Quando precisamos desconstruir conceitos

- Paaaai... cheguei!

Renata tem muitos anos, é solteira e ainda mora com o pai. Mas se dependesse dele ela já teria mudado de estado civil há muito. E não foram poucas as tentativas do gestor de empurrar um possível candidato para amarrar o coração da filha. Mas ela estava irredutível.

- Mas papai... estamos tão bem só nós dois... por que o senhor insiste tanto nessa idéia... deprimente? Nossa vida é tão previsível e confortável... Uma terceira pessoa só iria fazer a gente entrar em conflito, principalmente por que vai quebrar o equilíbrio que nós temos... olha em volta e perceba o quanto nossa vida é perfeita...

O pai apelava, em desespero.

- Mas minha filha... eu estou ficando velho e logo você vai viver sozinha...

- Sozinha não... não é o senhor mesmo quem diz que nós estamos rodeados de espíritos? – ela olhou aleatoriamente em volta dela – até mamãe o senhor diz que vem freqüentemente nos visitar... Então... o senhor está se contradizendo...

- Você precisa de espíritos encarnados... de filhos... minha filha... infelizmente nós não tivemos oportunidade... sua mãe adoeceu logo depois que você nasceu, mas eu queria ter muitos filhos...

- O senhor eu não duvido, mas a mamãe tanto não queria que até pulou fora, deixando o senhor na mão em todos os sentidos... teve que cuidar de uma adolescente, da casa, roupa comida e contas... isso não foi muito bonito da parte dela...

- mas minha filha... foi nós que combinamos assim... antes de nascermos nossa história já estava escrita... seríamos felizes por um tempo, teríamos uma filhinha linda e depois ela partiria primeiro... E agora eu quero partir sabendo que você está bem e não sozinha aqui com os gatos...

- Eu tenho um gato, papai... não é o caso de alguém encontrar meu corpo sendo velado por bolas de pelos...

Essa discussão eles tinham quase todos os dias. De fato, o pai estava realmente preocupado, pois os anos mostravam que a saúde dele não iria ficar equilibrada por muito tempo. E a idéia de deixar sua única filha sozinha o enchia de pavor. Mas Renata estava no auge da vida e esse era de longe o maior de seus problemas. Embora sua vida social estivesse zerada, sua profissional estava de vento em popa.

Ela tinha sociedade em um escritório de contabilidade com um grande amigo. Eles estavam juntos a quase dez anos e tinham clientes fixos. E ela estava fazendo seus intermináveis cálculos quando o sócio entrou afobado na sala. Ao olhar uma pasta empilhada no lado esquerdo da mesa, que era o lado dos enjeitados, soltou um grunhido estarrecido.

- O que essa pasta está fazendo aí?

Renata sequer levantou os olhos para responder.

- Foi rejeitada... sinto muito... eu sei que ela é importante pra você, mas eu não boto meu nome nessa empresa, não... e se você insistir nisso nós desmanchamos nossa sociedade e você pode cuidar deles... eu fico com os clientes menores, que vamos ficar elas por elas... sem ressentimentos...

Gustavo se contorcia quando ela falava desse jeito...

- Por que você faz isso? Você sabe que esse escritório não funciona sem você...

- funciona sim... aliás, muito melhor sem mim e os funcionários construirão um altar pra você... mas não me peça para fazer alguma coisa contra os meus princípios... meu pai fala que minha mãe não desgruda de mim, preocupada comigo... e acredito também que fique com remorsos por não ter terminado de me criar... e definitivamente eu não poderei mais falar com ela se aceitar o que você me pede... essas contas estão bichadas e eu não vou abonar isso... não vou abonar alguém que tenta passar a perna em outros alguéns... não gostaria que alguém fizesse isso comigo... me coloco no lugar dos sócios e fico pensando se algum dia você fizer isso comigo... o que eu não quero pra mim não quero pros outros também...

