Quando o divórcio é inevitável

- Ei... oi... falei com papai hoje...

Gustavo nem se deu ao trabalho de olhar para o irmão caçula, ao responder.

- Me faça um favor, Fred... enquanto nosso pai estiver insano, não quero saber nada, absolutamente nada sobre ele ou sobre a aventura amorosa dele. A menos que você venha me dizer que ele morreu...

O irmão não se deixou abater pelo mau humor do outro e tratou de sentar na cama.

- Olha... eu fiquei um tempão observando ele e vi que ele está diferente... ele me pareceu mais leve, mais magro, mais jovem... sabe... essa história de trocar uma de quarenta por duas de vinte parece que funcionou, pra ele... o cara nem de longe se parece com aquele mau humorado que vivia brigando com mamãe e mal tinha tempo pra gente. Parece até que ele tá melhor sem a gente...

- Não duvido mesmo... ele traiu a mamãe e abandonou a gente... e com quem mesmo? Com uma assistentezinha de médico... coisa mais patética eu ainda tô pra ver... nosso pai caiu no velho golpe da enfermeira... e ainda por cima cheia de filhos... deixou a gente pra cuidar dos filhos de outros... Pode esperar, daqui a pouco ele vai aparecer com um irmão pra nós...

- Guarde o seu mau humor e trate de se animar, pois eu combinei com papai que nós iremos na casa dele amanhã... ele me falou que está completamente apaixonado pela moça, de forma que nunca esteve por mamãe. E ele quer explicar pra gente, por que até agora não sabia o que falar pra nós...

Gustavo não teve tempo de responder, pois o irmão saiu em seguida e fechou a porta. Seu irmão caçula havia sofrido muito com a separação dos pais, pois era o mais ligado com o pai. E definitivamente não queria ser mais um filho de pais separados.

Tudo bem... talvez fosse melhor dar uma chance pro velho. Ou talvez ele não fosse tão velho assim, mas será que ficara bobo? Ele saiu de casa com uma mão na frente e outra atrás e foi morar com a tal mulher. E ela mora na periferia, numa casa nos fundos de uma floricultura. Mas Gustavo não sabia mais nada sobre eles, nunca quisera saber. Quando seus pais foram falar com eles sobre a separação, Gustavo saíra da sala batendo a porta. E isso já fazia meses... Na verdade ficara mais irritado que surpreso. Há muito seus pais não conviviam bem... muito antes da separação. Na verdade, boa parte das lembranças da infância tinha um episódio de discussão dos adultos.

No horário combinado seu pai estava na porta do prédio esperando dentro do carro. Arnaldo nunca mais pisara no apartamento que fora seu. O luxuoso duplex fora deixado para esposa e filhos. Dalí levara poucas peças de roupas, dizendo que seu espaço no novo guarda roupa não comportava mais. No escritório seu sócio e amigo dizia que ele não era mais o mesmo homem. Nunca mais o vira se enfurecer... e isso era um verdadeiro milagre.

Seu irmão estava certo, o homem estava diferente. Seu pai sorriu após seu irmão fechar a porta. E ele nunca sorria. Gustavo fizera questão de ficar no banco de trás. Assim poderia estudar os movimentos do pai com cautela. E foi com surpresa que viu que o pai estava de carro novo, um novo carro velho, pois seu modelo importado fora trocado por um nacional e popular e muito usado. De repente o pensamento que ele estava com dificuldades financeiras passou pela cabeça dele. Mas logo foi refutado. Não... seu pai era por demais controlado e tinha economias. E só quando desceram do carro é que viu que ele carregava compras de supermercado.

A floricultura na verdade era uma floricultura/livraria/cafeteria. Um lugar muito agradável para se sentar e ler um livro, pois havia livros para empréstimos, enquanto se bebia um café. Os rapazes ficaram impressionados. Mas o pai passou pelo caixa e apresentou os filhos a um rapaz negro que estava de avental. Ele os cumprimentou solenemente, depois se dirigiu para o pai.

