversação. Até que o menino se achegou a ela, a abraçou e beijou suavemente a cabeça dela, enquanto acariciava seu rosto. Depois segurou no queixo dela e forçou ela a olhar pra ele.

- Mamãe... mamãezinha... eu não sou gay... – depois pareceu refletir – não... não sou mesmo, viu? Não consigo nem pensar nessa... nada contra... respeito muito... mas da onde a senhora tirou essa idéia, hein? Por um acaso alguma coisa no meu comportamento fez a senhora ter essa idéia...? Ou talvez o jeito que eu me visto, ou falo, ou porque eu ainda não tenho namorada e todos os garotos da minha sala já transaram?

A mãe falou entre aliviada e pesarosa.

- Não... é nada disso... é que um dia eu ouvi você falando que odiava as meninas, então eu pensei... mas depois eu vi você elogiando uma outra, aí eu fiquei confusa...

O garoto falou excitado.

- Mas eu tenho justificativas, mamãe, e a senhora vai ficar feliz, ou talvez não, não sei... É que as meninas daqui são diferentes, mamãe, elas quase se jogam em cima da gente, andam quase peladas, todos os meninos já pegaram quase todas... e eu não sei, mas eu queria que fosse especial, só isso... Eu queria que fosse diferente...

Ela passou a mão carinhosamente no rosto dele. Eu me lembrei de mim mesmo nessa idade, e naquela época desejei loucamente alguém que falasse de minha vida sexual daquele jeito.

Mas o garoto de repente fez cara de quem estava muito zangado. E despejou palavras raivosas nela.

- Então da próxima vez me pergunta antes de gastar dinheiro com porcaria, certo? Ou agora a gente vai ter segredo um pro outro? Então prometo, solenemente, te avisar de qualquer desvio de padrão, certo? Ah! E a propósito, antes de qualquer outra dúvida, eu também não tenho a menor pretensão de usar qualquer tipo de droga, nem cigarro e bebida só suco e refrigerante. Certo? Também não gosto de festa punk e nem qualquer outra que você não possa ir... Mas não espalha isso senão vai acabar com a minha reputação, certo? E também estou pensando... pensando... nada definido ainda, mas pensando em fazer Direito... Talvez eu goste da idéia de ser um advogado pra tirar bandido da cadeia... e outras pessoas que por acaso possam cometer algum crime por acidente, tipo matar alguém de raiva... essas coisas... O que a senhora acha?

Novamente presenciamos uma mãe emocionada, não, abobalhada, ao ver as gracinhas do filho pequeno. Mas o Andrezão queria sangue.

- Agora que vocês já se reconciliaram, será que poderiam dividir conosco o motivo dessa tão bela e espontânea declaração?

Samuel olhou o amigo e a visita da mesma faixa etária. Suspirou tragicamente e apertou o abraço da mãe.

- minha adorável mezinha aqui teve um colapso nervoso assim que a gente veio pra cá e saiu para comprar cueca pra mim e comprou equivocadamente algumas cuecas... coloridas... né? mãezinha...

Andrezão fez uma força sobre humana par ficar sério enquanto falava.

- sei... colorida tipo... verde, azul e vermelha, suponho...

O outro não me pareceu nem um pouco desconfortável.

- é... mais ou menos assim... talvez um pouco menos colorida, tipo... tons pasteis como... rosa, azul bebê e pêssego... – teve que esperar as explosões de gargalhadas para continuar – com coraçãozinho e bolinha branca... só faltou rendinha...

Mas a paternidade deixa a gente com uma espécie de radar. No meio da explosão de risadas na sala, meu cérebro captou uma única freqüência: as risadas do meu filho. E olha que ele se sacudia discretamente e não se ouvia nem um pio, mas seus olhos brilhavam divertidos. E ficaram ofuscantes quando a vítima parou os olhos nele e falou ameaçadoramente.

- cuidado, senhor Mateus, o senhor está entrando na família agora e sugiro que tenha muita cautela ao escolher de que lado vai ficar... Já ouviu dizer de caras que dão nó em goteira e passam a linha na agulha com luva de boxe? Pois assim é a minha mãezinha... E rir de mim é igual cutucar onça com vara curta... olha a cara de brava que ela ta fazendo... daqui a pouco ela vira a tromba pra você...

