Quando a felicidade bate na nossa porta

Sabrina havia acabado de se sentar com sua bandeja quando tentou se encolher na cadeira. Sua amiga percebeu o gesto fortuito e reagiu.

- Que foi? Algum credor ou um fã inconveniente?

Ambas trabalhavam no shopping e eram grandes amigas e sempre que podiam lanchavam juntas.

- Não... bem... não é credor e menos ainda um fã... mas diria que é bem inconveniente... - ao constatar que conseguiu chamar a atenção da amiga, continuou – Ele trabalha na empresa do Gustavo... parece que os filhos dele conheceram meu filho e querem que ele vá na pousada no fim de semana. – a garota sorriu, Sabrina anuviou o semblante – acontece que outro dia eu fui na empresa e esse homem me abordou querendo a confirmação da ida do Miguel, pois, segundo ele, os filhos dele gostam da companhia do meu filho. E depois, não sei por que cargas d’água, o homem cismou em querer que eu vá também... inclusive o filho dele, ao telefone, falou pro pai me levar na casa deles, que eu era um ser “interessante”...

Velúnia se pôs a reparar detalhes no moço. Ele vestia um bonito terno e tomava café expresso com alguém igualmente elegante.

- Ele não parece um empregado qualquer...

- eu fui apresentada a ele em um jantar da família e me lembro bem das palavras novo sócio... e sei que estavam todos ouriçados por causa dele... e me lembro que a empresa estava no vermelho e parece que agora melhorou, pelo menos o Gustavo está menos tenso...

A amiga se virou lentamente, com um sorriso esplendoroso na face.

- Mas isso é magnífico, minha amiga... é a ocasião perfeita para sua vingança... a ocasião faz o ladrão e você está com a faca e o queijo na mão...

- Pra quê?

- Pra se vingar do pai do seu filho e da família dele... – Sabrina estreitou os olhos desentendida – Ora... não se faça de tonta que isso você não é nem um pouquinho... O pai do seu filho vai se morder ao ver você desfilando de braços dados com alguém tão importante... e o cara sozinho já impõe respeito... com dinheiro e poder então... senhor Jesus... e está dando mole pra você? Acorda, querida... é sua chance de ouro...

Sabrina ficou pensativa alguns instantes e depois deu um grande sorriso.

- Sabe... eu evolui... – e seu sorriso aumentou – eu sou uma pessoa melhor... é bem verdade que o sofrimento faz a gente crescer... Se essa oportunidade aparecesse alguns anos atrás, eu a agarraria sem pensar duas vezes... Principalmente que eu era mais jovem e bonita e achava que podia mudar o mundo... mas agora eu passo... obrigada...

A amiga enrugou a cara irritada.

- E o que mudou? Até onde eu sei sua situação não mudou nada... você continua sendo esnobada pelo pai do seu filho e...

- E isso não me incomoda mais... “ O perdão liberta...” O problema é que eu sou uma pedra no sapato dele, e acho que o meu filho também, e se ele pudesse se livrar de mim, o faria... só isso. E eu no lugar dele, faria o mesmo... Ou talvez não, não sei... mas isso não importa. O que importa é que eu aprendi a planejar minha vida sem ele e isso foi muito bom. Consegui um bom emprego, eu e meu filho estamos bem... só falta um namorado, agora...

- E por que não aquele bonitão?

- Por que aquele bonitão é um homem muito cobiçado... e me relacionar com ele é procurar chifre em cabeça de cavalo... Sem falar que a chance de eu voltar com o rabinho entre as pernas é muito grande... é trocar seis por meia dúzia, salvo as devidas proporções. Quando eu era jovem o Gustavo representava a mesma coisa pra mim...

- Ainda continuo sem entender...

- Inveja... minha amiga... se eu me relacionar com esse homem vou atrair para mim uma nuvem de energia ruim, causada pelo sentimento de inveja e cobiça dos outros, que Deus me livre... É muita pressão e a gente fica muito tencionado, principalmente que eu sei que tem gente planejando casamentos para o homem... Eu tenho uma amiga na empresa e puxei informação dele... Então só funcionaria se ele tivesse na mesma sintonia que eu, no caso apaixonado e confiante, senão, qualquer desconfiança vai arruinar qualquer tentativa de boa convivência... E de cara a gente se expor para estranhos é um verdadeiro tiro no pé... É uma coisa que nasceria morta...

- Eu não sei... acho que você tá exagerando, mas seja o que for é melhor você pensar rápido- Sabrina a olhou assustada – por que ele tá vindo aí...

Logo o belo homem parou ao lado da mesa delas, com dois homens mais jovens ao lado, um, aliás, bem mais jovem e muito parecido com o dito cujo. Mas a atenção deles estava dividida entre as duas mulheres e o bonitão falou com a amiga, se apresentando.

- Vocês são amigas?

A amiga balançou a cabeça, radiante.

- Você se importa de nos dar licença? Eu gostaria de apresentar essa moça aos meus filhos...

Velúnia ia saindo quando Sabrina a alertou.

- Você não terminou seu lanche...

- Não... não to podendo comer massa mesmo... minha dieta não permite... Com licença e fiquem a vontade...

A moça saiu em disparada e Sabrina pensou em voltar sua atenção para a comida, mas os três pares de pernas se achegaram mais próximo a ela. Ela levantou a cabeça lentamente

- Pois não, senhores... em que posso ajudá-los?