Desnecessário descrever a cara de desolação do sócio.

- Eles estão na minha sala...

- Eles quem?

- Os donos dessa conta... o dono da empresa está aceitando um novo sócio, que aparentemente vai tirar a empresa do buraco e o cara pediu a revisão das contas por alguém de fora da empresa... e ele também quer que assumamos a conta, junto com o cara da empresa...

- Sem chance... com esse cara aqui eu não trabalho... o cara é perigoso... ele é muito bom... eu quase não percebi o leve deslize, pois estava muito bem escondido no meio dos zeros... mas os números não mentem... tá aí pra quem quiser ver... alguém tentou lavar dinheiro nessa empresa e não conseguiu esconder a sujeira debaixo do tapete... e eu adoro fazer faxina...

O sócio saiu da sala e alguns minutos depois o interfone tocou. Era a secretária deles pedindo para a Renata ir até a sala do Gustavo.

- Ele está sozinho?

- Não... está com dois clientes...

Renata suspirou desanimada. Esse seria um dia daqueles. Ficar de frente a empresários agoniados, com o leão na cola deles, era sinal de uma grande dor de cabeça. As vezes homens grandes choravam igual criança.

Ao entrar na sala bem decorada do amigo, a esposa dele fizera o curso de decoração de interiores, ela se lembrava do quanto o escritório deles ia bem. O dela era mais simples, principalmente por que ela tinha outras prioridades. Ao entrar na sala o seu olhar logo se desviou para os dois homens elegantes, embora um estivesse com o olhar neutro e o outro quase desesperado. Gustavo resumiu rapidamente as apresentações e depois se explicou.

- Eu estava dizendo para os cavalheiros que não poderemos aceitar as contas e eles me pediram uma justificativa, pois esse caderninho é a peça chave para a salvação da empresa. Como eu te disse, sem o novo sócio a empresa vai pedir falência... e são mais de trezentos empregados... talvez eu tenha esquecido de contar esse detalhe...

Renata se sentou na cadeira destinada a ela, que ficava na lateral da mesa, entre os dois blocos de homens. E ela tinha por característica ser extremamente direta. Rodeio era uma palavra inexistente no vocabulário dela.

- Não adianta colocar com a pá, se alguém for tirando com a colher... – os três homens olharam assustados pra ela – alguém está desviando dinheiro dessa empresa... ao invés de dar um significativo aumento para os funcionários assalariados, alguém está enchendo seus bolsos... talvez por isso ela esteja ruim das pernas... o mercado da construção civil não está lá essas coisas e ainda não sobra dinheiro pra investir... Mas acho que nem tudo está perdido... os desvios foram esporádicos e aparentemente inofensivos... mas existe a intenção e isso é que me preocupa... quem rouba pouco rouba muito... é só uma questão de oportunidade... Agora também não vamos sacrificar o coitado do contador... se ele é uma pessoa de confiança, e pela letra ele está na empresa há muitos anos, certamente tem alguém por trás dele... e não é alguém pequeno... se ele fosse roubar pra ele, pegaria muito mais... As retiradas foram discretas, mas estão aí...

Um silêncio desconfortável se seguiu. Renata pegou novamente o caderno e pareceu se lembrar de alguma coisa.

- Agora... um detalhe que talvez faça diferença pra vocês... as contas começaram a ser adulteradas de um tempo pra cá... quer dizer... não acho que o novo sócio deva desistir da sociedade, afinal, não existe empresa perfeita, pois ninguém é perfeito. Mas acho que vale uma conversa franca com os donos... uma chamada. Se eles querem parceiros, têm que se mostrar de confiança. O erro que aconteceu não poderá se repetir...

O homem de cabelos pretos e o mais bonito deles, falou com segurança.

- nesse caso o escritório de vocês aceita acompanhar as contas?

Gustavo nem se atreveu olhar para Renata.