Mas Teresa apenas piscou para meu filho e se levantou ignorando a ameaça do dela. Mas quando ela disse que iria ver a lasanha, o garoto pulou e passou na frente dela. Quando chegaram na cozinha só se ouvia “chega prá lá, deixa que eu olho senão a senhora vai se queimar” e “não senhor, eu entendo de cozinha muito pouco, mas eu que fazia o seu mingau”.

O Frederico se levantou e rapidamente foi expulsá-los da cozinha, mesmo porque não cabiam mais que duas pessoas nela. O garoto saiu puxando a mãe e ficou atrás do balcão, observando enquanto o prato suculento era retirado do forno e depositado na trempe do fogão. Ele estava atrás da mãe, abraçando-a pelas costas, quando subitamente pega o pano de prato e enxuga o braço.

- mamãe, você está babando em mim...

Agora foi a vez de ela rir descontroladamente enquanto limpava o queixo. Frederico parou o que fazia e ficou observando os dois se saculejando, depois ouvimos um “chega sua mãe pra lá que eu não quero servir lasanha babada pras minhas visitas”. Eu não consegui segurar meu sorriso e caminhei em direção à mesa, que já estava posta, atendendo ao chamado de “o jantar está servido, por gentileza ocupem seus lugares”.

Todos nos acomodamos nas laterais e as cabeceiras ficaram por conta dos outros dois adultos. Os pratos foram servidos, primeiro pra mim, depois para meu filho e os demais. Como educados que somos, aguardamos todos serem servidos para abocanharmos o prato suculento a nossa frente. Mas foi com muita surpresa que ela falou comigo.

- Antonio, é hábito meu e do meu filho sempre agradecermos a Deus nossas refeições. E aqui Fred e André também aprenderam a nos acompanhar. Você e seu filho gostariam de nos acompanhar?

O “mas é claro, por favor” foi dito no susto. Mas ela esperou meu filho confirmar também sua participação e em seguida cruzou a mão sobre a mesa, fechou os olhos e pendeu a cabeça, sendo acompanhada pelos demais.Mas eu não consegui tirar os olhos dela.

- Senhor Jesus, querido amigo, neste momento nós estamos reunidos para apreciar o delicioso jantar que a dona Aurora preparou pra gente... Pedimos a assistência dos espíritos amigos para ela, em agradecimento ao que ela fez por nossa família hoje. Também agradecemos a presença dos nossos novos amigos, que eles sejam amparados e acolhidos pela espiritualidade superior e que a mãezinha do Mateus seja acolhida em teus braços. Assim, agradecemos as graças recebidas e pedimos as Suas bênçãos. Assim seja.

Vários “améns” foram ouvidos junto com barulho de talheres batendo nas louças. Mas eu e nem meu filho conseguimos mexer no nosso prato. Ela percebeu e falou conosco sorrindo.

- Algum problema, senhores?

Eu fui obrigado a responder, afinal, não poderia dar a impressão de ser mal educado.

- não... claro que não... é que nunca ouvi alguém rezar uma reza que não fosse decorada. E você fala parecendo ter tanta intimidade...

Ela sorriu de volta.

- mas não é só impressão, não... eu realmente sou muito intima Dele. Eu converso com Jesus desde que eu me entendo por gente e se estou viva ainda é literalmente por culpa Dele. Então virou um hábito rezar em agradecimento a toda oportunidade boa que acontece conosco. E pra você isso – e ela apontou um todo em volta dela – pode ser muito pouco, mas pra nós é um verdadeiro milagre. Há muitos anos que eu matutava de que forma eu poderia mandar meu filho pra estudar e não via jeito. E não falo de dinheiro, mas de segurança. E hoje eu estou aqui no maior conforto e nas melhores companhias que eu nem sonhava existirem.

Eu estranhei muito.

- mas entendi que vocês são amigos...

- Agora sim... mas eu bati aqui procurando um quarto para alugar para meu filho, pois eles são coleguinhas de escola e tinham um quarto vago. Daí eu me apaixonei por eles...

- Vocês então não conhecem ninguém na cidade?

