A Menina que Não Chorava

Numa manhã de outono, num dia que começara nublado, a temperatura lá nos seus negativos, me mostrara que poderia ser melhor, se caso tivesse fechado a janela durante a noite, a friagem me incomodara, as cobertas que deixavam meus pés descobertos, cobriam minha cabeça, engraçado como sempre algo fica pra trás, não podemos ser completos. Olhava nos livros, espalhados no chão, alguns em cima da cômoda e outros na estante, organizados em ordem alfabética, faltando alguns, não conseguira formar uma palavra completa ou inteligível. Essa manhã começou de forma assustada, pois minha mãe recebera uma ligação da Sr. Lambert, dizendo que Peter havia sofrido um acidente e viera a falecer naquela manhã nublada. De imediato, voltei pra cama e como que perdesse a memória por completo, me esqueci da vida, de levantar da cama, de tomar juízo e ser forte nessas horas de dor, esquecera de viver, não sabia mais o que era alegria, me perdera em pensamentos aleatórios, sobre porque as pessoas dizem bom dia mesmo quando estão infelizes, mesmo sabendo que o resto da semana será uma droga, porque elas fingem alegria, enfim, pensamentos que não condiziam com a minha realidade.

Meus pés ainda continuavam pra fora da coberta, e de repente outro pensamento me veio à cabeça: Quem era Peter Lambert? Porque esse nome não me é estranho?

Peter talvez fosse um garoto da minha idade que vivera na mesma rua que eu desde a idade da pedra. Conheço ele acho que desde o dia que os pais dele transaram. Ele é meu melhor amigo desde sempre. Nossos pais se conhecem desde o colégio. Uma vez, na minha festa de quinze anos, foi quando nos beijamos pela primeira vez, ele estava tão assustado e suando como um porco, que a única coisa que senti, foi um gosto salgado que escorria pelo rosto dele. Hoje eu dou risada disso, mas na hora fiquei cuspindo e lavando a boca no banheiro, enquanto ele saiu correndo de vergonha. Mas a vida é uma caixinha de surpresa, por mais de vinte anos não nos descolamos um do outro, vivianos tanto tempo juntos, que uma vez, após nos formarmos, acabamos ficando com a mesma garota numa festa. Todos os meus segredos, sujos ou não, ele sabia e vice e versa. Muitas vezes, perguntavam se éramos irmãos, as vezes acenavam com a cabeça dizendo que sim, as vezes que não, depende pra quem fosse. Chegamos a namorar uma vez, mas sempre que ia beijá-lo, lembrava da cena do suor e me matava de rir e ele sempre com aquela cara de pateta. Outras vezes, dava vontade de socá-lo de porrada de tão insuportável que era, mas numa sexta feira de verão, estávamos viajando para a praia, e numa tarde, tomando cerveja com nossos amigos, um cara o encarava e veio empurrá-lo, Peter caiu no chão e já levantei na mesma hora e pulei em cima do garoto e comecei a lascar socos na cara violentamente e gritando: "Só eu posso bater no Peter". Esse garoto levantou e saiu correndo. Chamamos esse dia de: "A tarde gloriosa". Claro que quando levantei, já lasquei um soco na cara do Peter e disse: "Deixa de ser marica, seu fracote". Mas logo depois dei o abraço mais carinhoso do mundo. Pegamos nossas coisas e fomos pra casa. Tem dias que eu bato nele e tem outros que ainda continuo batendo nele. A maioria dos machucados que ele tem, fui eu que fiz, já somamos uns 30 ou 40 ao longo da vida, nessas horas ele me diz: "Você bate igual uma garota". Bom, já sabe o que eu faço nessas horas. Eu poderia contar mais de vinte anos de histórias, mas o tempo já passou, ele está descansando agora, espero que esteja apanhando de alguém em algum lugar, pois se tem algo que vou sentir falta, é bater nele.

