Nas dobras do tempo eu escrevi uma carta de amor

Nas dobras do tempo eu escrevi uma carta de amor

Quando abro o envelope pardo endereçado a mim, que o carteiro deixou jogado na garagem, estou sentado no sofá . São duas da tarde de uma terça , eu deveria estar no trabalho , mas é obvio que não estou . Não tem nada de bom na TV , não tem nada de bom na rua e o trabalho seria igualmente desagradável. A primeira coisa que puxo de dentro do envelope é uma foto , Laura está posando com a Stonehenge atrás de si . Então eu sinto uma pontada de inveja antes de puxar a folha de papel almaço com sua carta escrita em caneta Bic azul ponta fina . Em suas cartas sempre tem algo de novo e empolgante acontecendo . Dessa vez ela está na Itália , diz que os homens na Europa usam muito perfume , que eles se vestem bem , que até o pessoal da faxina é elegante . Ela diz que os turistas são todos iguais com suas mochilas e câmeras fotográficas nas mãos e que quando encontram alguém de seu país inevitavelmente querem saber de qual parte dele são , trocam dicas sobre restaurantes e lojas , depois cada um segue seu caminho prometendo se encontrarem novamente para um chá ou almoço . Qual a vantagem de sair do país para cair num ralo de Brasileiros ? Ela me pergunta na carta . Deve ser pelo mesmo motivo que nossos amigos nos apresentaram , eu respondi para mim mesmo . Laura não era muito respeitável , era réveillon e todo mundo usava branco . Nós eramos os únicos bebendo cerveja . O resto desfilava com taças de cristal bebendo espumantes . A única garrafa de Champanhe ficava sobre a mesa cravada num balde com gelo para depois dos fogos . Cada uma das 40 pessoas naquele apartamento beberia um pouco e contaria aos seus conhecidos como tinha passado um ano novo incrível regado a Champanhe com uma vista linda dos fogos na cobertura de um hotel . Laura chafurdava nas caixas de gelo procurando por uma lata quando esse sujeito vestindo camiseta branca estúpida com sátira de terno smoking se aproximou encostando exageradamente o pistão em seu corpo . Laura se afastou abrindo seu sorriso amarelo de desprezo , que para mim deixou bem claro que a tentativa de sedução do rapaz de cara limpa e gel nos cabelos falharia miseravelmente . Enfim , ela conseguiu uma lata gelada de cerveja e quando se pôs a caminhar as mãos sedosas do cara agarraram seu braço . Era o típico sistema usado em baladas e festas populares onde o macho escolhe a garota a ser abatida como escolhe frutas no mercado . O sujeito não esperava pela reação da garota que lhe agarrou os bagos , longe de ser delicada . De onde estava consegui ver os músculos de seu braço se contraírem e os olhos do homem da feira saltarem das órbitas . A mão que segurava a lata por reflexo também usou um pouco de força , a lata sofreu um décimo da ira entregue às bolas do esquilo . Quando meus olhos encontraram os olhos claros do rapaz , ele sorriu comicamente tentando parecer confortável com a situação nada legal .

Michele ! Disse o rapaz se afastando de Laura quando outra garota cruzou o caminho dos dois seguindo na direção da mesa de quitutes , ou seja , bolinhas de queijo e Doritos .

Foi a deixa para sua fuga , desse modo saiu como se fosse por vontade própria , não inibido pela dor das garras da garota , que ao abrir a cerveja recebeu um jorro de espuma no rosto . Desfecho catastrófico após a vitória . Os lenços de papel estavam sobre a mesa de refrigerantes onde eu me apoiava . Abri espaço para que ela apanhasse alguns . Que saco , praguejou , não para que eu ouvisse , só um pensamento alto . Seu rosto estava queimado de sol e seu jeans um pouco desbotado . Isso é realmente uma grande merda , falei , e sem se dar ao trabalho de erguer a cabeça , falou que era só um babaca . O pinto dele nem era tão grande , logo não sei o que um otário desses pensa quando aborda uma garota assim .

Estendi minha mão e me apresentei , ela me olhou , finalmente me olhou . Não vai começar com xaveco furado pra cima de mim , disse ela . Mantive minha mão estendida . Xaveco é o que o pavão faz para conquistar a fêmea , eu estou me apresentando e tentando começar uma conversa , falei . Sua mão direita melada parou no ar pouco antes de encontrar a minha , então ela perguntou : como posso saber se você não é um babaca ? Lhe mostrei minha lata de cerveja , e apontei para todos os sorrisos falsos embriagados de champanhe falso , e quando um tipo próximo da janela acenou amigavelmente lhe mostrei o dedo central e sorri com meus dentes tortos como um bom amigo .