- Eu tenho uma amiga que é casada e tem um filhinho pequeno, mas mora longe da escola dele. E tem a família do pai dele, mas não temos muito contato com eles.

- Nenhum contato, mamãe, nenhum...

Samuel falou parecendo meio irritado, mas não entendi o motivo. Depois ele continuou.

- O irmão do meu pai me ligou hoje querendo me convidar para ir no clube com ele e um primo e uma prima amanhã, mas eu não quero ir... não sem você, mamãe... na verdade eu queria que nada mudasse na nossa vida. Nós não precisamos deles... se precisar eu posso trabalhar e se a senhora precisar voltar pra roça eu fico aqui, mas eu quero ficar aqui, com o André e o pai dele. E eu não vou fazer teste de paternidade. Também não vou trabalhar na empresa deles. E nem vou morar na casa de ninguém.

Mas a mãe nada respondeu de imediato. Depois os dois se entreolharam, sem palavras. Mas foi ela quem começou a comer, depois seu filho também e nós não tivemos escolha. Mas depois de algumas garfadas a mãe depositou o garfo lentamente no prato e falou delicada.

- Sabe por que só agora eu decidi trazer você pra estudar na cidade? Por que agora eu tenho condição de arcar com as suas despesas, sozinha. E isso me dá poder. Então você está certo... nós não precisamos deles... mas será que nós não gostaríamos deles? Já passou pela sua cabeça que eles possam ser divertidos? Mas será que eles precisam de nós? Ou de você?

Ela voltou a comer, o garoto parou.

- Pra quê, mamãe?

Ela o olhou pensativa.

- Você se parece muito com seu pai... e seu tio perdeu um irmão que ele adorava... não sei... talvez eles precisem de um pouco de alegria e de alguém que tenha uma visão da vida diferente do que eles têm... mas isso só o tempo dirá... e você não saberá se não conviver um pouquinho com eles. Então acredito que um clube é um lugar público que eu posso te levar e te buscar a qualquer hora... Posso entrar lá e te resgatar, se for preciso. Posso mandar a polícia ir atrás... E podemos marcar um tempo e eu te buscar uma hora depois, ou eu espero você me ligar...

- ou nós todos podemos ir junto e lá ficamos todos na mesma barraca... Eu também sou sócio desse clube e nunca vou lá, mas tenho muitos convites que nunca foram usados.

Esse era eu falando, mas não me pergunte como.

- E de qual clube que você é sócio?

Ela perguntou desconfiada. Eu sorri à inocência dela.

- Bem... imagino que eles irão no único clube chique da cidade, pois é lá que a classe média se diverte... o Copacabana Club...

O menino dela deu um sorriso triste de confirmação. Ela me fez arrepender da minha espontaneidade.

- Então eu agradeço o seu convite e vou aceitar sim... assim podemos ir e de repente encontramos seus primos lá... que tal? Pode ser assim?

O garoto sorriu satisfeito e abocanhou um pedaço gigante de massa. Mas foi com muita surpresa que ouvi a voz do meu filho.

- E o que aconteceu com o pai dele? Ele morreu há muito tempo? Vocês não eram casados?

Ela sorriu diante da inocência dele enquanto eu ralhava com sua indiscrição. Ela me ignorou.

- Eu conheci o pai dele quando eu tinha 16 anos, quando eu vim passear na cidade na casa da minha amiga. Ele estava tocando em um bar e não me deu moral. Mas um dia eu encontrei com ele na rua e começamos a conversar. Ele me ofereceu um sorvete e depois não tinha dinheiro para pagar. Eu achei que ele era pobre... Um dia achamos que estávamos apaixonados e bem... eu era muito inexperiente e ele disse que tomou todos os cuidados... mas logo eu descobri que estava grávida e quando ele foi contar pro pai dele ele disse que a gente ia ter que se virar... Daí eu voltei para fazenda e ele ia todo fim de semana. Ele me dava dinheiro e depois que o Samuel nasceu ele ficava muitos dias com a gente. Mas quando Samuel tinha uns seis anos ele morreu na estrada indo pra lá. O pai dele nunca me perdoou por isso. E também nunca quis ir conhecer o neto, eu tampouco trouxe ele pra família dele conhecer. Mas depois eu descobri que o Rafael não havia falado nada a nosso respeito com ninguém, além do pai dele. Pois quando eu procurei o irmão dele, agora que eu trouxe ele pra cá, ele desconheceu a nossa existência. Foi onde virou a confusão do teste de paternidade. Eu não cheguei a falar com o pai do Rafael nem uma vez, e depois que mandaram um advogado falar comigo, eu não quis mais era falar com ninguém. Mas dei o telefone do Samuel pra eles e falei que se eles quisessem que eles mesmos falassem com ele.