- Claro... será um prazer... se for tudo no preto e branco... mas e a relação com o contador da empresa? Nós vamos “vigiar” o serviço dele? Sei não... isso vai ficar meio esquisito... – e se virou para o sócio - E se for dispensá-lo nós precisaremos de mais ajuda... a conta deles é muito grande... a questão é: nós queremos crescer desse tanto? Só nós dois não vamos dar conta... E estamos custando a achar uma secretária que nos satisfaça... – o sócio sorriu parecendo relaxar – tudo bem... que me satisfaça... mas você há de concordar que eu tento ser maleável...

No frigir dos ovos os belos homens foram embora e o sócio não ficou tão chateado. Provavelmente por que a menção de um novo contador o tenha desanimado mais do que a falta do dinheiro na conta.

Algumas semanas depois Renata foi tomar sorvete com seu pai no shopping. Era uma daquelas tardes calorosas de sábado, depois que a saciedade do almoço passa, mas ainda está cedo para o café da tarde. Normalmente eles tomavam o sorvete perto de casa, mas hoje Renata queria o sorvetão de casquinha que era vendido nos quiosques dos corredores do estabelecimento. Mas quando ela estava em meio a uma deliciosa degustação o homem bonito do escritório, dias antes, pára ao lado deles e cumprimenta o pai com um aperto de mão e um sorriso. Depois se permite observar a guerra de Renata tentando lamber o sorvete antes dele derreter e escorrer nos seus dedos. Foi preciso seu pai chamar.

- Minha filha... o moço está te esperando...

Mas Renata apenas virou um olho para quem o pai apontava. O outro ficou vigiando o creme prestes a derreter.

- Ah! Oi... já nos conhecemos? Eu não me lembro...

- Eu sou o dono da pá, que alguém queria tirar com a colher... Luis, muito prazer...

- Ah! Sim... claro... Renata... e o problema foi resolvido?

- sim... sim... e sua contribuição foi de grande ajuda... sinto que eu lhe devo uma...

- não deve nada... considere como dívida já paga... estou com minha consciência leve e isso não tem preço... aliás, me sinto tão leve que nem esse sorvete vai pesar na minha balança...

Depois o belo homem se virou para o pai da Renata e junto com um sorriso, confidenciou como a filha dele o havia ajudado.

- Eu sou viúvo e me mudei recentemente para essa cidade, para meus filhos estudarem. Então comecei a procurar uma empresa para investir o dinheiro deles, pois eles herdaram certa quantia da mãe... então achei essa empresa e levei as contas no escritório da sua filha, para serem avaliadas... só que eu já fui com segundas intenções, pois não gostei quando conheci os um dos membros da diretoria. Mas precisava de algo concreto para justificar minha consciência, pois um dos filhos do dono da empresa acabou se tornando um grande amigo. E a sua filha me alertou para um pequeno desvio que estava sendo encoberto...

- E o que você decidiu?

- Por incrível que pareça acabei investindo nessa mesma... depois da fala da sua filha, meu amigo teve uma conversa séria com o pai e com o contador da empresa, pois até para meu amigo aquilo foi uma surpresa. No final das contas um dos irmãos do meu amigo e o pai dele é que pressionaram o contador para diluir uma conta no meio de outras. Um erro que eles se comprometeram a não repetir.

- Um voto de confiança... isso é muito bonito... na teoria... mas eu não faria isso nunca... menos ainda com o dinheiro dos meus filhos... Por que você não investe numa empresa sua mesmo... monta alguma coisa, sei lá... em que você é bom?

Ela falou com a boca cheia. O homem sorriu.

- Em criar filhos... eu tenho um dom especial pra paternidade.

- É, mas até onde eu sei isso só dá prejuízo...

O pai dela e o homem sorriram divertidos.

- E quantos filhos você tem, meu filho?

- Sete...

Renata engasgou e pregou o olho nele. Seu sorvete se rebelou e escorreu por todos os lados.

