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CORAÇÕES EM SINTONIA


 
Naquela tarde de Agosto, escaldante, Carlos foi tratar rapidamente do jantar, fez um caldo de marisco, comeu dois pratos, era um acepipe guloso. Ainda comeu uma maçã, depois refrescou-se e vestiu-se.
Com passo acelerado foi apanhar o elétrico, teve sorte pois tomou logo um, apeou-se a meio da rua da Conceição. Minutos depois estava na esplanada do café Nicola, ainda faltavam uns minutos para a hora.
Ela chegou logo a seguir. Olhou-a de soslaio, depois com atenção. Vinha de fato de linho branco com uma t-shirt salmão e sandálias castanhas. Elegante, chique como sempre.
- Queres tomar café? 
- Não bebo, obrigado, depois tira-me o sono.
- Carlos, amanhã é sábado, não tens de te levantar cedo.
- Desculpa mas não me dou bem com ele à noite. 
- Bem, eu vou tomar - e bebeu um ao balcão.
Depois deu-lhe o braço e foram lentamente em direção ao cinema S. Jorge, via Restauradores.
Ele comprou os bilhetes para o primeiro balcão, estava muita gente na fila dado o filme, "Corpos Ardentes", ser muito afamado. A arrumadora sentou-os na coxia da segunda fila, ficaram com uma visão perfeita do ecrã gigante, que ocupava toda a largura da sala. 
A primeira parte do filme foi algo escaldante, no intervalo ele notou algum rubor nas faces dela. Leonor foi aos lavabos e depois visionaram a segunda parte, com um epílogo algo surpreendente. Ficaram com a sensação que o crime compensava. Ambos consideraram que o par William Hurt e Kathleen Turner foram fabulosos nos seus papéis.
Quando saíram para o ar livre, a noite também estava abafada. Ela comentou:
- A noite está a condizer com o filme.
Carlos não pôde evitar um sorriso. Ela estava espirituosa, num misto de atrevida e recatada.
Caminharam em direção aos Restauradores, tal como várias dezenas de pessoas que também se dirigiam para a Baixa. Ia de braço dado no dele, caminhava pensativa.
- Tens alguma preocupação? 
- Não, só que agora tu vais para tua casa e eu vou para a minha, sozinha.
- Podemos andar por aí um bocado, a noite está agradável e anda muita gente na rua.
Leonor era mais alta que a Prazeres ou a Rosa, talvez fosse da estatura da Lúcia. Olhou-a mais atentamente. Não era gorda, mas cheia, bem proporcionada, com tudo no sítio. E bem bonita. Para cúmulo, tinha dinheiro e gostava de vestir bem. Olhos encantadores, castanhos, cabelo castanho escuro cortado curto, uns brincos e um colar de design assinado.
- Desculpa a pergunta, mas que idade tens?
- Trinta e cinco, decerto já fizeste as contas... Porquê, pareço mais velha?
- Não, estás na conta, é uma idade em que qualquer mulher se sente na plenitude da vida… É o que diz Balzac…
Ela sorriu, agradou-lhe a resposta e apertou-lhe o braço contra o peito macio. Carlos sentiu-lhe o calor e olhou-a de novo, mais perto. Leonor virou o rosto para ele e levou um beijo na face, mais prolongado, quente. Estremeceu. Ele apertou mais o seu ombro, intencionalmente, roçando ao mesmo tempo os lábios pela sua face e pescoço. A adrenalina fluiu em cheio nas veias de ambos. Sentiu a agitação dela, o peito subindo e descendo mais rápido. Carlos então arriscou tudo e sussurrou junto ao seu ouvido:
- Queres que vá a tua casa ou queres vir até à minha?
Ao mesmo tempo olhou-a. Apesar da fraca iluminação ele teve a certeza que corou e bastante. Encostou o rosto ao peito de Carlos, ele pegou-lhe no queixo e fê-la olhá-lo de frente. Repetiu a pergunta. Ela fechou os olhos e acenou que sim com a cabeça.
- Em minha casa é melhor.
Ele fez sinal a um táxi que os levou até à rua Vítor Cordon. Pagou a curta corrida e ela abriu a porta da rua. Já conhecia o caminho. Tinha uma larga escadaria em mármore, que subiram até ao segundo andar, dispensando o elevador. Meteu a chave na porta e rodou-a, entrando e puxando-o para dentro.
Ele já conhecia parte da casa, embora numa situação diferente.
- Posso ir à casa de banho?
- Vai, é ali ao fundo, à esquerda, já sabes, já cá estiveste.
No regresso, ela estava junto do bar, um móvel antigo mas muito bonito e perguntou-lhe se queria alguma bebida. Carlos aceitou um whisky com água tónica, Leonor bebeu um cálice de Porto.
Sentaram-se um ao lado do outro, ela começou a falar sobre as suas funções na sede, os problemas que por vezes encontrava para lidar com os colegas masculinos, um compêndio de machismo como os designou. O facto de ser superior hierárquica de vários homens complicava-lhe ainda mais a vida. Mas sempre dera conta do recado, habituara-se.
Depois quis ouvi-lo, Carlos falou sobre o serviço e os colegas, não tinha razões de queixa. Só dela. Ambos sorriram da brincadeira.
Ela perguntou-lhe também sobre as pessoas que o acompanhavam no restaurante, quando lá se encontraram, ele disse-lhe a verdade. Leonor ficou algum tempo pensativa, depois pousou o cálice na mesa de centro, olhou-o nos olhos, pegou-lhe nas mãos e perguntou:
- Porque vieste comigo até aqui? Sentes desejo por mim, apenas queres usufruir-me como experiência de uma noite ou tens algo mais em mente?
Carlos disse-lhe, francamente, que se sentia atraído por ela e que a desejava. E que gostava dela assim.
- Pelo menos foste sincero, podias ter-me mentido. Está bem, querido.
Respirou fundo e chegou-se mais para ele, recostando a cabeça no seu ombro e erguendo o rosto, beijou-o ternamente nos lábios. Carlos sentiu a doçura do vinho na boca húmida e convidativa de Leonor.
Fizeram amor ali mesmo e adormeceram nos braços um do outro, dormindo até de manhã.

 
 
Excerto do livro “Memórias de um sedutor










 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 19/08/2015
Reeditado em 20/08/2015
Código do texto: T5351810
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