Samuel retomou a palavra.

- O problema, Mateus, resume em uma coisa só: dinheiro. A família do meu pai é muito rica e eles acham que nós estamos querendo dar o golpe do baú. Vocês devem conhecer muitas histórias assim... Então quando a minha mãe chegou aqui em casa chorando, depois que foi falar com eles, eu jurei que... bem... que iria fazer muito corpo mole com essa história... E eles nem quiseram me conhecer primeiro e já mandaram o tal advogado conferir a história dela. Eu fiquei muito bravo, de novo, porque foi minha mãe que me criou sozinho... Ela fala essa história que meu pai ia lá toda semana, mas não foi bem assim não, porque eu tenho testemunhas... Mas se ela quer defender essa versão, tudo bem...

O clima ficou tenso, mas o próprio Samuel tratou de desanuviar avisando delicadamente para não enchermos as panças até a tampa, porque tinha sorvete com calda de chocolate, de sobremesa. Mas Teresa perdeu o sorriso e a conversa amornou um pouco, e logo que a sobremesa foi servida, os meninos foram assistir a um filme. Segundos depois escutamos Samuel reclamando que a mãe só havia comprado Tinker Bell. Nós três ficamos na mesa conversando. De repente Frederico se levanta para me “mostrar” alguma coisa.

Ele volta segurando uma pasta e esparrama vários desenhos na mesa. Eram caricaturas deles, dentro de casa, na praça, no shopping, mas um desenho dos quatro num retrato perfeito me chamou a atenção.

- também por isso eu te chamei aqui... não há mais nada a ser feito naquele projeto... não cabe nem uma coluna a mais e nem podemos tirar nenhuma... mas se de repente pudermos mostrar como ele pode ser usado... esses desenhos podem dar vida aquele lugar reformado. Que acha?

Meu olhar de engenheiro captou exatamente o que o meu colega falava. Ele era responsável pelos projetos gráficos, principalmente para a apresentação para os clientes, e estávamos engasgados com um conjunto de salas que estávamos reformando, mas sem perspectiva de boas vendas.

- Quem fez isso?

Ele sorriu e apontou a agora sorridente ao nosso lado. Eu só consegui falar isso.

- Você desenha muito bem... mas eu não sei como isso poderá ser feito...

Eu não quis dar explicações, porque de repente senti que eu fora manipulado. Será que ele me trouxera ali para oferecer emprego à amiga? Eu era sócio em uma firma com outros três colegas engenheiros e ultimamente estávamos pegando grandes projetos. Mesmo se eu aprovasse, teria que falar com meus colegas, afinal, seria mais um funcionário na folha e eu não sei se havia tanto trabalho assim pra ela. E senti que seria muito perigoso ficar muito próximo a ela. O colega desconhecia meus anseios.

- O que você acha, Tê? Você acha que pode fazer alguns desenhos pra nós?

Mas ela não me pareceu empolgada, o que jogou minhas suspeitas por terra.

- Não sei... não sei... talvez se eu ver o que vocês estão fazendo...

Frederico sorriu

- não... eu vou fazer melhor... vou te levar lá, daí você põe essa linda cachola pra funcionar, em troca de eu cuidar do seu filho direitinho. Pode ser?

Ela deu um sorriso triste.

- Você quer que eu construa também?

Depois não tocamos mais no assunto. Fiquei sabendo que ela voltaria pra fazenda na segunda, pois ela trabalhava como guia turístico na região. Onde ela morava havia belas cachoeiras e ela tinha contrato com muitas pousadas. Isso permitiria que ela viesse sempre ver o filho. De repente os garotos mostram que estavam de orelha em pé nas conversas dos adultos.