- Mas isso é um ultraje... por isso que sua esposa morreu.... coitada... foi pro céu direto... me dá o nome dela que eu vou rezar pra ela toda noite...

- Minha filha... respeito com o viúvo...

- Mas eu não estou desrespeitando, papai... na verdade estou é morrendo de inveja dele... O senhor não diz que o maior tesouro que a gente pode conservar na terra são os filhos? Eu não tenho nenhum.... ele tem sete... sete... são sete pães, sete camas desarrumadas. Sete pares de tênis toda semana para lavar... sete tipos de bolacha, por que cada um gosta de um sabor... sabe pessoas brigando pelo controle remoto...

- Mas você também pode ter seus filhos...

- Deus que me livre... imagina se eu vou dar conta de responder quando os sete me chamarem ao mesmo tempo... é bem capaz deu fazer um cemitério clandestino no meu quintal...

O pai de Renata levantou a cabeça para se desculpar com o homem, mas quando o viu sorrindo desistiu. Apenas suspirou desanimado.

- O senhor desculpe a minha filha, mas ela tem pavor à menção de tudo que diz respeito a uma família...

- Família perfeita somos eu e o senhor, papai... ninguém precisa mais que isso...

Ela havia tomado o controle do seu bloco de creme. Depois ela perguntou novamente com a boca cheia.

- Escuta... é pura curiosidade mórbida... mas você realmente planejou ter esse tanto de filho... quer dizer... você e sua esposa concordaram com isso?

Ele sorriu bem bonito. Renata esqueceu o sorvete momentaneamente.

- na verdade acho que sim, mas não conscientemente... quer dizer, eu tive três filhos do meu primeiro casamento, depois adotei dois irmãos e depois me casei com uma mulher que já tinha dois filhos, que são os caçulas... algum tempo depois ela adoeceu e deixou a guarda das crianças comigo. Eu sinto que todos são meus filhos, as vezes os adotivos são mais chegados em mim que os meus próprios...

Renata já ia disparar outro comentário, quando viu seu pai expondo um sorriso gigante.

- Pode falar papai... eu sei que o senhor está com muita vontade de falar...

- Existem filhos de sangue e filhos de coração... ou do espírito... todos os filhos são escolhidos antes de nós nascermos... quando você nasceu você já sabia que seria pai desses meninos... acontece que você tem compromisso com todos eles e quando você desencarnar você vai saber toda a verdade, do por que de vocês estarem juntos nessa vida. O fato é que nada é por acaso e você sabe disso quando se sente bem com todos eles... é como uma sensação de missão cumprida, não é mesmo?

Depois o pai falou sorridente com a filha.

- Minha filha, que tal se convidássemos seu amigo e os filhos dele para nosso almoço de domingo? – e se virou para Luis – seus meninos gostam de piscina e churrasco, suponho?

O homem doou seu lindo sorriso.

- sim... nós adoramos...

- Então está feito... vocês serão meus convidados...

Renata falou sem muita empolgação.

- mas não espere muito desse dia... minha família é um desastre... são um milhão de irmãos do meu pai e todos são casados e tem muitos filhos. O problema é que ninguém avisa com antecedência. Então eu faço pouca comida e cada um tem que levar o seu prato. Depois vira aquela bagunça no cardápio e isso me mata de raiva, por que eu nunca sei que vasilha tirar do armário. Minhas primas também são casadas e tem outro monte de filhos. Nesse exato momento tem três prestes a dar a luz...

Nesse instante passa por eles uma gestante nos dias finais e Renata se espanta.

- meus Deus... parece que ela vai explodir... coitada... – depois falou dramática – aí, ó... isso é que eu não me conformo... tanto sacrifício pra por uma criança no mundo e depois ele vira traficante ou ladrão...

O pai a repreende.

