Ela era incrível

Ela estava entusiasmada, continuava contando tua história envolvente, encantadora, até mesmo motivadora. As nuances dos fatos contados me prendia de maneira agradável, era como se eu tivesse naquele momento escutando no presente e ao mesmo tempo tivesse no passado junto com aquilo que minha mãe contava. Ela dizia:

--- É meu filho, eu com os meus noventa e poucos anos (não falava a idade exata) posso te dizer que já vivi muito, vi coisas, presenciei, até participei de tanta coisa!... Naquela época que nossa cidade São Lourenço ainda era um lugarejo, diferente de hoje que quando andamos nas ruas às vezes dá a impressão de estarmos numa cidade grande e de uma lindeza que não tem tamanho. (eu pensava: e se ela pudesse ver hoje em pleno 2015!) você sabe, não é Lourenço, que eu era catequista, ajudava na igreja e procurava ajudar sempre aqueles que precisavam de alguma coisa. Apesar de sermos pobres com meus 16 filhos, sendo que 4 tinham falecido, sempre havia trabalhos que eu tinha de fazer.

Eu sabia que minha mãe queria relembrar seu passado, pois no seu viver vibrante, ela mesmo com a idade avançada contando suas histórias ela revivia. Sabia muito sobre sua vida, tinha ouvido muitas outras histórias como aquela que ela conseguiu fazer com que um ateu acreditasse em Deus e olhasse de modo diferente antes de morrer os ensinamentos da igreja católica que era a religião que minha mãe defendia com unhas e dentes. Então ela me perguntou:

--- Já te contei aquela do homem tuberculoso?

--- Não mãe, essa a senhora ainda não me contou. Então conta dona Maria Vitória!

--- Isto já faz muito tempo você não lembra porque era muito criança, eu antes de ir à igreja me veio um pensamento:

--- Nossa, preciso visitar minha comadre Benedita, seu marido está muito doente e eu ainda não visitei. Então mudei o caminho e fui direto pra casa dela. Quando cheguei deparei que algo não estava bem naquela casa, vi no rosto de minha comadre grande tristeza, pude constatar que seu marido estava muito doente, mais do que supunha. A casa apesar de humilde mas estava bem arrumada, mas o homem gemia de dor deitado em uma cama. Perguntei:

--- Comadre, ele já consultou com um médico?

--- Já comadre, o médico falou que não tem mais jeito, é tuberculose!!! Já está muito adiantada. Pior que há alguns dias que ele não toma banho direito, eu sozinha não consigo.

--- Eu ajudo a senhora, minha mãe continuava: quando fomos levantá-lo da cama, ele tinha ânsia fui respingada por muitas gotas de sangue. Mas conseguimos fazer a higiene adequada, naquele tempo, meu filho, muitos nem chuveiro tinham.

Na minha volta pra casa, não pude deixar de me preocupar, sabia do perigo da contaminação, um médico havia me dito uma vez que quando uma pessoa estivesse com aquela doença quem fosse cuidar dela deveria ter o máximo cuidado. E eu havia me exposto mais do que devia. Um pensamento me veio como um relâmpago na mente:

--- Bem feito! Esta mania que você tem de querer ajudar os outros... mas logo me veio um alivio quase sem explicação, a certeza de que havia feito a coisa certa. Chegando em casa, antes de entrar disse para suas irmãs maiores para ferver água num grande latão e no banheiro que era fora de casa me desinfetei.

Meu filho, Deus me ajudou e não aconteceu o pior.

Depois de ouvir esta outra história e notando que minha mãe apesar de satisfeita estava meio cansada, pois noventa e poucos anos não é brincadeira não, eu disse:

--- É Mãe, mais uma história para ir completando sua biografia...

E foi em 2010 que minha mãe fez a viajem sem volta indo para o Criador. Tuas histórias ficarão