Os fogos subiram como foguetes e depois explodiram num emaranhado de teias de aranha coloridas no céu . A cidade toda gritando , na rua , bêbados se abraçando , buzinas arrebentando , alguns tentavam ligar , usando o celular , para conversar com alguém que não estava presente e obviamente valia mais a pena que os muitos que estavam se saudando . Laura e eu descemos as escadas em direção à rua levando o verdadeiro Champanhe . Você tem carro ? Ela perguntou , apontei para o velho Ford estacionado na esquina , um casal bêbado se pegava ali , o cara usava a porta do passageiro como apoio , e os dois se mantinham em pé aos beijos enquanto alguns atrasadinhos colocavam fogo em meia dúzia de rojões . Decidimos usar o carro de Laura , simplesmente um carro que andava com muito esforço , segundo ela , ninguém mais conseguia dirigir . Então é um lixo , eu disse quando o motor roncou , tossiu e não deu a partida . Perguntei se precisava de um empurrão . Não seja idiota, ele só está tímido , ainda não conhece você . Ela alisou o câmbio como se estivesse o masturbando , depois virou a chave , ele tornou a tossir , chacoalhou , e quando pareceu exitar , com a mão esquerda Laura acertou um soco no painel , o carro entendeu o recado , escoiceou , atrás de nós uma nuvem de fumaça tomou a rua , ela engatou a segunda e saímos num solavanco como se estivéssemos montados num cavalo a vapor .

A princípio , ela me achou convencido demais . Tenho certeza disso porque foi ela mesma quem disse numa de suas cartas meses depois . Eu aprendi com ela a comer brócolis , a beber vinho seco . Ela tentou me fazer tomar café , mas isso não consegui fazer . Eu lhe apresentei John Fante , Exterminador do Futuro e White Bufalo . Nas primeiras horas de 2012 depois de fugirmos da festa de ano novo mantivemos uma discussão sobre religião , sobre ela ser ateia , sobre eu não saber direito qual minha opinião sobre Jesus ou Buda . Encontramos um espaço para o carro no cinema drive in , que por incrível que pareça , estava tomado . Casais ou duplas praticando sexo como se não houvesse amanhã , depois de mais um fim do mundo falho previsto por algum visionário do tempo futuro . A tela rara do drive in exibia um filme de natal com Macauley Culkin . Eu já assisti esse filme umas dez vezes, mas ainda não me cansei dele , disse Laura quando um tijolo é lançado de cima de um prédio e acerta a cabeça de Daniel Stern na tela , ela ri com a garrafa de champanhe na boca , e um pouco escapa escorrendo pelos lábios . Ela pede que eu abra o porta-luvas , diz que ali vou encontrar uma caixinha de suprimentos de primeiros socorros . Entre notinhas de supermercados , óculos de sol , absorventes e duas camisinhas encontro a caixa plástica , pequena e branca com uma cruz vermelha desenhada na tampa . Ela me passa a garrafa de champanhe pela metade e apanha a caixinha das minhas mãos . Abre , de dentro tira THC , dichavador de lata e uma embalagem com papel para cigarro . Em pouco tempo prepara um cigarro de maconha com habilidade invejável . Sela o cigarro com saliva e prepara a piteira . Toma , ela me diz , passando o cigarro recém-preparado e começa todo o serviço fazendo outro . Maconha não é das minhas drogas favoritas , ela sempre me desmonta , então estou ali com aquele cigarro perfeito entre os dedos sem saber direito o que fazer com ele . Quando percebe que ele ainda está apagado , Laura se desculpa , tira um isqueiro da caixinha e me manda meter fogo . Seguro a tosse da primeira puxada . Procuro manter a fumaça na boca sem tragá-la para os pulmões , então Laura me acerta no estômago , me passa o isqueiro , diz ela , enquanto toda a fumaça invade meus pulmões , começo a tossir . Mano , vai com calma , essa é da boa , ela fala , com tom de sarro na voz . Eu abro a janela para deixar um pouco de ar entrar . Qual o seu problema ? Ela pergunta , se referindo a minha fragilidade para o fumo . Tento lhe devolver o chago , mas ela empurra de volta para mim . Não , esse é todo seu , tenho um aqui para mim . Um urro orgasmático saiu do carro ao lado , um urro masculino , como o urro de um urso sendo ferido , e em seguida o grito de uma harpia prontamente ensaiado . Meus olhos estão queimando , me viro na direção de Laura e tudo parece em câmera lenta . Nem pensar , diz ela . E eu , o que ? Nem pensar o que ? Não vamos transar , acabamos de nos conhecer , e você tem cara de maluco . Ela dá uma boa tragada no seu chago , e com a fumaça presa diz : costumo me apaixonar por malucos , pretendo evitar cometer esse erro novamente .