- A mãe tá sabendo disso?

- não... não... ele tinha uma cirurgia importante hoje e eu não quis preocupá-la... e mesmo por que não tinha certeza se eles viriam... mas eu vou preparar o jantar, não precisa se preocupar... ainda falta muito pra ela chegar... ela vai se atrasar hoje...

O rapaz deixou o bloco de notas cair no balcão e o sorriso que deu foi de pura diversão.

- O senhor é um homem muito corajoso... e gosta de brincar com fogo... Mas tudo bem... nós gostamos de você... assim que eu fechar eu vou te ajudar...

- Não... não... de forma alguma... hoje a cozinha é minha... eu vou fazer o meu macarrão de molho cor de rosa... infalível...

O sorriso continuou.

- mas isso é muito simples para uma comemoração, não acha?

- Não... pra quem nunca cozinhou isso é uma vitória... e como essa vai ser a primeira de muitas vezes que eles virão... haverá tempo de eu remediar...

Arnaldo os levou em seguida para os fundos da casa. E para surpresa deles o ambiente era muito espaçoso, com móveis sólidos, aparentemente novos, chão brilhante de madeira polida e muitas plantas, tanto fincadas no chão quanto nos vasos. As amplas janelas, que mais parecem portas, deixam à vista as plantas dependuradas nas paredes do muro.

- todas estão à venda... então a paisagem muda constantemente. Os móveis também podem ser vendidos... uma vez uma cliente quis a varanda completa... até com as almofadas velhas... aqui ninguém se prende a nada... essa é a terceira casa que eles moram... com o lucro na venda das casas eles vão chegando mais perto do centro da cidade... eles são muito bons pra fazer negócio... e meu sogro mora com eles... ele é construtor... foi ele que fez essa casa...

Seu pai ia dando detalhes da casa enquanto caminhavam. Ele parecia orgulhoso de fazer parte daquela família. Mas quando chegaram na cozinha um garoto de uns dez anos, com óculos grossos, fazia tarefa na mesa. Quando os rapazes foram apresentados o garoto sorriu zombeteiro.

- A mamãe sabe disso?

Seu pai não pareceu irritado, mas um pouco impaciente.

- Por que todo mundo está me perguntando isso? Foi ela mesma que me disse que a casa é tanto minha quanto de vocês e que eu posso trazer qualquer pessoa para jantar conosco, desde que eu previna a cozinheira... e como a cozinheira hoje sou eu, não vejo por que tanto alarde...

Agora sim o garoto sorriu gostoso. Depois falou sério.

- É que ela disse que o dia que seus filhos viessem aqui, que ela ia pedir a tia Judite pra fazer a lasanha especial dela e o tio Barne pra fazer um churrasco, que ia ser um dia em que você ia estar muito feliz. E ela queria deixar uma boa impressão pros seus filhos. Mas hoje ela está tendo um dia muito estressado e vai chegar cansada e tarde e vai se assustar ao ver as visitas. E quando ela está cansada e assustada ela fica calada. E seus filhos não irão conhecer minha mãe hoje. Hoje ela vai parecer uma esnobe arrogante... e hoje seus filhos não vão gostar dela...

Finalmente o garoto se calou e voltou sua atenção para o caderno. Mas os rapazes se entreolharam assustados antes de aceitarem o convite do pai para se sentarem enquanto ele despejava as compras na bancada. Uma cerveja foi entregue a cada um, ele bebeu água com gás. Mas seu pai não disse palavra e os rapazes ficaram em silêncio. Algum tempo depois um homem mais velho chega pelos fundos, sujo de poeira. Cumprimentou o pai e o pai apresentou os filhos. O homem apertou as mãos de cada um, a mão dele era grossa, e depois se virou para o genro com um sorriso.