No velório, ah! o santo velório. Momento de por pra fora as últimas lágrimas, dar o último adeus a quem foi importante nas nossas vidas e fechar o terno de madeira e FIM. É claro que não era assim, velório em outono, beirando o inverno, ainda chovendo, parecia o enterro do Vito Corleone, todo mundo de preto, carros pretos e guarda chuva preto, menos o meu. Lembra aquelas cenas que aparece os guarda-chuvas de cima enquanto está chovendo? Se vocês prestarem atenção, tem um rosa em alguma lugar, foi somente um erro de logística, tive que sair rápido e peguei o primeiro que vi pela frente e além do mais ele era pequeno. "Não entendo. Simplesmente não entendo. Faço um esforço tremendo, dou o meu melhor, forço o máximo que posso, mas nenhuma lágrima cai dos meus olhos. Diante do caixão aberto de meu melhor amigo, falecido em um acidente. Não compreendo porque as pessoas choram em velório, de nada irá adiantar" Como eu queria dizer isso e voz alta, mas me contive. Quando todos estavam saindo, antes de descerem o caixão, olhei pela última vez aquele rosto pálido, feio e sombrio, parecia um fantasma saído de um filme mudo, olhei pra aquela cara horrível e disse: "Que vontade que tenho de te dar um chute no saco" Se bem que não irá servir pra nada mesmo. Voltei para o carro, meus pais me olharam e viram minha cara molhada e disseram aquelas que foram o golpe de misericórdia para que por dias eu ficasse trancada meu quarto chorando até secar, eles disseram: "Quando Peter estava no hospital, ele conseguiu recobrar a consciência e disse umas palavras apenas para o médico: "Diga a Cindi, que eu espero ela chegar pra me bater de volta". Após isso ele faleceu". Ok! Não era pra eu chorar, eu queria xingá-lo até a morte, bater nele até quebrar minha mão, mas cheguei em casa e corri pro quarto tranquei a porta, e claro, chorei pela primeira vez na vida. No fundo me sentia patética, ridícula e sem graça, toda borrada com a maquiagem que pela pressa parecia a Wednesday de TPM, agora já tava mais pra impressora estragada que só borra o papel. Mas mesmo assim, chorei como nunca. Ah! Não se esqueça de mudar o nome do conto, agora daqui em diante eu vou chorar até vendo aqueles desenhos bobos e sem graça que o Peter me forçava assistir.

Mas enfim, chegamos a cena em que eu saio da cama e abro a porta do quarto esperando que Peter aparece com uma torta na minha cara, ou jogando pedra na minha janela, me acordando pra andar de bicicleta na manhã de domingo, coisa que me deixava puta da cara, mas ia assim mesmo. Na verdade, vi minha mãe fazendo o café da manhã, ovos e bacon e uma tigela de cereal. Já se perguntaram porque os EUA é o país com maior número de obesos, você cresce comendo cereal, ovos e bacon, depois se mata com uma alimentação super saudável no colégio e quando começa a trabalhar vai comer em fast food. Sinceramente, à direção da minha vida, vou comer uma fruta, obrigado. Voltei pro quarto troquei de roupa e fui pra escola. Chegando lá, vi um monte de aluno na frente, havia professores e o diretor controlando a situação, cheguei mais perto e havia uma mensagem pichada na parede, ela dizia: "Por anos, lutei incansavelmente por uma amiga, enfrentei batalhas ardilosas diárias, e por mais de vinte anos tive uma amiga chamada Cindi, que por sinal é o nome da minha cachorra. Espero que você encontre um garoto chamado Peter e que você bata nele todos os dias". Bom, com Peter falecido, eu fui pra direção e levei uma advertência. Meus pais vieram na escola e levei uma bronca de mentira na frente da coordenação, fui pra casa e tudo acabou bem.

Anos depois, consegui ser chamada pra ingressar em Harvard no curso de Arte, minha especialidade. (A propósito, se fosse eu que tivesse pichado a escola, haveria uma mosaico em 3D super futurístico, mas isso fica pra outra hora). Chegando no dormitório, conheci um cara no saguão da irmandade, na verdade esbarrei nele e derrubei meus livros (eu juro que não foi de propósito, MENTIRA). Ele me ajudou a pegar os livros e eu disse que ia subir pro quarto, quando voltei e disse que me chamava Cindi, e ele bem simpático, disse: "Me chamo Lion, Peter Lion. Curso de Arte, calouro. Detalhe, esse curso tem quatro anos. Enfim, a vida é uma caixinha de surpresa, você perde algo um dia, mas a danada lhe recompensa na hora, de alguma forma. Peter e eu nos tornamos grandes amigos e pude compartilhar uma história que hoje está guardada em um livro, numa estante, agora formando palavras completas e com significados perfeitos. À todos que um dia puderam compartilhar a sua vida com alguém, de forma carinhosa ou mesmo dando tapas e socos, saibam, os machucados feito com amor, permanecem não mais na carne, mas fica na alma no espírito e no coração. Acho que todos um dia acharam seu Peter ou sua Cindi, mas se não acharam ainda, saibam, você precisa dar um soco em alguém uma hora, talvez ela ainda continue sua ou seu amigo pra sempre.

Meu nome é Cindi, e hoje, posso compartilhar com vocês a minha história de vida. Que esse livro não junte poeira na estante de vocês, mas se desgastem de tanto ler. Obrigado.

Alfredo José Durante
Enviado por Alfredo José Durante em 12/08/2015
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