Um novo olhar para o sentido da vida

Olavo desconhecia o sentido da palavra coletivo. Para ele, cada homem devia se esforçar e viver desse esforço. Por isso, não foi com satisfação que viu sua esposa ajudando a distribuir mantimentos em uma comunidade carente. Embora a ida dela tenha sido idéia sua, devido ao estado depressivo que se arrastava há anos, de fato não pensou que ela iria se interessar por qualquer coisa naquele ambiente rústico.

Mas visivelmente estava enganado. Sua esposa sorria a cada agradecimento que alguém lhe fazia ao receber a sacola. E ele não se lembrava mais de um dia ela ter se entregado a qualquer atividade. Depois se lembrou que quando chegaram, logo pela manhã, a esposa do líder da comunidade a recebeu e ambas foram para o interior da casa da outra, depois Olavo não viu mais sua esposa, até aquele momento.

A comunidade é rural e tem um centro espírita que oferece várias atividades para os moradores. Mas Olavo percebeu que havia pessoas da cidade lá, a julgar pela aparência. Mas como ficou por conta dos homens que lhe mostravam cavalos, sentiu remorso por ter deixado sua esposa por tanto tempo. No final da tarde eles a devolveram. Olavo verificou rapidamente se ela não havia sido trocada, pois veio com um sorriso e sua esposa nunca sorria. Desde que perderam seu único filho em um acidente de carro, ela perdeu a alegria de viver. Ao estarem a sós e quando o carro se pôs em movimento, decidiu investigar.

- Pelo visto a senhora gostou do passeio... tá sorrindo até agora...

Mas para sua surpresa, sua esposa lamentou a oportunidade de reclamar sua sorte. E ao invés de um comentário pessimista, falou emocionada.

- Obrigada por me trazer hoje... conhecer essas pessoas foi a coisa mais importante da minha vida...

Ele a olhou de lado, e perguntou curioso o porque.

- Por que eles me mostraram um lado da vida que eu desconhecia... Quer dizer... eu sou estudada... viajei o mundo... e no entanto desconheço o sentido básico da vida...

- Mas ninguém conhece,, querida...

- Aí é que você se engana... pode ser que ninguém detém a prova, mas muitos defendem teorias... e esse povo defende uma que me foi agradável... ela me confortou e eu vou me permitir me agarrar a ela...

- e que teoria é essa?

- A de que nosso filho não morreu...

Olavo olhou preocupado sua esposa. O médico o havia alertado que ela poderia vir a ter alucinações e que se caso isso acontecesse, era altamente recomendável trazê-la para a realidade, apontando fatos reais.

- Mas nós enterramos nosso filho, lembra?

Olavo tentou falar o mais suave possível, mas a veracidade do fato era inegável.

- Nós enterramos o corpo dele, meu bem... o corpo que ele usou que era uma cópia do nosso...

- E porque você tem essa certeza?

Ela me olhou estranho.

- Você disse que veio aqui antes, não foi? – Ele concordou com a cabeça – E você falou alguma coisa sobre nós... nosso filho?

- Não... só tratei dos cavalos...

Ela pareceu pensativa.

- Eu estava com a dona Esmeralda andando pelo lugar, depois que tomamos café. Ela me apresentava o lugar e me falava o que acontecia em cada sala. De repente a filha dela nos chama e pede pra eu sentar que tinha um recado pra mim. Daí ela falou que nosso filho estava mandando dizer que estava bem, que não era pra eu chorar mais, que a morte dele não foi um acidente, que ele tinha que morrer daquele jeito. E que a tia Ana estava cuidando dele...

Ela se calou e Olavo olhou disfarçadamente que ela voltou a sorrir. Depois continuou.

- Eu já ouvi falar em espíritos e uma vez uma amiga falou pra eu ir no centro buscar mensagem dele, mas eu nunca tive coragem... Mas pra minha surpresa eu fiquei muito feliz, pois ela disse que ele estava do meu lado enquanto ela falava. E eu senti um calor gostoso e ela disse que ele estava me abraçando...

Olavo achou melhor parar o carro. Depois se virou para a esposa.

- te cobraram alguma coisa?

Foi o único pensamento que passou pela cabeça dele. Muitas pessoas usavam esses momentos delicados para extorquir alguma coisa.

- Não... mas a moça falou mesmo que você não iria acreditar... mas não tem problema... cada um no seu tempo... mas eu acredito... eu agora sei que meu filho está bem... que ele não morreu mas que eu não posso abraçá-lo e nem vê-lo, mas posso senti-lo. E ele falou que vai estar sempre perto de mim, e que eu não devo ficar triste pois isso faz ele também ficar triste. Então, a partir de hoje eu sou uma nova mulher... ah! E se você não se importar, eu quero comprar alguns brinquedos para as crianças... o dia da criança está chegando e eles fazem uma grande festa... eu quero contribuir... eu sei o que você pensa de dar esmolas, mas as crianças não tem culpa... e também vou arranjar um emprego... vou voltar a dar aulas... vou ligar pra minha amiga e assumir minha antiga classe...

Olavo a olhou preocupado.

- O que fizeram com você? Te deram alguma coisa para beber?

- Café... e comi bolo, delicioso, aliás... e depois me deram um passe... Falaram que é pra repor as energias e funciona, porque eu me sinto vinte anos mais jovem...

Olavo retomou a direção e fizeram o trajeto agora em silêncio. Decidiu não discutir e esperar. O tempo era o melhor remédio. Sua esposa poderia estar tendo aqueles ataques de euforia, que o médico também dissera que era normal.

Mas passaram os dias e ela nunca mais ficou triste. Agora havia música em casa e ela voltou a dar aulas. E quando Olavo chegou em casa e viu todos os brinquedos e roupas do seu filho encaixotadas, quis saber o motivo.

- nosso filho não precisa mais dessas coisas, meu bem... agora ele é um anjo e ele faz suas próprias roupas...

- e quem disse isso?

- Eu li no livro... Sabia que há vários livros sérios que falam da existência dos espíritos e do mundo espiritual? Eu também fiquei desconfiada dessa história, mas decidi investigar... tem um centro espírita aqui perto de casa e fui lá... conversei com pessoas e conheci uma que vê espíritos... e me falou algumas coisas e me indicou esses livros... E sabe o que eu descobri? Que ruim é viver aqui na Terra... que espírito não sente dor... não passa fome... não fica doente... mas se ele estiver em paz com sua consciência... enfim... é muito mais complicado que se imagina... mas é muito mais fácil... O dia que você quiser ir comigo... eles estudam os livros lá e eu comecei a participar...

Olavo não respondeu, mas se sentou e se pôs a observar sua esposa. Se lembrou de quando eles se casaram, há vinte anos. Foi desse jeito que ele chegou em casa e a viu desempacotando os presentes de casamento. Ela falava com a mesma empolgação. E ficou empolgada assim até o dia do acidente do filho... e uma tênue esperança de que tudo voltaria a ser como antes brotou no seu peito. Sua única dor era seu filho não estar mais com eles, mas se ela afirmava que ele estava enganado...

Se levantou decidido a dar uma chance a ela. Ela era uma mulher muito sensata. Até para sofrer ela era ponderada. E se aquela idéia absurda a confortava, com certeza iria afetá-lo também.

- E quando é a próxima reunião?

Lucilia Martins
Enviado por Lucilia Martins em 14/11/2015
Código do texto: T5448286
Classificação de conteúdo: seguro