Uma doce intimidade...

Antonio e Sabrina já estavam namorando há alguns meses, porém, por exigência dela, ainda não haviam se apresentado aos amigos dele. Quando ele perguntou até quando, a resposta foi categórica.

- Até quando tivermos certeza dos nossos sentimentos... principalmente para não levantarmos falsas esperanças em nossos filhos. Tanto o meu quanto os seus parecem estar mais empolgados que nós e não quero desapontá-los mais...

Ela parecia ser sincera e seus motivos tinham fundamento, porém Antonio sabia que havia algo mais. O filho de um dos sócios era pai do filho dela e a relação deles era muito conflitante. E os “amigos” de Antonio eram desse meio. Logo, se apresentarem em público exigia se mostrarem para o tal e ela evitava ao máximo esse momento. Mas a situação começou a ficar insustentável e Antonio precisou tomar iniciativas. E o fez em um dos jantares na casa deles, com todos os filhos e nora sentados à mesa.

- Sabrina... hoje nosso jantar é especial... – estavam já esperando a sobremesa, todos os olhares atentos nele – eu tenho uma proposta a te fazer... de namoro e de trabalho... na verdade se você aceitar será necessário algumas mudanças na sua vida, mas eu me comprometo a ressarci-la... É o seguinte... eu estou precisando de você nos meus compromissos sociais... Eu preciso começar a oferecer jantares em minha casa, mas sem uma mulher não acho que fica adequado para os maridos trazerem as esposas... Também gostaria de levá-la comigo nos jantares em que sou convidado, alguns inclusive fora da cidade... Enfim... quero reconhecer nosso namoro oficialmente e preciso que você fique à minha disposição... por causa das viagens...

- E o meu trabalho?

- Eu me comprometo a pagar o correspondente que você recebe e ainda te ajudar a montar seu próprio negócio, caso nossa relação venha a se romper...

Sabrina o olhava estarrecida. Mas não parecia nem um pouco feliz. A lembrança que o conto da cinderela não tinha continuação depois dos “felizes para sempre” estava escancarando na sua memória.

- Hãn? E o que mais?

- Bem... precisaremos de uma mudança no seu visual... roupas... roupas novas e jóias... mas só pra você não se sentir inferior às mulheres que freqüentam essas reuniões... considere como um uniforme de trabalho...

- E onde eu vou morar?

- Aqui... na maior parte do tempo... mas você não precisa se desfazer da sua casa... embora vai passar pouco tempo lá... E com a sua permissão eu gostaria de matricular seu filho na mesma escola que o meu e também me comprometo com a mensalidade dele até concluir os estudos nela...

Sabrina se remexeu desconfortavelmente na cadeira, mas evitou olhar para qualquer um.

- Por que eu não estou pulando de alegria com essa proposta?

Antonio sorriu involuntariamente.

- Pois então... estranhamente você é a única pessoa que eu conheço que não se empolga com a história de luxo e riqueza...

- Hum... sei... talvez por que eu não acho isso certo... Quer dizer... nós nos conhecemos a quanto tempo? Meses? E você me propõe uma coisa que caberia a uma esposa... Por que você não se casa logo com alguém desse meio e se poupa desse trabalho todo? Eu sei que tem muita candidata se jogando aos seus pés...

Antonio sorriu e esperou a sobremesa ser servida. Eles sempre caiam nessa discussão. Ela incrivelmente não entendia o porquê de ele ter se apaixonado por ela. Ele, por sua vez, evitava muitas explicações para não encher muito a bola dela.

- é por causa do seu filho... Na verdade meu filho se encantou por ele e a convivência deles está transformando meu filho também, e pra muito melhor. Logo, concluo que você também será a melhor escolha para mim... e você é carinhosa e beija muito bem... então...

Ela estreitou os olhos, desconfiada.

- Sei... sei... Mas fale um pouco mais desse jantares...