- Pelo visto teremos uma noite interessante hoje...

Arnaldo apenas levantou os olhos do que fazia. O sogro continuou.

- minha filha está martelando uma parede na construção. Eu não vim de lá... estava fazendo serviço de rua e o Pelé me ligou falando que ela chegou lá aos prantos... então... teremos uma noite interessante... eu vou buscar ela...

Assim que ele virou as costas, uma garotinha aparentando a mesma idade do garoto sentou-se à mesa. Disse apenas um oi seco para os rapazes e falou com Arnaldo.

- tenho o dever de te informar que hoje farei uma acusação contra a sua pessoa. Como quem não deve não teme, não vejo por que você deva se preocupar com isso...

- hoje? Mas não pode deixar pra outro dia?

- Não... quanto antes esclarecermos isso, melhor... assim, seu pecado pode causar menos estrago... a você mesmo...

A garotinha saiu pisando duro. O irmão apenas levantou os olhos e seu olhar foi de comiseração. O preparo do jantar durou aproximadamente uma hora. Nesse tempo o garoto da loja veio estar com eles e conversaram sobre a rotina do estabelecimento. Ele disse que era um empregado, que foi adotado como filho. Mas que a mãe deles tem apenas os dois garotos menores. Os maiores são filhos do pai dela. E são três rapazes em idade adulta. Ao todo eram oito pessoas morando na casa.

Quando o jantar ficou pronto, Arnaldo colocou os pratos na mesa e a travessa de macarrão com molho cremoso. Pediu que todos se servissem, pois não era hábito da casa esperar ninguém para comer. Segundo Arnaldo, todos sabiam que o jantar era servido as oito da noite, quem não se adequasse ao horário é que comeria frio.

Assim ele serviu para os filhos e depois para si próprio. Os garotos menores se sentaram, mas preferiram esperar a mãe. A massa estava AL dente e o molho com um suave tempero. Gustavo e Frederico estavam abismados, pois até onde sabiam seu pai nem pisava na cozinha. Aliás, quase não fazia refeições em casa. Menos ainda cozinhava cantarolando.

Alguns minutos depois o sogro chega trazendo uma moça toda cheia de poeira. Ela não era tão nova quanto os irmãos imaginavam, e nem de longe era velha. Cumprimentou as visitas com uma saudação muito formal e depois se virou assustada para Arnaldo. Este começou a dar explicações.

- Não precisa se preocupar... eles tem um conceito formado sobre você e então não iria fazer diferença o que você está vestindo ou o que eles estão comendo. Minha intenção é só mostrar pra eles onde eu estou morando e como é minha rotina agora. Escrava... tenho certeza que eles estão morrendo de pena de mim, pois fui obrigado a abandonar minha vida refinada pra ficar atrás de um avental e andar num carro velho. Então seus objetivos estão sendo atingidos... então faça de conta que eu não estou aqui e vá cuidar dos seus filhos, pois tem uma pessoa menor que diz ter uma séria acusação contra mim.

Gabriela deu um passo a frente e postou a mão na cintura, desafiadora.

- sim... eu preciso mesmo tomar um banho... mas antes uma pergunta... O que te prende aqui? Quem te convidou pra vir morar aqui? Quem mandou você vender o seu carro chique? E absolutamente quem foi o insano que ordenou você mexer na cozinha?

Arnaldo não se abalou e respondeu com a boca cheia.

- Eu... eu mesmo tomei todas essas decisões e agora virei refém de vocês... tenho a esperança de meus filhos me trazerem de volta à realidade e de me lembrar da boa vida que eu tinha... talvez eu volte para minha vida luxuosa... não para minha esposa, pois não existe mais amor entre nós... alias, nem sei dizer se um dia existiu de fato, do jeito que eu aprendi como é amar alguém...

Quando ele deu uma pausa na fala, a garotinha falou com a mãe.

