O dia marcado

Durante a viagem de lua-de-mel, foram visitar um parque de diversões. Como nunca haviam saído da sua pequena cidade natal, ficaram deslumbrados com aquela infinidade de luzes, com aqueles equipamentos tão sofisticados, com a imensa roda gigante de onde se via o mundo todo lá do alto. Em um canto encontraram um cigano que lia cartas. Ela não se importou quando o marido puxou a nota da carteira para que o homem de olhos muito pretos debaixo de um grande chapéu lesse a sua sorte. Dispôs as cartas em um tapete todo colorido estendido à frente de suas pernas cruzadas, e depois de alguns instantes com os olhos fixos no carteado, perguntou: “Então vocês nasceram no mesmo dia”? Ela olhou para o marido, e viu o espanto em seu semblante. Ele confirmou: “Sim, nascemos”. Então o cigano sentenciou: “Vocês terão uma vida muito tranquila, com filhos e netos saudáveis e de boa índole. Nada de importante há de lhes perturbar. Mas cada ciclo que se inicia, um dia acaba se fechando. Você morrerá aos 72 anos, e sua mulher dois anos depois, no mesmo dia. Porque cada ciclo não precisa ter o mesmo tempo, mas termina no mesmo ponto em que começa”. Entreolharam-se, um pouco alarmados com a profecia anunciada, mas foram logo dispensados pelo cigano, pois outras pessoas aguardavam na fila com as notas de dinheiro na mão.

As palavras do cigano se confirmaram: seus dias se passaram tão calmos como uma brisa, somente alguns percalços pouco importantes pelo caminho. Os filhos vieram, todos saudáveis e com muito mais qualidades que defeitos. Deram-lhes netos igualmente perfeitos. Enfim, tiveram realmente uma vida por demais tranquila e aprazível.

Sentavam-se costumeiramente em um banco na varanda nos fins de tarde, para acompanhar o movimento das pessoas voltando de mais um dia de trabalho. Em um desses dias ele tinha os olhos perdidos no horizonte quando falou: “Você se lembra do que disse aquele cigano do parque”? Nunca mais tinham comentado aquele episódio, mas como ele havia recentemente completado setenta e dois anos, ela abriu os olhos num espanto repentino, e um frio percorreu-lhe a espinha. Ele soltou um sorriso confortador: “Não tem o que temer, eu estou tão bem quanto naquela época”. Mas dali duas semanas começou a se queixar de um desconforto no estômago depois de qualquer refeição, e o diagnóstico foi a pior notícia que tiveram em toda a vida. A doença evoluiu rapidamente, e menos de três meses depois seu corpo não suportou mais tamanho sofrimento. E ela, que durante toda sua existência tivera por ele o amor mais sublime, sentiu profundamente perde-lo de modo tão repentino. Na saída do cemitério, com todo o pesar do derradeiro adeus, cercada pelos filhos e netos, levantou os olhos vermelhos diante do obituário e, ao ver a data abaixo do nome do marido, sofreu como se fosse um choque. Sua fisionomia mudou no mesmo instante, e os vincos da dor repentinamente sumiram do seu semblante. Beijou a face da filha que a amparava, e com um sorriso exclamou: “A vida é assim, querida. Cada ciclo que se inicia, um dia acaba se fechando”.

E nos dias que se seguiram ela manteve sua rotina, como se o marido ainda estivesse ali. No início a família a visitava diariamente, os filhos querendo tirá-la da casa para não deixa-la sozinha, mas ela jamais aceitou. Eles temiam que a mãe caísse em depressão, mas logo perceberam que seu estado de saúde e de humor eram os mesmos de sempre. Não esperavam que conseguisse superar tão rapidamente a perda do marido, mas se contentaram em vê-la daquela maneira, tão conformada com tudo. A única mudança que notaram foi sua marcação no calendário: ela começou a fazer um risco sobre cada dia que passava.

No segundo aniversário da morte do pai, uma das filhas resolveu passar logo cedo na casa para levar a mãe ao cemitério. Ao parar diante do portão, se deparou com a senhora sentada no banco da varanda, olhando o movimento despreocupadamente. Estava com o seu melhor vestido, com o seu mais novo par de sapatos, e sinais de uma leve maquiagem no rosto. Tinha um semblante feliz. A filha se aproximou e perguntou: “Mãe, vamos até o cemitério visitar o papai”? Ela retribuiu um sorriso: “Não precisa, querida. Hoje eu vou me encontrar com ele”. E como a outra ficou olhando sem entender, ela completou: “Hoje é o dia em que eu vou morrer”.