- Mãe... o Mateus e o pai dele podem ir com o André no feriado? Assim o tio Fred não vai ficar perdido...

- claro que não, meu filho...

Fred sorriu diante da minha cara assustada e falou animador.

- considere isso como um “sim, será um prazer”... ela tem a estranha mania de querer proteger a gente... como se o mundo dela fosse monstruoso e não devesse ser explorado...

Ela se defendeu.

- não é nada disso, meu amigo... é só que a vida de vocês nunca mais será a mesma e eu estou com pena de vocês...

E era exatamente nestas palavras dela que eu me lembrei quando meu filho questionou sobre o café da manhã. Havíamos saído da casa deles uma hora depois, com a promessa de que iríamos nos encontrar para o “café da manhã na padaria”, que pelo visto era rotina para os quatro.

- só no sábado... mas é todo sábado...

Samuel fez questão de deixar bem claro que aquilo era o auge do final de semana. E quando abri a porta do quarto vi que meu filho já estava pronto, mesmo que o encontro estava marcado para dali a duas horas.

- desculpe, papai, mas é que eu não consegui dormir direito.

Eu sorri e afaguei a cabeça dele.

- Eu sei, meu filho, eu também não dormi muito bem. Acho que comi demais ontem a noite...

Mas fiquei com vergonha de admitir a verdade. Eu fiquei sim foi completamente abalado com aquela mulher e o filho dela. Tudo nela parecia diferir do mundo a que eu estava familiarizado. Ela rezava; declarava o amor pelo seu filho e em público; falava francamente com ele... A noite eu fiquei foi reparando no quanto eu e meu filho tínhamos uma relação frágil. Principalmente depois que a mãe dele morreu...

Mas quando eu estacionei o carro na porta do estabelecimento, da rua avistamos o grupo animado. Mal nos cumprimentamos e os rapazes foram para a fila se servir. Teresa não parecia muito feliz como na noite anterior e eu não pude deixar de fazer referência a isso. Ela justificou

- O pai dele era usuário de droga e realmente morreu em um acidente, mas acredito que devia estar chapado. Mas isso eu nunca vou de fato saber... mas temo que Samuel sofra ao ouvir isso da boca dos outros, pois foi isso que me falaram quando eu procurei o tio dele...

- mas ele sabe que o pai...?

- sim...claro... assim que eu pude eu falei com ele, mas tentei suavizar ao máximo. E não sei se a família dele vai ter a mesma preocupação...

Uma hora depois estávamos dando entrada na portaria do clube. Decidi que aquele encontro iria falar mais que muitas palavras. A história dela parecia muito fantástica. Uma mãe solteira pobre que recusava o dinheiro que era deles por direito? Decidi que ficaria de lado, observando o grupo. Os três garotos se entrosavam como se fossem velhos conhecidos. Fred segurava na mão de Teresa enquanto caminhavam em direção à piscina. Eu me pus ao lado deles e caminhávamos em silêncio. De repente Samuel pára e mostra uma garota vestida de preto, com uma sombra nos olhos, da mesma cor.

- Mamãe... aquela garota estuda na minha sala e nem me dá bola...

Ele falou e apontou a garota, mas não falou mais nada.

Teresa olhou a garota e virou na direção dela, sendo rapidamente detida pelo filho.

- Epa... onde a senhorita pensa que vai?

- Falar com ela, meu filho...

- E falar o quê?

Teresa ficou olhando pra ele, parecendo não entender o que ele falava.

- mamãe... mamãezinha... você não pode fazer assim... deixa que eu tomo conta, tudo bem? Deixa que eu vou analisar a situação e se... mas somente se... valer a pena, eu vou lá. Certo?

Mas a mãe não parecia estar ouvindo o filho, pois falou empolgada.

- Convida ela pro seu aniversário... Vamos fazer uma festa pra poucos amigos e você convida ela... se ela for, você tem chance... se não, esquece.

- Mãezinha, mas meu aniversário já passou...

- E ela sabe disso?