- Estreitamento de laços com nossos investidores... seu papel será simplesmente fazer sala para as esposas, coisa que você faz muito bem. Você só terá o trabalho de contratar o serviço de Buffet, o que por si só dá muito trabalho, pode crer... e meus filhos, eles também precisam estar sociáveis na ocasião e você faz isso muito bem com o Pedro. E se você concordar, poderemos fazer um teste com um casal, o tio do seu filho e a esposa com a filha. São pessoas tranqüilas e ele vai me ajudar a organizar esses encontros. Já a esposa dele se você quiser pedir ajuda...

- não... obrigada... eu me viro sozinha...

- Então você aceita?

- Um teste no jantar... daí decido o resto...

Quando Antonio foi discutir suas intenções com o sócio, este se mostrou radiante.

- Mas isso é maravilhoso, meu amigo... os contatos mais chegados a você vão se sentir muito mais à vontade... mas quem é a moça maravilhosa que você conheceu?

- Maravilhosa?

- Sim... há meses você carrega um sorriso no rosto que é invejável...

Antonio achou que era o momento para dividir com ele seu segredo.

- É a mãe do seu sobrinho... Sabrina... eu a conheci na sua casa, lembra? Depois nos vimos no escritório e na pousada... O importante é que seu sobrinho se tornou o melhor amigo do meu filho e isso influenciou muito minha decisão. Depois descobri que ela é encantadora...

Ricardo não soube o que dizer. E seu olhar era pasmo. Antonio precisou sorrir.

- Eu agradeço seu irmão, pois sem ele eu não teria conhecido-a, e te convido pra um jantar lá em casa... um jantar de ensaio, pois sugeri a ela fazermos isso para testar as habilidades nossas com os convidados. Então se vocês puderem se submeter a isso, eu também vou convidar dois casais mais íntimos... minha irmã com o marido e um amigo com a esposa...

O amigo concordou meio abobado. Ninguém ousava contrariar Antonio. Mas certamente sua esposa não conseguiu se conter. E seu comentário foi interessante.

- Bem... as aparências enganam... pensei que Antonio fosse um homem seletivo... mas esse comportamento... estranho... muito estranho...

No dia aprazado todos os convidados chegaram com a mesma expectativa: quem seria essa misteriosa mulher? Mas logo Antonio a apresentou e quando todos estavam sentados na sala, seus respectivos filhos adolescentes acomodados na varanda ao lado, sentados em volta de uma mesa e fazendo muita algazarra, pois alguém contava algo engraçado, Antonio se sentia muito relaxado ao lado de sua amada. O Buffet estava perfeito, os garçons circulavam discretamente e Sabrina mantinha uma conversa suave com as mulheres. De repente seu filho e o de Antonio voltam do serviço de Buffet com dois pratos abarrotados de salgadinhos. Sabrina os lembra que ainda haveria jantar. Seu filho freia bruscamente e vem dar uma satisfação. Pedro faz cara de contrariado, mas espera.

- É só um aperitivo, mamãe...

A mãe o olha com carinho e aponta.

- Cuidado, meu filho... esse aí tem azeitona...

O filho identificou o salgado e sorriu, mas Pedro resmungou.

- E qual tem salsicha?

A moça o olhou sem entender. E olhou para o prato de salgados respondendo laconicamente.

- Não sei... acho que...

- Mas deveria saber... – falou energicamente, elevando o tom de voz – se você teve o cuidado de identificar o que tem azeitona, deveria saber o que tem salsicha...

- E por que? – ela não parecia muito interessada – o senhor pode me dizer por que isso...

- Por que eu não gosto de salsicha e como eu fui elevado à categoria de irmão dele, logo sou seu filho também e isso implica você cuidar dos interesses de nós dois. E eu estou te avisando que não gosto de salsicha, então por gentileza tenha o cuidado de evitar que isso entre nessa casa...

Todos acompanhavam atentamente à discussão. Antonio esperava tranquilamente o desfecho. Sabrina se voltou para o filho.

- Meu filho... posso saber o que está acontecendo aqui?

- Bem... devido às circunstâncias... eu achei... nós achamos... que nossa família está aumentando... assim o Pedro e Samuel passam a ser meus irmãos e eu irmão deles... o que faz de você mãe de todo mundo... já que a senhora disse que todos somos irmãos em Jesus...

