Kriskof de maçã

Chegou la cambaleando, carregada por pessoas tão bêbadas quanto ela. Não era sua intenção, deram um tempo. Mas ele seria a única pessoa que poderia cuidar de Camila, ele não iria brigar ou se aproveitar da  situação, mas também não esperava que a recebesse com flores. Pediu pro porteiro interfonar no 104 e disse "fala que é a Cami e pede para descer".

O porteiro disse que ele desceria, e ela estava com tanta dor, tão triste, e ao vê-lo chegando sua vontade de chorar aumentou, queria se enfiar em seus braços porque se sentia protegida ao lado dele, que perguntou o que ela tinha e chamou o elevador.

No apartamento, foram direto ao quarto, se deitou e dona Ezilma a ajudou dando água e algo para comer. Ele pareceu​ não estar gostando da situação. Camila só conseguia pedir desculpas, e ao olhar para ele, desejava apenas que a abraçasse e segurasse sua minha mão e dissesse que iria ficar tudo bem.

Mas tu se deita ao meu lado, depois sai do quarto e eu fico te chamando, "por que me deixou sozinha aqui? Só cuida de mim...", depois volta e diz que vai sair. Por quê? Não gosta mais de mim? Não faz isso, não me deixa sozinha! E te digo coisas que tenho no coração. Não me odeie, olha pra mim, olha como eu te observo... Eu te acho tão lindo, deixa eu morar nesse abraço? Prometo manter tudo em ordem aqui dentro, vou limpar e cuidar desse ambiente, deixa eu te mostrar isso, que posso ser alguém melhor.

E tu sai. Sai e eu durmo, pensando em mil coisas, minha cabeça não para nem durante o sono. Tu liga pra casa, diz estar chegando, que está vindo a pé. Não sei se perguntou de mim, perguntou? Não creio que tenha feito. Mas tu chega e procura por mim, entra no quarto e eu finjo estar dormindo. Tu sai de novo e vai experimentar as roupas. Depois disso, um tempo depois, eu digo que vou embora e tu me pede pra ficar, "ficar pra quê?" eu penso, eu pensei nisso a noite inteira. Mas tu pede e eu faço, não por ti, por mim, não estava em condições de ir pra casa.

Um pouco mais tarde tu compra pizza pra gente e eu vou me deitar, "ficar pra quê? Ficar pra quê? Ficar pra quê?" Tu volta no quarto e desliga a TV, me beija a testa e sai de novo. "Volta, fica, me sinto tão mal, só fica aqui." Algum tempo depois tu vem deitar, não me deu nem boa noite, e eu esperava qualquer coisa; ainda bem, porque nada aconteceu, e qualquer coisa incluía "nada". Não consegui dormir durante a noite, muriçocas, calor e dor me impediam de fazer mais do que cochilar, lá pras 3h da manhã você me empurra pro lado e diz "espaçosa", desculpa, era uma tentativa de estar perto. Deixo isso pra lá e procuro me manter no meu espaço.

Acordo as 6h novamente e não consigo mais dormir.

Agora, te olhando dormir assim, tão calmo e sereno, controlo meus impulsos de te fazer um carinho - teu rosto e teu cabelo e tuas costas nuas -, controlo a vontade de beijar tua testa e tua boca, que agora forma apenas uma linha; não quero te acordar. Tua expressão tão séria e tranquila ao mesmo tempo me faz pensar que poderia te ver dormir sempre, me faz ter vontade de acordar ao teu lado todos os dias, de cuidar de ti. Poderia isso todos os dias...

Levanto da cama, vou ao banheiro, lavo o rosto, enxáguo a boca com Listerine e pego água, deito de novo pra te olhar. Droga, Anna! Por que tão burra?! Levanto e sento naquele lugar perto do guarda roupas, me sentia tão mal, tão fraca... Tu acorda e me vê ali, não diz nada, me levanto pra carregar o celular e tu me pede pra deitar de novo, do seu lado, deitar contigo. O faço, na minha cabeça os pensamentos continuam ecoando. Eu posso ser mais que isso, Samuel, eu posso ser melhor. Não consigo demonstrar isso, tenho medo, tanto medo, tanto medo, tanto medo... Deixa eu ser quem eu posso ser.

Mas esses pensamentos se vão quando tu tira a roupa e pede pra transar comigo. Tão insensível! Não ouviu uma palavra do que eu disse na noite anterior; mas acabo cedendo ao receber teus carinhos. Tu sabe meus pontos fracos, sabe que é em ti o meu tesão, sabe mexer comigo... Me sinto vendida, fácil e vulnerável, mas sempre fui assim em relação a ti. Transamos, mais por prazer que por amor, eu sei. A porta de casa não quer abrir, tiveram que chamar o chaveiro. Nesse espaço de tempo, pós-sexo — chaveiro, pego o teu celular num impulso indesejado, por que não me controlei?! Brenda está lá, "não me abandona... Pizza e uns beijos." Puta que pariu! Não sou o suficiente. A raiva e a tristeza me dominam. Minha mente: trocar de roupa, arrumar as coisas, colocar o tênis, não esquece o carregador, droga!, o chaveiro.

Saio do quarto com tudo arrumado e você vem com o café da manhã, a pizza da noite anterior, e pergunta o que aconteceu. Só consigo olhar pra você e te xingar mentalmente. Quando não aguento mais, vou pro banheiro e fecho a porta atrás de mim, segurando-a com meu peso, sento no chão e começo a chorar.

— O que foi, Anna? — tu bate na porta.

— Eu nunca vou ser o suficiente pra ti, né?!

— O que foi? Tu mexeu no meu celular?

— Aham — respondo entre soluços.

— O que tu viu?

— A conversa com a Brenda. Me deixa agora.

Durante esse diálogo tua avó fala pra tu me deixar. Tu sai, eu levanto e lavo o rosto, vou na sala, pego o celular e volto pro quarto, "ficar pra quê? Droga de Kriskof de maçã!", sento perto do guarda roupas de novo e você tem, vem se explicar, mas eu não quero ouvir. Sei que errei em fazer o que fiz, não deveria ter pêgo o telefone, desculpa, mas a raiva é maior, não quero te ouvir! Mas mesmo assim tu conta, mal entendido, um puta mal entendido. Mas essa forma carinhosa que tu as trata me magoa, porque eu só queria um carinho também, foi o que vim procurar aqui na tarde de ontem. Não posso te proibir de nada, eu sou melhor que isso, mas tenho os meus motivos. Desculpa. Eu ainda estou com raiva, até porque sei que você ainda tenta manter contato com a Thaís, te dei a última chance esses dias, por que você a desperdiçaria assim?

No fim tudo (quase) se resolve com Agar.io e vídeos idiotas na internet. Te olho do meu lado, no computador e... "puta que pariu, como eu gosto de ti."

Anna Clara Bispo
Enviado por Anna Clara Bispo em 04/10/2015
Reeditado em 27/04/2017
Código do texto: T5404272
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