- mas é justamente nisso que se constitui a paternidade e a maternidade. Buscar educar os filhos pra desviá-los desse caminho difícil. Aos pais cabe a educação dos filhos... mais disciplina que amor... assim devemos buscar os defeitos desde que eles são pequenos e corrigi-los... e dar bons exemplos...

Luis sorriu. Renata fez uma careta.

- Falar é muito fácil, papai... mas e quando o filho é rebelde?

O bom homem falou com muita seriedade.

- O importante é que façamos a nossa parte. Se o filho quer seguir seu próprio caminho... a parte que nos cabia foi feita... Deus respeita o livre arbítrio de cada um, mas a vida é uma lei de ação e reação... toda ação tem uma reação correspondente... mais cedo ou mais tarde aquele filho irá ter que resgatar os débitos que contraiu... – e falou carinhosamente com ela – e se você deu o seu melhor pelo seu filho... Deus vê nossos esforços e não nossos resultados...

Renata se virou para Luis.

- E você... como são seus filhos?

- Nenhum deles é traficante e nem ladrão, graças a Deus... mas todos passaram pela fase da rebeldia, o que foi controlada. Agora são até quase passados, de tão tranqüilos... E me obedecem cegamente. Minha palavra tem peso de ouro, assim a paternidade é para mim uma grande satisfação. Mas seu pai está certo... se os filhos nãos nos obedecem são motivo de muitos desgostos... Mas pensando melhor... por que vocês não nos fazem uma visita hoje à noite...? Sábado é dia de pizza em família e será ótimo tê-los conosco...

Renata nem teve tempo de responder, pois seu pai tratou de aceitar o convite sem maiores cerimônias. Passado o endereço o homem se despediu com um sorriso. Renata fingiu não perceber o olhar sonhador do pai, mas estava tão escancarado que ela não agüentou.

- Menos, papai... definitivamente esse seria o último homem por quem eu me renderia... Se sem nenhuma persuasão os homens já desistem de mim, imagina com filhos que irão me odiar? Se fosse um ou dois, podia até ser que eu conseguisse entretê-los... mas sete? Sem chance... vou demorar no mínimo um ano para memorizar o nome deles... Eu sou boa com números, já falei pro senhor... com nomes e fisionomias sou uma negação...

A casa era muito grande e situada em um bairro nobre. Foi impossível não imaginar como seria belo o jardim à luz do dia. Mas Renata não teve tempo de observar mais, pois a porta foi aberta pelo próprio anfitrião, que agora vestia uma confortável camiseta com bermuda. E foram conduzidos para a sala, onde todos os filhos os aguardavam em expectativa.

Os filhos de Luis eram rapazes já barbudos. Os adotados tinham os rostos cheios de espinhas e os caçulas, uma garotinha e um garoto pouco maior tinham ainda cara de bebê. E todos se adiantaram para cumprimentar os visitantes. Um por um eles tiveram as mãos apertadas e a referência a senhor e senhorita foi repetida junto com o muito prazer. Depois eles se retiraram e foram sentar no jardim interno, próximo da sala de onde estavam. Renata estava boquiaberta. Seu pai sorria satisfeito. Luis falou jocoso.

- E aí? O que achou dos meus filhos? Assustadores?

Renata falou meio desorientada.

- Esse ano eu fiz a declaração de um senhor que é meu cliente antigo e ele teve muitos gastos com tratamento médico. Eu fui perguntar e ele falou que internou seu filho em clínicas de desintoxicação...

- Meus filhos também não usam droga... e eu sei disso por que eu conheço todos os seus passos... eles nem bebem álcool... eu nunca permiti bebida e nem cigarro...

- sei... sei... mas todos eles tem opinião própria sobre alguma coisa? E quando discordam de você o que acontece?

- Tentamos conversar e eu mostrar meu ponto de vista, mas enquanto eles vivem sobre meu teto me devem obediência... e sabem disso...

Renata ficou algum tempo observando os garotos que riam de alguma coisa e os menores brincavam no jardim. Luis e o pai a observavam. Depois ela se virou para Luis e falou junto com um suspiro.