- dona Gabriela... alguém está comendo o meu pudim, na calada da noite... e eu sei disso por que a muitos dias eu estou vigiando... eu compro de tarde e ele não amanhece pela manhã...

Gabriela se virou assustada na direção do acusado, depois se voltou para a garotinha.

- Mas isso é difícil de acreditar por que esse ser estranho só gosta de coisa chique, que desperta o paladar refinado dele... e seu pudim é... banal. Nem custa caro... e ele vai sujar a ficha dele com isso? É a mesma coisa de um experto ladrão de bancos ser pego roubando um carrinho de picolé... Não faz sentido, minha filha... o fato é: ele não rouba pelo prazer de comer o pudim... mas então por que ele rouba?

- pelo prazer de ver vocês dissecarem os propósitos dele, mãe... – era o garoto parecendo entediado – olha a cara dele – e as duas viraram o pescoço – ele está se achando, sendo o alvo da atenção de vocês duas... mas essa pergunta é muito fácil de responder... ele está procurando meios de desafiar a senhora... Ele sabe que a senhora vai sempre tomar as nossas dores... Agora ele está se esquecendo que a senhora tem limites... Uma hora a corda vai arrebentar do lado mais fraco... Daí eu quero ver... Vou assistir de camarote...

Arnaldo levantou a cabeça, desafiador, na direção deles. Depois voltou sua atenção para o prato. A moça se levantou com um consolo para a filha.

- deixa comigo, minha filha... vou comprar o estoque de pudim da venda do Zezinho e vou fazer ele comer tudinho...

Isso arrancou uma risada muda do acusado, ao mesmo tempo que fez uma careta de repugnação. Ela se deu por satisfeita e foi para o banho. Quando terminaram de comer Arnaldo convidou os filhos para se sentarem nos fundos. E foi com surpresa que viram uma área verde com piscina, toda decorada. A família podia ser pobre, mas sabia viver com conforto. Quando se sentaram, ele começou a falar.

- eu não traí a mãe de vocês... mas nós... nossa separação foi de comum acordo... ela não argumentou e até me pareceu aliviada. Depois ofereceu ajuda pra achar um apartamento, se eu quisesse. Nosso divórcio foi amigável, nós concordamos que ela ficaria com o apartamento e eu com o carro e as economias. Ela até dispensou a pensão. Como vocês já são maiores, fiquei aliviado por ter agüentado tanto tempo, pois há muito não éramos felizes... e minha vida havia se tornado sem sentido, por isso eu nunca ficava em casa... eu não sentia prazer em nada... nem com ela, nem com vocês, e menos ainda me sentia em casa naquele apartamento. Não havia nada meu lá... nem um almofada fora escolhida por mim... mas por que eu me omiti...? Eu me deixei levar... há muito eu desaprendi a viver... a mãe de vocês não teve culpa... nós não tivemos culpa... apenas não cultivamos o amor e ele morreu...

Ele silenciou e pareceu observar a noite. Frederico perguntou emocionado.

- Por que, pai... por que vocês deixaram o amor acabar?

Arnaldo ficou com pena do filho.

- eu me fiz essa pergunta muitas vezes... e só a pouco tempo descobri a resposta... o casamento meu e da sua mãe não foi baseado nos sentimentos, meu filho, pelo menos não nos bons... sua mãe era absurdamente linda e de família muito rica... eu um homem em ascensão... eu me deslumbrava com o mundo dela e com o que ela poderia me oferecer... meus sogros me achavam o genro perfeito... eu fiz fortuna e fama, por que sou um bom engenheiro... mas um nome respeitável ajudou muito... e depois que eu consegui manter minha fama e fortuna, sem precisar do respaldo de ninguém, automaticamente minha dependência por ela acabou. E o que sobrou não foi suficiente para manter um relacionamento...

- Mas... e mamãe?

