TUDO JUNTO E MISTURADO

Ela possuía um dom: afastava das pessoas qualquer tipo de tristeza, desde a leve e passageira até a profunda, abissal! Não havia encantamento, nem lugar específico ou ocasião adequada, isso apenas acontecia! Por um momento as pessoas sorriam e lembravam de como já haviam sido felizes, ainda que a tristeza as aguardasse à distância, escondida na próxima esquina. Ela não sabia o que era tristeza!

Ele também tinha um dom: o de sentir a tristeza de todos ao redor. Das mais insignificantes às monumentais! Seus olhos eram inchados de chorar pela mãe que perdeu o filho; o barbeiro que se feriu com a navalha; o empresário que perdeu dinheiro e o apaixonado que perdeu o sentido. Isso fazia dele o amigo ideal, sempre empático ao sofrimento alheio. Ele não sabia o que era alegria!

Num domingo como outro qualquer, quando não se espera nada de novo, ele assentou no banco da praça e folheou o jornal. Queria saber como estavam as tragédias pelo mundo afora. Ela também saiu, leve como a brisa da tarde. Quem sabe poderia alegrar o mundo de alguém? Foi assim que se conheceram!

Enquanto lia o jornal recheado de grandes tragédias, percebeu que não estava mais tão triste como antes, e isso era perturbador! De repente estava sereno, quase menino, quase feliz! Alguma coisa estava errada! Ele dobrou calmamente o jornal e esperou pelo que viria. Não demorou muito e uma mulher de cabelos negros, saia branca e blusa grená veio em sua direção irradiando o que ele nunca teve, tudo que lhe faltava!

Enquanto aproximava, ela experimentou a tristeza. Não era um sentimento bom, mas, trazia certa sensação de completude, como se não fosse humana se não sofresse. A fonte dessa tristeza era um homem de meia idade assentado no banco, lendo jornal.

Eles não foram formalmente apresentados, ela apenas sentou ao seu lado, e com nostalgia começou a falar sobre a vida, as pessoas, o trabalho, o dia, e tantas outras rotinas e futilidades que enlaçam o ser humano.

Ele contou suas histórias; contos de Clarice Lispector; poemas de Adélia Prado; crônicas de Luiz Fernando Veríssimo e, de vez em quando parava de falar e apalpava os lábios, só para sentir o formato de um sorriso no rosto. Ele sorria como quem revela o maior dos segredos, como se jogasse fora o maior dos fardos.

No final da tarde, enquanto o sol recolhia e pintava de arrebol o horizonte, e as primeiras sombras saíam do abrigo, o vento frio esvoaçava pelos canteiros da praça as páginas soltas do jornal abandonado, marco de um fim, e de um recomeço!