Negativos d'alma

O seu olhar entristecia. Pedia socorro. No coração, o peso de uma dor. Em volta, pessoas correndo, apressadas. Olhares vagando na janela do ônibus. Homens acelerando os seus carros no trânsito caótico. O seu olhar vazio. No ar, vestígios de conversas paralelas. Nos lábios, a sombra do último sorriso.

Ele ainda queria ter a última conversa com Camila. Ela talvez não quisesse mais. Estava bom como estava. Sem diálogos longos, tudo subentendido. Ele sofria, mas não precisava dizer nada. E o que mais doía, era olhar para eles e sentir como se transforma um lindo amor em estranheza.

“Como vai, Camila?”. Ele poderia falar. “Tudo bem, Rubens”. Ela poderia responder. Mas apenas os olhares se cruzaram - olhares sem graça. Olhares que procuram outros lugares, tudo que não seja o olhar de um ex-amor.

Ele sentia saudade de Camila. Saudade de lhe abraçar, de lhe contar as histórias dos livros que leu. Mas não sabia mais como penetrar no muro de gelo que eles criaram. Havia silêncios que destruíam o peito tão machucado. Havia um vazio que saltava do espírito cansado.

Rubens caminhava pelas ruas. Nenhum lugar certo para ir. Segurava nas mãos o celular. Tanta gente pra chamar. Nenhuma coisa a dizer. O que queria mesmo, era ouvir as últimas palavras de Camila.

Fazia uma semana que haviam terminado - parecia um século. Rubens cuidava das suas coisas. Arrumava o quarto seis vezes ao dia. Escrevia alguma besteira. Dormia cedo para não pensar demais. Estava sem a alegria de antes. Devorado pelo inferno de Dante.

Um dia, sentou-se à beira da cama. Pegou um saco plástico onde estavam as cartas, bilhetes, dados por Camila. No início, titubeou um pouco em rasgar tudo. Depois, realizou uma série de rasgos furiosos. Em seguida, olhou para o chão: pedacinhos de papel estavam misturados com lágrimas.

Ele rasgou tudo, inclusive, fotos de Camila e dos dois. Mas o que mais queria ter rasgado era a dor que estava sentindo, o peso no peito. Não conseguiu, porque só as fotografias se rasgam. O amor e a saudade, não. Afinal, eles são como negativos: estarão sempre se revelando no coração.

Raul Franco
Enviado por Raul Franco em 18/07/2015
Código do texto: T5315044
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