- Sua mãe gostava de mim, claro... mas gostava muito mais dela do que de mim... ela nunca se dedicou a mim, nunca se importou com minha opinião em nada... nem na decoração da casa, nem na educação de vocês... até seus nomes foi ela e a mãe dela que escolheram... eu era o marido ideal e casamento é um status muito importante no meio delas. Tenho certeza que ela já pensou em divórcio muitas vezes, mas não era socialmente bem visto. Uma mulher divorciada tem muitas portas fechadas... E agora analisando nossas vidas separadas, eu conclui que nós dois estamos muito melhor separados... ela cortou o cabelo e fez dieta... eu não tenho mais dores de cabeça e durmo igual um anjinho... rio mais... muito mais... minha vida tem emoção e estou economizando como nunca...

- Cadê o seu carro? E suas roupas chiques? Tio Aldo diz que não te vê mais no clube...

- Meu carro está guardado em um garageiro... eu não preciso impressionar ninguém com meus bens... e não vou no clube por que não tenho nenhum amigo lá... meus amigos agora são outros... os poucos amigos que me restaram eu os visito na casa deles ou tomo um chope de vez em quando... mas da parte da sua mãe tenho certeza que ninguém quer me ver... e também estou pensando em sair do escritório... meu sogro é construtor e tem uma equipe de restauração... estou pensando em montar uma firma com eles... na verdade eles querem me contratar... mas como ainda tem uns projetos pendentes, estou dando um tempo... mas vou comunicar minha decisão em breve, então não adiantem nada com o avô de vocês. Apenas queria dar uma satisfação pra vocês...

- O senhor está querendo esquecer a vida que teve com a gente?

- Não... com vocês não... mas quero esquecer a pessoa que eu era... e os meus valores... meus antigos valores... com meus novos amigos e minha namorada eu aprendi que existe algo mais importante que dinheiro e status... a amizade vale muito mais... o sentimento sincero... eles gostam de mim pelo que eu sou e não pelo que eu posso pagar ou proporcionar a eles... meu conhecimento é importante pra eles e Gabriela foi um presente depois de eu amargar uma solidão pós divórcio. A sensação de fracasso é muito grande e muito deprimente... achei que eu não ia me recuperar... Então quero pedir um favor a vocês... não descontem sua frustração nela... se hoje eu estou bem foi por causa dela... pelo que ela se dedicou a mim... ela e os filhos dela... eu era um mendigo quando vim nessa casa pela primeira vez... eles me ensinaram a sorrir... e me deram carinho... eu era um estranho e fui acolhido como um da família... e...

Mas Gabriela veio falar algo com ele e ele pediu que ela se sentasse alguns minutos.

- Gabi... eu estou planejando levar os meninos nas cachoeiras e queria contratar aquele pessoal pra segurança deles... quando vocês tem planos de irem lá?

A moça o olhou de forma estranha.

- Você vai confiar a vida de seus filhos praqueles mercenários? Você não ouviu o que o pessoal fala deles?

- sim, mas eu vou pagar muito bem...

- E quanto vale a vida dos seus filhos?

- O que você sugere, então?

- Eu não sugiro nada... mas se meu pai enlouquecesse eu iria querer ficar com ele... dormir e acordar ao lado dele até ele me contar tudo... então pra isso basta uma noite junto das estrelas... pode ser aqui no quintal mesmo... não precisa de muita aventura, não... seus filhos estão com saudade de você... e não do que você pode proporcionar a eles... aliás, mais que saudade, precisam avaliar sua sanidade, pois a cara deles mostra que eles estão desconhecendo você...

- É... você tem razão... eu era um homem fino e elegante e agora estou parecendo um brutamontes... isso é que dá rebaixar tanto...

Gabriela o olhou de forma estranha depois disparou uma deliciosa gargalhada. Arnaldo tentou puxá-la pelos cabelos e ela se esquivou depois falou séria.

- Que história é essa de comer o pudim da Betânia? Você enlouqueceu? A menina só não é mais meticulosa por que é uma só e você fica mexendo com ela?!?!