A primeira carta de Laura chegou de surpresa , sem aviso , eu não estava esperando por isso . Não foi como receber uma cobrança ou intimação . Foi entregue no trabalho , a telefonista veio até mim e a depositou na minha mesa . O que é isso ? Perguntei , uma cagada de elefante , respondeu a telefonista . Não seja dura consigo mesma , Beatriz , você está acima do peso , tudo bem , mas não é pra tanto . Bia se virou resmungando e batendo os pés . Na carta Laura reclamou sobre sua companheira de trabalho , sobre como bolsistas ganham mal e não tem direitos, sobre o salário que nunca chega no dia certo , sobre a falta de um sindicato , sobre o professor de alemão .

'' ...estou de saco cheio . Vou para Portugal ''

Pontuou ela .

Tudo que eu sei a respeito de Portugal é que fazem bons vinhos e escravizaram nossos índios , estupraram nossa índias e introduziram o português nesse país . Claro , tem muito mais sobre esses que chamamos de irmãos bárbaros , coisas boas que saem na TV e jornais .

A carta continua , Laura diz que pode conseguir um emprego por lá , não se importa em ficar atrás de um balcão servindo pães e cafezinhos . A telefonista mantêm os olhos grudados em mim . O telefone toca , ela atende e em seguida o que está sobre minha mesa também toca . Atendo . É uma tal de Laura , ouço a telefonista dizer antes de transferir a ligação .

Na linha motores ligados .

Alô ?

Laura ?

Preciso de sua ajuda . Ela diz .

Não me lembrava de lhe ter passado meu telefone . Como conseguiu o telefone ?

Você até que é meio conhecido . Procurei por você na internet e encontrei trabalhos seus publicados nessa revista , arrisquei e acertei . Ela continua . Agora , não liguei para babar ovo , você nem escreve tão bem . O que preciso mesmo é que venha me buscar .

Buscar onde ?

Estou na delegacia .

O que faz na delegacia ?

Não sei qual o problema desse povo . Fui pega no bafômetro .

Olho no relógio do computador , são 10:30 .

Eu lhes disse que havia comido algumas trufas antes de sair de casa , algumas trufas com licor de morango , mas não acreditaram , disseram que uma trufa não daria o resultado que deu , mas eu disse que foram algumas e não uma , e além do mais , uso enxaguante bucal , eles colocam álcool nessa droga . Agora estão me multando , apreenderam meu carro e tem uma fiança de quase dois mil pra pagar , mas eu não tenho esse dinheiro e nunca passei uma noite na cadeira .

Sua voz para por um tempo esperando que eu diga algo .

Beatriz continua olhando para mim , então noto que ela ainda tem o telefone na orelha , fica sem graça e o coloca no gancho .

Droga , já estou de saco cheio disso tudo , pragueja Laura .

Não saia dai , eu digo .

Sua voz ressurge .

Pra onde tu acha que eu vou ? Eles não querem me deixar sair sem pagara essa fiança !

Chego em 20 minutos .

Ouço suspiro de alívio .

Cara , eu prometo que vou te pagar de volta .

Meu chefe surge na porta quando estou apanhando as chaves .

Tá de saída ? Pergunta , com a mão no batente . Ele confere a hora no relógio no pulso . Mas você acabou de chegar nem faz uma hora ! Deveria estar aqui às 07 , chegou às 09 , eu não posso lhe deixar sair assim . Você age com se fosse o dono do lugar .

Eu lhe encaro como um cão encara outro que acaba de invadir sua área .

Você não quer começar isso agora , não é Pedro ? Eu preciso sair e vou sair . Gente como você não entende que existe vida fora dessas quatro paredes .

Pedro , meu chefe , continua atravancando a porta , impedindo que eu passe por ele . Seu cabelo brilha de tanto gel .

Se você sair , está fora de uma vez por todas .

Você não pode me mandar embora . Essa revista só aparece em outras revistas por minha causa .