- E isso faz de mim o quê? Maria, mãe de Jesus? Não, não... nem de longe... então acho melhor você parar com essa mania de me enfiar filho goela abaixo por que eu gosto de escolher aqueles que eu tenho a capacidade de amar... e esse aí... – e apontou o dedo para Pedro, mas sem olhar para ele – esse daí definitivamente é intragável...

Pedro retesou o corpo e olhou para Miguel. Este sorriu acabrunhado e falou mais manso ainda com a mãe.

- E por que, mamãe?

-Por vários motivos, meu filho, mas o principal é que eu não aceito filho que me desafia e esse daí desconhece a palavra humildade... E ele tem mãe... outro dia eu ouvi ele falando com ela no telefone... falando, não... quase gritando... e se fosse meu filho o castigo dele estaria na ponta do chicote... Mas não é... então escutei calada... Então se ele quer ser meu filho explica pra ele como funciona o esquema pra ele não querer se fazer de vítima...

Miguel e Pedro permutavam um olhar misterioso. Depois parecem ter se entendido e Pedro falou, mas agora mais brando.

- Algum salgadinho tem salsicha?

Sabrina suspirou desanimada.

- Não, meu filho... desde quando entra salsicha em festa de rico? Mas quando você for andar atrás do Miguel, é bom jantar primeiro...

Pedro pôs as mãos nos bolsos e olhou preguiçosamente para o pai.

- O pai... o senhor ainda tem aquela arma guardada em algum lugar? – o pai o olhou assustado e pareceu se lembrar, depois concordou com a cabeça – então é melhor o senhor ter bastante cuidado com ela, viu?

Mas Sabrina interrompeu.

- Você guarda uma arma na mesma casa em que seus filhos moram? Nunca ouviu falar em revolver/criança/tiro acidental, não?

Antonio não respondeu e voltou o olhar para o filho.

- E namorada que mata o namorado... também nunca ouviu falar, não? Descobri porque ela não gosta de dormir aqui em casa, papai... Ela é sonâmbula... do tipo que sai de pijama a noite pra comprar sorvete pro filhinho... E atira muito bem... então...

O garoto não concluiu a frase e deu meia volta. Sabrina se recostou desconfortável, aparentemente preocupada com alguma coisa. Antonio olhava fixamente para ela e os convidados nem respiravam. De repente ela prega o olhar nele.

- Eu não sabia que você é habilidosa com armas...

- É... pois é... aprendi com papai...

- Hum... sei... com seu pai? – ela assentiu timidamente - Mas sonâmbula eu sabia... – ela arregalou os olhos – toda noite que você dorme aqui você levanta de madrugada e coloca todas as minhas orquídeas no chão, na grama... depois volta pra cama e dorme que nem um bebê... eu fico acordado voltando elas pro lugar, daí fica tarde pra eu deitar de novo e amanheço estudando algum projeto...

- Oh! Que bom então... to te ajudando a ganhar mais dinheiro...

- Sim... sem dúvida e eu agradeço, mas porque por as orquídeas no chão?

- Eu acho que elas ficam abafadas...

- mas por que só quando você dorme?

- O sonâmbulo faz coisas dormindo, que ele queria fazer acordado, mas não tem coragem... E quando dorme seu espírito toma as rédeas do seu corpo, sem a interferência da razão. Logo, eu quero, mas não devo. Quando durmo eu faço... e até onde eu sei isso não tem cura... Mas agora se você me der licença eu vou verificar o andamento do jantar...

Ela se levantou e Antonio a acompanhou com os olhos. Quando ela deu dois passos ele falou provocante.

- Ah! E eu não gosto de bacalhau...

Antonio viu, deliciado, ela cerrar os punhos das mãos em um claro protesto de indignação. Mas ela nada disse e marchou para a cozinha. Ele falou como para si mesmo.

- É... acho mais prudente esconder melhor essa arma...

Uma explosão de risos se seguiu e Antonio gargalhou, elevando seu copo em um brinde simbólico.

- Às mulheres...

Gesto que foi acompanhado em coro...

Lucilia Martins
Enviado por Lucilia Martins em 06/11/2015
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