Arnaldo ficou pensativo.

- seus meninos são estranhos... – ela fixou o olhar neles – eles parecem adultos, mas agem como criança... é culpa sua... você trata eles como se tivessem noventa anos...

Gabriela não se incomodou.

- eu acho que o dever dos pais é ensinar os filhos a viver... a corrigir seus defeitos e solidificar suas virtudes... o que eles são é resultado disso... você é que não soube educar seus filhos... aí... essa cara de carentes deles é porque nunca brincaram no parquinho com você... ainda dá tempo...

Arnaldo pediu que ela se aproximasse apenas movendo o indicador. Ela fez cara de suspense e pendeu apenas a cabeça na direção dele. Ele a abraçou em uma chave de pescoço e depois falou carinhosamente com ela, mas olhando para os filhos.

- E você acha que dá tempo de recuperar esse tempo perdido?

- Claro... vocês ainda estão vivos... Jesus falou... “reconcilie com seus inimigos enquanto você caminha com ele”.

- Eles não são meus inimigos...

- Então melhor ainda... vai ser muito mais fácil...

- o pessoal tá planejando levar umas cestas pra um assentamento... o que você acha dos meninos irem com a gente?

Ela ficou séria.

- Não acho uma boa idéia... eles não estão acostumados com essa vida... eles podem ficar muito assustados...

- eu também não estava e ninguém teve esse cuidado comigo... seu pai me fez ficar sem dormir muitas noites...

- mas você já é velho e barbado... eles ainda são quase crianças...

Arnaldo ia protestar, mas uma das crianças a chamou e ela se foi. Seus filhos estavam assustados. O mais novo quis saber desse assentamento.

- o pai dela coordena uma atividade noturna de voluntários que levam comida e agasalho para os sem teto... toda sexta a noite eles enchem uma caminhonete de comida e saem distribuindo pela cidade... agora tem esse assentamento que eles estão planejando... eu ajudo mais com dinheiro, por que eu não dou conta de ver as condições que essas pessoas vivem... fico pensando no quanto temos uma vida confortável, enquanto eles não tem nada... nem um teto...

Os rapazes ficaram mais um pouco, mas quando o pai os levou de volta, Gustavo estava menos carrancudo. Realmente seu pai estava diferente e parecia feliz. E quando seu pai marcou novo encontro, para levá-los no parquinho, ele não mostrou resistência. Mas ao chegar em casa foi direto procurar a mãe.

- mãe... nós fomos visitar papai hoje e ele explicou que vocês não estavam felizes. É verdade?

- sim, meu filho... seu pai e eu há muito não vivíamos bem... e eu sei que ele está namorando alguém... e fico feliz por ele... eu também estou recomeçando a minha vida e estou feliz... do nosso casamento apenas vocês é a boa lembrança... nossa convivência há muito deixou de nos fazer bem... foi melhor assim...

Gustavo se despediu do irmão, que estava bocejando a tempos. Mas quando deitou a cabeça no travesseiro uma frase que o pai dissera não saia de sua cabeça. “ nós não nos casamos por amor”. Em outras palavras, mas foi isso que ele dissera. Gustavo estava com 26 anos e nunca pensara na vida dessa maneira. Aliás, nunca pensara em si próprio se casando, menos ainda nos motivos que levava alguém a esse extremo. Mas sempre imaginou que o amor era a base desse relacionamento. Seu pai, seu herói lhe mostrou que não. Agora estava muito curioso para descobri o que acontecia depois dessa descoberta.

Realmente seu pai era um novo homem, e Gustavo estava determinado a descobrir no que ele se transformara. Mas agora sem reservas... e quem sabe a ida no parquinho não seria de fato um boa idéia? Antes tarde que nunca...

Lucilia Martins
Enviado por Lucilia Martins em 27/10/2015
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