O filho abraçou a mãe e continuaram andando até um quiosque na beira da piscina. Nos sentamos e após alguns minutos três rapazes se aproximaram do nosso grupo. Após as apresentações, um dos rapazes convidou Samuel para dar uma volta. Samuel chamou os meninos e o grande grupo saiu chamando a atenção, pois o clube, àquela hora da manhã, ainda estava com pouco movimento.

A manhã já ia alta quando o grupo retornou. Samuel chegou sorrindo e se sentou para falar com a mãe, enquanto os rapazes junto com os meninos aguardavam a meia distância.

- Mamãe, aquele é o meu tio e os outros são primos... a gente pode convidar eles pra ir pra fazenda no feriado?

A mãe respondeu parecendo irritada.

- Claro que não, meu filho... Pára com essa mania de ficar convidando todo mundo pra nossa casa... e depois, a idéia era só você conhecer seus parentes e não se enrabichar por eles...

Mas o menino parecia não estar ouvindo e continuou empolgado.

- A gente pode pedir os meninos pra ajudar a gente a descer eles na garganta do diabo...

- E eles sabem nadar? Ou melhor, quanto tempo eles conseguem ficar sem respirar? Meu filho... não vai chegar um vivo lá embaixo... - depois ela pareceu ficar pensativa e ameaçou um sorriso – não... tudo bem... mas só eles... seus amigos não.

Agora foi a minha vez de rir. O garoto ainda não pareceu satisfeito.

- E eles podem ficar com a gente?

- Não... nada disso... eles se quiserem vão ficar na pousada, igual todo turista.

- Mas você não gosta de turista, mãe...

- E daí? As visitas são suas e não minhas... A gente combina com o bigode de carregar eles pra baixo e pra cima, é só você falar onde quer levá-los. – em seguida ela tentou esconder um sorriso - Mas se você insistir na cachoeira, sugiro que deixe ela por último...

O menino sorriu.

- Mãe... meu tio falou que nos últimos meses antes do meu pai morrer, ele tinha parado de usar droga e que tava trabalhando na empresa.

Teresa se mostrou surpresa e falou carinhosamente com o filho.

- Eu sei, meu filho... eu percebi isso também... ele parecia diferente, mas como eu era muito enjoada, ele mal falava comigo... Mas eu sabia que havia alguma coisa diferente... – ela fez um carinho na bochecha dele - por isso eu tenho certeza que ele te amava... porque ele tentou sair das drogas por sua causa. Ele ameaçava levar você quando estivesse limpo, aí a gente brigava e eu mandava ele embora... – depois ela falou pensativa - Mas talvez seu tio vai gostar de passear pela região... comer bolinho na dona Gasparina, galinha caipira no seu Chico... que tal?

Foi então que o tio do garoto se aproximou.

- Meu pai e minha mãe estão te convidando para jantar na nossa casa. Minha mãe quer conhecer o neto...

Teresa ficou pensativa, depois falou com ele sem sorrir.

- Mas ele sabe que meu filho não fez o teste de paternidade?

- Sim... nós conversamos com ele e ele entendeu... Meu irmão não falou de você para nós, mas falou com um amigo dele. E ele contou a mesma história que você... e não há dúvidas... seu filho é meu irmão rejuvenescido... só que numa versão muito melhor...

Ela voltou a ficar pensativa,

- Não... eu não vou na sua casa... não sem antes eles irem na minha.

Samuel falou com a mãe baixinho.

- mamãe... mas nós não temos casa...

- Temos sim, meu filho, agora temos... Eu fechei a sociedade com a Sandra e eu fiquei sócia da Mata Grande. Então agora aquela fazenda é oficialmente a nossa casa...

- Mas aquela casa é mal assombrada, mãe...

- Mais um atrativo, meu filho. Antiga, bonita e movimentada... E depois precisamos de algumas cobaias elegantes para testar nossa hospitalidade. E nada melhor que parentes elegantes pra fazer esse favor pra nós, não acha?

O garoto sorriu e não conseguiu responder. Ela continuou

- Mas não se preocupe, meu filho, que a chance de seu avô aceitar o meu convite é mínima... Eles estão falando só por desencargo de consciência... – o garoto pareceu ficar desapontado – mas não se preocupe... uma coisa de cada vez... Hoje viemos aqui para você conhecer o seu tio. O resto virá naturalmente...