Antonio apresentou os filhos, Pedro e Samuel, mas ela apenas balançou a cabeça formalmente.

- Muito prazer, senhores...

E mordeu o pão de queijo. Mas o garoto mais novo e não menor pegou o celular e tirou uma foto dela. Em seguida disca um número e fala ameaçador.

- Você conhece essa pessoa? Pois vamos raptá-la... Pode buscar ela na nossa casa...

Num segundo Sabrina pulou da cadeira e voou em direção ao garoto, arrancando o aparelho da mão dele.

- Não vai nada, meu filho... pode ficar aí tranqüilo que eu me livro desse inconveniente.

Mas Pedro abaixou a cabeça e encostou no ombro dela, tentando ouvir a conversa. Ela pegou nos cabelos dele e o tirou dali. Ele olhou para o pai incrédulo, enquanto ela continuava tentando tranqüilizar o garoto. Depois ele falou grosso.

- É o meu telefone...

Ela tirou o aparelho do ouvido, desligou e jogou ele em cima do garoto. Depois pegou seu próprio aparelho e continuou falando com o filho. Depois ela olhou para Pedro e falou insegura, estendendo o aparelho para ele.

- Ele quer falar com você...

Quando o garoto pôs o aparelho no ouvido foi a vez dela tentar se aproximar para ouvir. Ele percebeu a manobra e levantou o pescoço e colocou o braço na frente, tentando impedi-la. Quando ele desligou e devolveu o aparelho resumiu o recado.

- Ele falou que você é a coisa mais importante do mundo pra ele e que se eu fizer alguma coisa pra magoá-la, nunca mais ele fala comigo...

Sabrina sorriu gostoso e falou relaxada.

- E você vai obedecer, claro...

- Num sei não... tô aqui pensando o tanto que a companhia dele é interessante...

Sabrina torceu a cara e se voltou para a mesa, recolhendo os restos do seu lanche enquanto falava.

- Bem... se vocês me dão licença o horário do meu lanche acabou... então... foi um prazer...

- Foi um prazer, não... nem começou... – era o garoto agora falando irritado – eu quero te falar que você é muito egoísta... – ela o olhou assustada – isso mesmo... egoísta... você ama seu filho mas está pensando só em você mesma... Sabia que essa pousada é maravilhosa? Pois é... tem de tudo pra gente se divertir e pra você dormir o dia inteiro... ou ficar na piscina ou ficar de boa lendo revista... são três dias no paraíso e você fica fazendo anus glicosado...

Sabrina largou a bandeja e pregou as mãos na cintura, falando irritada com o garoto.

- Sou mesmo... admito... acontece que eu cansei de sofrer por causa dessa família... e a última coisa que eu quero é gente falando que até hoje eu corro atrás do pai do meu filho... então se isso faz de mim uma pessoa egoísta, paciência...

- Peraí... mas e eu? Eu gostei mesmo do seu filho... eu quero a companhia dele e vou ficar no prejuízo? Vou andar com quem naquele lugar? Os outros garotos são um horror e me acham pior ainda... eu não tenho nenhum amigo lá e vou ficar fazendo o que por três dias inteiros? E tenho que ir com meu pai e meu irmão vai levar sua namorada... e eu não tenho namorada e nem amigo e nem ninguém... meu pai vai ficar reunido com os amigos dele e eu vou ficar sozinho e eu odeio ficar sozinho...

Sabrina falou sem pensar.

- Tudo bem... nós vamos... mas por você... – e se virou para o pai dele – por favor... eu não quero meu nome relacionado com a sua pessoa... Agradeço o convite mas eu vou como companhia do meu filho...

O garoto abriu um sorriso extasiado e não deixou o pai falar.

- Mas vocês precisam ir lá em casa pra gente fechar o pacote dos passeios... – ela o olhou sem entender – é isso... a gente precisa reservar lugar nos passeios, você por exemplo vai gostar de passear com o grupo da terceira idade... De ultima hora não acha vaga...

- Você sempre fica empolgado assim com as mães dos seus amiguinhos?

- Deus que me livre – e fez um gesto de asco – elas são um horror... e nunca ninguém cedeu tão facilmente à minha chantagem emocional...

- Ainda dá tempo de desistir...

- Não dá não... agora vai trabalhar que você tá atrasada... e deixa que eu combino tudo com o seu filho... um beijo... tchau...

E o garoto segurou nos ombros dela e quase a empurrou. Sabrina não viu, mas o garoto abraçou o pai com tamanha força que o fez perder o equilíbrio. E no caminho para casa ele foi se vangloriando que já tinha feito o plano dos passeios, que era só para ouvir a opinião deles. Depois soltou um “ Pai, será que é arriscado ela desistir se a gente chamar ela lá em casa? Eu queria mesmo discutir uns que eu tô em dúvida...”.

- Vamos devagar com ela, meu filho... é melhor deixarmos tudo no tempo dela... Ou você se esqueceu que ela quase arrancou seus cabelos?

Mas intimamente Antonio sorria. Há muito ele não encontrava motivo para se sentir tão seguro quanto ao futuro. Já Sabrina voltou para o trabalho com o coração na mão. Mas realmente ficou com pena do garoto, pois seu filho tivera a mesma reação no primeiro passeio que fizera com o pai.

- Seja o que Deus quiser... Se fosse meu filho eu iria gostar que alguém fizesse o mesmo sacrifício...

Lucilia Martins
Enviado por Lucilia Martins em 04/11/2015
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