Seu merdinha escroto , estamos respondendo processos sobre atentado ao pudor por sua culpa , eu sei que você se orgulha disso , mas não me agrada estarmos sendo mencionados nas páginas das concorrentes como uma revista que ínsita a violência e emprega pessoas com comportamento antissocial , a quem faltam senso de moral , responsabilidade ou consciência . Nos éramos uma revista conservadora , a Open Night tem um nome a zelar , e você está colocando isso por água a baixo !

Lhe acerto um soco de leve nas bolas , ele arca me dando passagem .

Esse lugar é um atoleiro para mentes brilhantes . Pense nisso quanto estiver chupando a rola de gente com John Green ou outra modinha da vez .

Deixo o lugar sem olhar para trás .

Encontro Laura me esperando algemada no banco na recepção da delegacia . Tem mais um punhado de gente lá , um cara todo tatuado com correntes de ouro e boné tricotado fuma um cigarro na entrada . Não vejo nenhuma algema nos punhos dele . Ele me encara quando passo pela porta de entrada . Laura me abre um sorriso ao me ver entrando .

Cara , pensei que você não iriá aparecer . Muito obrigada .

O que foi que essa garota fez para estar algemada como um cão chinês na fila para o abate !? Digo em alto e bom tom para que todos ouvissem . A delegacia para , retenho todos os olhares , Laura esta pálida , visivelmente transtornada e arrependida de ter me chamado . Um policial com a mãos no coldre da arma aparece de trás de uma porta e fica ali me observando . Eu aponto para ele e digo : você ai , sirva seu propósito e tire as algemas dessa garota. Agora ! O homem trava , não sabe o que está acontecendo ali . Quem diabos tem as chaves desse objeto de tortura medieval ! Insisto . O homem da lei começa a se mover em nossa direção , sinto a espinha gelar , então ele tira o molho de chaves de algum lugar , Quando está prestes a soltar a Laura outro homem aparece , esse vestindo terno e gravata e uma identificação dourada afivelada ao peito . Que diabos esta acontecendo aqui , policial? Ele pergunta autoritariamente para o policia , que já está com as chaves no miolo das algemas . Estou soltando essa mulher , senhor , diz ele . E quem lhe deu ordem para isso ? O polícia se sente meio bobo e aponta para mim . Quem é você , pergunta o homem de terno . Vim tirar essa jovem desse antro lisérgico de maldade , falo . Vocês estão prestes a cometer um erro transformando a vida dessa garota num inferno . Hoje eu não saio daqui sem ela , anuncio . O semblante do homem de terno enrubesce ao tom da gravata que usa . Algeme esse homem e descubram quem ele é . Ordena o homem , então lhe digo : ligue para esse número antes de cometer o erro da sua vida . Lhe passo um pedaço de papel com um telefone .

Dez minutos depois Laura estava alisando o pulso dentro do meu carro . Saímos da delegacia rápido , eu não queria que descobrissem a mentira . Laura me fitava aguardando respostas quando parei no primeiro farol .

Porque você está olhando para trás como se eles estivessem vindo atrás da gente ?

O farol abriu e eu arranquei .

Jesus , qual o seu problema ! Diz ela quando na arrancada sua cabeça chicoteia no assento .

Isso foi loucura , digo a ela , minhas mãos estão tremendo , começo a suar .

Porque aquele delegado nos liberou ? Pra quem ele ligou ?

De baixo , tem uma revista aí . Falei , ela se curva para pegar a revista debaixo do seu assento . Era uma Open Night , no final , numa página dedicada a anúncios , há uma propaganda de um advogado famoso .

Esse cara é seu advogado ?? Pergunta ela com os olhos arregalados .

Porra , claro que não .

Meu telefone toca logo em seguida , paro num posto para atender . É Carlo .

Ele está eufórico .

Cara , eu deveria mesmo me inscrever naquelas aulas de teatro.

Ele pede para falar com Laura . Lhe passo o telefone . Consigo ouvir ele gritando no ouvido dela : e aí mocinha ?! Tu tá me devendo uma . Tá mesmo . Quem sabe um jantar à luz de velas ? Gata , se não fosse por mim você estaria numa cela de cadeia chupando xereca uma hora dessas …

Laura me devolveu o fone , e perguntou novamente , o que estava acontecendo ?

Expliquei .

No caminho para a delegacia me toquei que não tinha a grana da fiança , então achei que meu chefe poderia me adiantar o salário , mas nossa discussão ainda estava fresca na cabeça do desgraçado que disse que eu estava demitido por justa causa .