O tio falou muito seguro.

- Acho que você está enganada, senhorita... meu pai até pode ser... mas minha mãe exigiu ver o garoto, pois meu pai não a consultou antes de mandar o advogado falar com você e ela ficou muito brava com ele... E ela quer ver com você em que ela pode ajudar com as despesas dele, por isso ela quer vê-la o mais rápido possível...

A resposta veio rápida.

- Diga para a sua mãe que não precisamos de nada. Ele tem onde morar e o que comer, e já está estudando, então ela não precisa se preocupar... Mas eu agradeço a preocupação dela...

Mas o rapaz não pareceu satisfeito e falou com Samuel.

- Você está precisando de alguma coisa, Samuel? Alguma coisa que eu possa adiantar para você antes das providencias legais?

- Não... obrigado... e eu não quero falar sobre isso... eu não preciso de nada e não quero ninguém falando em dinheiro... Se eu precisar, eu peço... por que tem muita gente achando que a gente ta de olho no dinheiro de vocês e isso não é verdade... E meu vô nem quis me conhecer e já quer me dar dinheiro?

A mãe interrompeu.

- não é seu avô, meu filho, mas sua avó... As mães são assim mesmo... mas depois que ela conhecer a gente ela vai ficar mais tranqüila. Quando ela ver o quanto você é feliz ela vai ficar feliz também...

Uma hora depois estávamos nos despedindo. Teresa me agradeceu os convites do clube e a companhia agradável. Os quatro voltariam pra casa, pois ainda sobrou uma forma de lasanha intacta. Os garotos convidaram Mateus e ele me disse que queria ir com eles e eu deixei. Fiquei vendo meu filho se afastar sorrindo com o grupo animado e uma sensação de vazio se formou em mim. Foi então que percebi que eu também queria ir junto, mas não fora convidado.

Depois eu fiquei sem vê-los por muito tempo.

Apesar de Fred trabalhar no mesmo ambiente que eu, eu pouco ficava no escritório e nunca tínhamos oportunidade de falarmos assuntos íntimos. Na verdade, eu evitava propositalmente tocar no assunto, pois um misto de sentimentos me acompanhava após aquele fatídico fim de semana. Eu não queria pensar nele, ao mesmo tempo que eu queria que ele se repetisse.

Já meu filho estava radiante. Os três garotos viraram melhores amigos e as vezes eles iam lá em casa. E algumas vezes até usaram a piscina do condomínio, coisa que eu mesmo nunca fizera.

Fred apresentou os tais desenhos que ela fizera e ficou um espetáculo. Um dos meus sócios cogitou a possibilidade dela trabalhar conosco, mas Fred avisou que ela faria alguns trabalhos, mas não podia se comprometer com a firma. Quando perguntaram quanto ela cobrou pelo serviço, ele disse que ela deixou o preço por nossa conta, já que era a primeira vez que ela fazia esse tipo de trabalho.

Mas as semanas se passaram e nenhuma notícia dela. O tal feriado na fazenda precisou ser adiado, mas meu filho nem reclamou. Eu confesso que fiquei decepcionado. Tentei voltar à minha rotina, agora sem graça, e conferi minha agenda.O aniversário da minha irmã estava chegando e eles sempre faziam um jantar comemorativo. Decidi aproveitar uma folga para ir ao shopping comprar um presente.

Eu nunca acreditei em coincidências, mas precisei dar o braço a torcer. Quando eu saia da loja com um embrulho elegante nas mãos, me deparo com Teresa deslumbrada com um vestido em uma vitrine. Parei e fiquei observando-a. Ela era mesmo muito linda. Decidi criar coragem e parei ao lado dela.

- Você me permite?

Ela custou a perceber a minha presença, e quando se virou parecia irritada com a interrupção. Mas quando me viu abriu um largo sorriso.

- Antonio... quanto tempo... Que foi que você está tão sumido? E você, gostou do desenho? O Fred me falou, mas... – ela falava comigo mas não parecia que estava comigo - Seu filho está sempre lá em casa e ele é adorável... Graças a Deus apareceu alguém para por um pouco de juízo na cabeça daqueles dois desmiolados... Quando eles estão juntos eu fico muito mais tranqüila... obrigada...