- É... com certeza você tem um lugar reservado no céu... Mas eu não te invejo não. Por que eu tenho meus pés no chão... eu conheço o meu limite...

Mas a garotinha chegou junto dela e falou com ela.

- Cadê a sua mãe?

- Minha mãe desencarnou...

- O que é isso?

- Ela deixou a carne que ela usou aqui e foi viver em um mundo onde ela não precisa dessa roupa... agora ela é uma espiã... Todas as mães que vão viver em outro planeta viram espiãs... com certeza a sua é uma das boas... igual a minha...

A menina arregalou os olhos interessada e Renata continuou.

- quando minha mãe morava com a gente ela me vigiava... ela via a hora que eu tomava banho, sabia se eu tinha penteado o cabelo e escovado os dentes... Mas eu adorava brincar de fingir e como ela ficava na sala e não via... mas agora que ela é invisível ela pode entrar no meu quarto a hora que ela quiser que eu não vou ver. Daí se eu faço alguma coisa errada ela corre e conta pro meu pai... e eu sei disso por que meu pai vive mandando eu pentear o cabelo igual minha mãe fazia...

- e quando você fica com saudade dela e quer abraçar ela?

- Bem... uma coisa de cada vez... quando eu fico com saudade eu fecho os olhos e lembro do jeito que ela sorria e das coisas que ela falava pra mim... daí eu peço o anjinho da guarda pra cuidar dela até o dia que eu virar espiã também... e quando eu quero que ela me pegue no colo e me abrace eu rezo antes de dormir e peço pra ela vir me dar carinho... daí eu durmo e ela vem...

- E como você sabe se ela vem?

- por que no outro dia eu não to mais com saudade dela... não igual estava antes... é igual quando a gente tem vontade de tomar sorvete e toma... depois a gente fica um tempão sem ter vontade, não é mesmo?

- Eu não... eu tenho vontade de tomar sorvete todo dia...

Renata disparou uma risada e olhou carinhosamente para a menina, enquanto esta elogiava o cabelo dela.

- É... sua mãe está certa em te vigiar... seu cabelo é mesmo muito rebelde...

Renata riu mais um pouco e depois a pizza chegou. Quando todos estavam sentados comportados, esperando ser servidos, Renata suspirou e se pegou sendo observada pelo anfitrião. Não havia outro sentimento senão admiração. E o sorriso que deu para ele foi de pura entrega. Ele sorriu de volta.

- Fui aprovado na primeira avaliação?

- sim... com certeza nunca vi filhos tão educados...

- Então está pronta para me conhecer melhor?

Renata não precisou pensar muito.

- com certeza já vi a sua maior qualidade, então o resto vai ser muito decepcionante...

Luis riu gostoso e provocou.

- Mas ainda não conheceu meu beijo...

Todas as crianças pararam de mastigar para ouvir a resposta.

- Tenho certeza que esse será o menor dos meus problemas...

Luis riu novamente, mas não respondeu. Depois que comeram os adultos ficaram conversando na sala e Renata pediu licença para conhecer o jardim. Um tempo depois Luis veio ter com ela. Ela estava admirando as orquídeas quando ele chegou.

- Você gosta de plantas?

Ela respondeu com uma careta.

- nunca consegui deixar uma viva por mais de uma semana...

Mas ele estava muito próximo e era quase impossível, para ela, raciocinar... e quando ela pensou em sair de situação tão perigosa ele a segurou pela cintura e pela nuca.

- Pensei em começarmos a eliminar etapas... se eu for desaprovado no beijo, talvez torne as coisas mais fáceis para você...

- não sei... acho que...

Mas ele não deixou ela concluir a frase. E o beijo não foi nada romântico... Um viúvo e uma solteirona... haviam muito que conversar...

Lucilia Martins
Enviado por Lucilia Martins em 21/10/2015
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