Sentimento Binário

– Mas vc gosta de mim?

Ela demorou a falar comigo dessa vez. Nem sei se posso dizer que ela realmente falava comigo. A minha frente vejo apenas números, letras, imagens. Só a conheço por fotos. Nunca a vi de verdade. Não sei seu cheiro, seu jeito, nem mesmo conheço o som de sua voz. Mas sei que ela me encanta.

– Claro que gosto. Você sabe o quanto gosto de você.

Ela riu de forma irônica. Pelo menos imagino que riu. Ela já havia estranhado meu hábito de não abreviar palavras. “Você” ao invés de “vc” era o exemplo mais claro. Insistia em escrever com o máximo de rigor linguístico.

– Kkkkkkkkkkkkkkkkk. Não se faz de bobo. Vc entendeu o q eu perguntei.

– Você quer saber se me apaixonei por você?

Em minha cabeça a vejo revirar os olhos em impaciência, sua face corava-se enquanto balança afirmativamente a cabeça. Todo o rosto delicadamente desenhado, numa harmonia tamanha, onde até mesmo o imperfeito, torna-se perfeito. Em todos os ângulos que a via ela era linda.

– É, acho que sim.

– Bobo. To falando sério.

– Eu também. Sou apaixonado por você desde o primeiro momento que nos falamos.

Mensagem visualizada. Um, dois, três minutos. De súbito ela começa a digitar. Mais tempo se passa. Ela parece não conseguir escolher as palavras. Finalmente ela aperta o enter.

– Olha, vc sabe que eu gosto mto de vc.

Conheço bem esse papo. Já o sei de cor. Então, enquanto ela continua a digitar, eu a interrompo.

– Meu anjo, fica tranquila. O que sinto por você é algo platônico. Algo no linear entre o real e o onírico.

– Como assim?

Posso ver sua expressão de dúvida. Eu falo demais, e por vezes sou muito rebuscado, uso palavras difíceis, de compreensão quase nula.

– O que sinto por você não é exatamente algo real. É algo que existe enquanto não existir. Sua própria natureza é por essência paradoxal. Sou apaixonado por sua beleza, por seu jeito, por sua doçura. Mas tudo isso é algo que está apenas em minha cabeça e em minhas poesias. Sou apaixonado por você, mas você talvez nem exista. Pelo menos não como a pessoa por quem me apaixonei, porque no fim das contas, eu me apaixonei por um ideal, e isto só existe em versos e rimas.

Seu rosto se contrai. Por mais que ela releia, não consegue entender. Nem eu mesmo entendo direito. Talvez porque eu não me entenda muito bem. Amores inventados sempre atraíram. Mais até que os reais. Acho que são mais simples, ou talvez mais complicados

– Entendi, eu acho. Eu tenho dormir agora tá. Depois a gente se fala. Xau.

Ela sai. Sequer tenho tempo de me despedir. Algo fico incompleto. Não sei se ela ficou brava, ou simplesmente confusa. Pela primeira vez não a entendo. Pela primeira vez ela me põe em dúvida. Algo muda em mim. Ela é real. Ela existe. Vou dormir.

Rafa de Paula
Enviado por Rafa de Paula em 05/08/2015
Código do texto: T5335602
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