Eu sorri e repeti minha pergunta, tentando impor minha presença.

- Vi que você está encantada com esse vestido... você me permite presenteá-la?

Ela pareceu confusa, depois sorriu.

- Não... não... de jeito nenhum... mesmo porque não precisa... agora eu tenho dinheiro só pra essas coisas... Sê acredita que agora eu e meu filho temos mesada? – eu fingi surpresa – pois é... o avô do meu filho endoidou de vez e resolveu dar a parte da herança para o meu filho... Agora imagina um garoto desmiolado de 15 anos rico da noite para o dia... Ainda bem que todo mundo concordou que ele só vai botar a mão nesse dinheiro quando fizer trinta anos... mas até lá vai ganhar uma gorda mesada... de todo jeito vai me dar dor de cabeça... mas, paciência.

- E o vestido?

- Ah! Então... tem muito tempo que a gente não se fala... você perdeu muita coisa... A avó aceitou meu convite... lá, pra ir na fazenda..., depois voltou e levou o resto da família. Depois o Samuel quis fazer seu aniversário de novo e convidou todo mundo... Por isso eu precisei cancelar o passeio de vocês... eu não poderia dar atenção e achei melhor marcar outro dia... Então... o vestido é porque agora eles querem que eu conheça a família deles, ou melhor, que eles me conheçam, e me convidaram prum jantar e minha quase sogra me avisou que eu vou precisar de um vestido bonito, mas se viu o preço do danado? Um roubo...

- E o Fred vai com você?

- Não... coitado... ele não merece ser torturado dessa forma... vou com meu filho e Deus... com a cara e a coragem...

- E quando é esse jantar?

- Amanhã, na casa, casa não, na mansão do bam-bam-bam da família, o bisavô do Samuel que também quer me conhecer... não sei o que falaram de mim pro homem, ele é o pai da avó, mas ele mandou me chamar... é mole? Como eu gostei muito dela, aceitei, mas já me arrependi um milhão de vezes...

Eu não precisei pensar muito.

- Você gostaria que eu te acompanhasse?

Ela me olhou muito pálida e seus olhos encheram de lágrimas.

- Você faria isso por mim?

Eu precisei falar para manter minha cabeça ocupada, senão iria beijá-la ali mesmo.

- Claro... eu estou acostumado com esses jantares e com essas pessoas elegantes, e a comida é sempre de primeira, então não será sacrifício nenhum... mas em troca eu gostaria de um favorzinho também, e você pode usar o mesmo vestido... embora vai precisar de mais roupas...

Ela ficou absolutamente imóvel, mas com um sorriso naquele rosto lindo, em uma deliciosa expectativa. Não me fiz esperar.

- Minha irmã é casada com um homem importante, ele é advogado, e ela sempre comemora seu aniversário com um jantar para umas trinta pessoas. E eu sempre vou sozinho e as mesmas pessoas sempre querem saber a atualização do meu estado civil. Se você for comigo vai me poupar de muito desconforto. Você e seu filho, claro. Eles têm uma casa em um condomínio náutico e sempre passamos o aniversário dela lá. Você topa?

Ela deu um sorriso misterioso antes de responder com uma nova pergunta.

- Um advogado... interessante... mas e o que você vai falar quando perguntarem novamente sobre seu estado civil?

Eu olhei profundamente nos olhos dela.

- Eu direi que ainda continuo solteiro, mas que agora minha vida está mais colorida, que a alegria voltou e que eu finalmente encontrei uma mulher que eu tenho prazer em ter ao meu lado. Aonde isso vai nos levar, eu não sei. Mas que eu quero saborear cada momento ao lado dela...

Ela sorriu para mim.

- Então acho melhor eu experimentar logo esse vestido...

Ela segurou na minha mão e tentou me puxar para dentro da loja. Mas eu não me mexi e com o quase arranco que ela deu, forcei ela a precisar se segurar em mim para não cair. Aproveitei esse minuto dela desarmada e a beijei pela primeira vez. O beijo foi doce, suave e muito apaixonado.

Foi então que tive certeza que aquele seria o primeiro de muitos...

Lucilia Martins
Enviado por Lucilia Martins em 13/04/2015
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