Fui até minha casa e folheei meu caderninho . Tenho um caderninho com anotações de quem me deve favores , mas são todos pobres e fodidos. Depois de três ligações falhas me dei com essa edição da ON sobre o sofá . Então , como num passe de mágica tive a ideia , liguei para Carlo , contei o acontecido e disse que precisava que ele fingisse ser o tal advogado . Ele não queria fazer , isso é problema , ele falou . Mas ele acabou cedendo quando descrevi nosso problema .

Cara de interrogação de Laura .

… bom , descrevi suas formas .

A garota ri , sua reação foi inesperada para mim .

Carlo ficou muito interessado . Carlo é gente boa , você vai gostar dele . Adora vestido vermelho . Tente deixar as pernas à mostra . Ele não vai tentar nada se você não der brecha .

Como assim , ela me pergunta . Porque usaria um vestido vermelho .

… prometi um encontro para ele , caso conseguisse tirar você da cadeia .

Agora Laura já não ri. Acendeu um cigarro e disse que eu era um cafajeste . Disse que não precisava sair com ninguém . Ela tomou o telefone da minha mão e avisou Carlo que essa ele não paparia . Desligou e o jogou de volta para mim . Abriu a porta e saiu a andar . Fui atrás dela . Onde você está indo , te dou uma carona ! Saia de perto de mim , seu escroto . Não sou prostituta ! Disse ela nervosa batendo os calcanhares no chão . Nunca disse que era , mas pode ser uma acompanhante , um jantar legal à luz de velas e só isso . Pense um pouco , você não tinha a grana , eu também não , e mesmo assim você está livre . O que é um jantar a dois ?

Laura se vira e lança a bituca do cigarro ainda aceso na minha cara .

Oliver , nós nem nos conhecemos direito e você já me vende por ai !

Assim é mais fácil . Não conseguiria fazer isso com a minha mãe .

Uma viatura aponta no trânsito , nos viramos de costas para ela .

Agora sou uma fugitiva por sua culpa !

Pragueja Laura , apontando para mim .

Talvez você não deva ir para sua casa hoje , eu digo . Talvez deva passar a noite fora . Eles tem seu endereço , quando descobrirem a mentira , vão colar por lá .

Ela cobre o rosto com as mão .

E o que vou fazer nesse meio tempo ?

Fique na minha casa .

Nos não vamos transar , ela diz .

Você é tremendamente encanada com isso , sabia ?

Ela se coloca a caminhar novamente .

É que estou de saco cheio de homens , é isso . Você é um bom exemplo de um que não vale nada . Por isso está sozinho .

Eu puxo pelo ombro e pergunto : quem disse que estou sozinho ?

Com o dedo indicador cutuca minha testa .

Está escrito na sua cara , Oliver .

Você está enganada , falo .

A é ?

Claro que sim .

Está sozinho porque ninguém lhe quer .

Não , não … eu não estou sozinho , estou comigo mesmo …

Ela ri , paramos num farol aguardando o sinal abrir .

Para onde você está indo ? Pergunto .

Não sei , cara , não sei . Olha só o que você fez comigo , estou perdida !

Minha casa não fica tão longe . Podemos voltar e entrar no meu carro e você fica lá .

Laura sede , bufa e pergunta o que faremos na minha casa.

Tenho filmes , tenho baralho . Gosta de banco imobiliário ? Tenho um em casa . Faltam algumas peças , então teremos de improvisar com tampinhas de garrafa e caixas de fósforos .

Outra viatura surge de lugar nenhum , passa por nos lentamente . Eu sorrio para os policiais lá dentro , e um deles retribui com um aceno gentil . Depois disso , fomos para minha casa .

Agora eu poderia contar sobre Laura e Carlo , sobre como ele apareceu lá em casa , sobre como tivemos de usar folhas de caderno como dinheiro para o banco imobiliário , sobre meu chefe ligando e se desculpando , dizendo que eu poderia voltar na manha seguinte , sobre Laura e Carlo na minha cama , sobre os cigarros de maconha , sobre nenhum de nós estar em condição de ir trabalhar na manhã seguinte , sobre os meses seguintes , sobre o acidente terrível de Carlo , sobre Laura ter me dado um fora no meu aniversário , sobre termos nos tornado amigos , sobre precisarmos contratar um advogado para limpar nossa barra com o delegado … no final das contas , histórias ainda estão sendo escritas .

Acabaram-se os selos …

04/10/2015

08h47m

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 05/10/2015
Código do texto: T5404857
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