A Carta

"Querida Ana,

Quando pensei em escrever uma carta para você, minha gastrite atacou e minhas mãos tremeram. Pensei que poderia ser o frio que estava me fazendo tremer, ou ainda poderia ser o estresse da vida cotidiana que faria minha gastrite atacar... mas eu acredito que não seja isso. Tudo só tem uma causa e motivo: você. Nesta carta que lhe escrevo, eu realmente te digo: você é a musa. Querendo ou não você é, lide com isso.

Dou risada internamente. Passei um bom tempo da semana procurando inspiração para escrever tudo isto para você, e agora, com os dedos no lápis e o lápis no papel, eu me sinto apenas como uma criança que se perdeu da mãe no supermercado. Eu sei muito bem como é isso, infelizmente. Aliás, eu contei essa história pra você. Ah, eu contei sim. Consigo lembrar certinho do som da sua risada quando contei que após ter me perdido de minha mãe eu me sentei ao lado da adega de vinhos e chorei. Sim, eu era uma criança de nove anos de idade, tinha desobedecido as ordens dela e estava ali sozinho. Em minha mente eu só conseguia pensar que ela estava irritada comigo de uma forma tão grande e intensa que ela nunca mais voltaria para me buscar, que nunca mais teria o interesse em me procurar e que me deixaria ali, sozinho, pra sempre. Saiba que eu estou rindo sozinho aqui comigo pensando o quão idiota e ridículo eu fui, e eu sei que esse era o pensamento que teve quando eu lhe contei essa história. A sua mente feminina deveria ter pensado “Como esse Michael é dramático, como ele podia pensar que a mãe dele o largaria assim?” ou então “Então quer dizer que ele era esse drama todo desde criança? Interessante”. Não me julgue, às vezes, quando te olhava distraída, eu pensava em tudo o que você deveria estar pensando. Hoje em dia penso o que deve estar fazendo, mas isso é outra história.

Enfim, onde estava mesmo? Descrevendo a timidez e a falta do que falar para você nessa carta, ou, neste caso, o grande excesso de coisas que eu tenho que para lhe falar. São tantas coisas que eu fico aqui, desejando que conseguisse exprimir tudo aquilo que penso e sinto dentro de mim em palavras que sejam “intendíveis” (e sim, eu sei que essa palavra não existe. E sim, você pode adicioná-la ao dicionário Michael, que, aliás, já está tão grande quanto o nosso querido Aurélio).

Parei pra refletir um pouco comigo mesmo e listei cinco coisas que eu adoraria te falar. Lembro que você vivia dizendo que eu deveria me abrir mais, e que deveria me soltar e ser um livro aberto com você... Então, é isto que estou prestes a fazer. Bem, aí está. Não se esqueça de que foi você quem pediu.

PRIMEIRO PONTO: EU TE AMO. Eu realmente espero que isso não seja novidade alguma pra você. Tudo bem que não é algo recente, e talvez você possa ter se esquecido disso, mas, cá estou eu pra lembrar. Eu poderia ter começado de outro jeito, de uma forma mais sucinta, ou que não fosse tão direto ao ponto, mas se eu fizesse isso é como se eu dissesse que o Michael que estaria falando com você é alguém diferente daquele que você deixou. E, sinceramente? Eu sou o mesmo. A única diferença é que eu te amo mais que antes. Só. E eu sei que poderia entrar nesse clichê clássico de “Oh, eu sempre te amei Ana”, mas eu realmente acharia isso uma balela das enormes, porque, no final das contas, a gente não se conhece desde sempre. Mas olha, levando em conta esses olhos azuis travessos e essa boca que insiste em ser pintada de vermelho (tornando-a assim mais linda do que já é), eu realmente digo que poderia ter te conhecido antes, pra te amar por mais tempo, e digo isso com toda a sinceridade que existe em mim.

Veio aqui na minha mente o nosso primeiro jantar, e o quão horrível ele foi. Acho que você se lembra disso também, a forma como a comida era péssima e o atendimento tão ruim que para compensar eu descontei todas as minhas piadas da Praça é Nossa pra te fazer rir, tudo pra você não desistir de mim assim fácil. O que na realidade funcionou, visto que você aceitou um novo primeiro encontro, e digo que esse foi realmente mais memorável, mesmo que tenha sido bem mais simples que o outro. Algo que sempre fora a nossa cara, aliás: a simplicidade. Eu me recordo com detalhes da sua cara risonha quando te levei em um carrinho de lanche e você escolheu logo o combinado que tinha mais molho, e que após dar as primeiras mordidas a sua boca se encheu de maionese. Algumas coisas ficaram guardadas na memória: o seu sorriso levemente lambuzada e que apareciam as covinhas na sua bochecha, mas principalmente o seu olhar pra mim, que parecia brilhar de forma sublime a admirada. Foi inevitável limpar a sua boca com o polegar, e mais inevitável ainda te beijar. Pareceu tão instintivo e natural, algo tão normal como respirar ou beber água quando se está com sede, porém tão intenso e mágico, do jeitinho que um primeiro beijo deveria ser. Eu te amo, e só queria eternizar essa expressão.

SEGUNDO PONTO: EU PRECISO DE VOCÊ. Todos os meus amigos se sentiram um pouco deslocados quando te conheceram, e isso é um fato e não tem como discutir. Não é que eles não gostassem de ti, como você mesmo pôde perceber, apenas reagiram assim por nunca terem me visto estar envolvido com alguém assim antes. Não que eles não estivessem felizes por mim, eles só não sabiam reagir a tudo aquilo. O mais casual, brincalhão e desapegado de todo a turma do nada se tornou o bobo apaixonado do grupo. Não consigo colocar em números o tanto de vezes que fui zoado pelo pessoal. A brincadeira era intensa principalmente quando eu me encontrava com a turminha do futebol ou quando atendia suas ligações com gente por perto e despedia de você com um “eu te amo” no final. Eu sempre caía na brincadeira junto e após muito zoarem eu me virava sério e dizia com voz grave: “Se vocês soubessem o que essa mulher faz comigo... Amor mata? Porque estou morrendo de amor”, e após isso o grupo que estava por perto pulavam todos em cima de mim, bagunçando meu cabelo e unindo-se a um coro bem alto de “Tá amarrado. Tá amarrado”. O melhor de tudo não era essa zoeira toda dos meus amigos comigo, mas sim o fato de que eu concordava com eles. Eu estava amarrado por você. Apaixonado por você. Vidrado por você. Em todos os sinônimos e palavras de amor possíveis. Eu precisava muito de você e, adivinhe só? (Vai ganhar um Sonho de Valsa, que eu sei que você adora, se acertar o que eu vou dizer agora) Sim, eu continuo precisando de você (E eu aposto que você acertou). Tudo é simples e fácil: Como eu queria te ter aqui comigo. Bem aqui ao meu lado.

TERCEIRO PONTO: VOCÊ FAZ MUITA FALTA. Eu acho que você não tem noção do buraco vazio que deixou em meu peito quando preciso partir. Minha casa fica tão masculina desde que você se foi, tão vazia e sem cor sem a sua presença. Quase sempre eu compro aqueles waffles que você tanto adorava, e continuo indo no Starbucks todo fim de semana, porém não tomo mais meu café de sempre, opto por tomar aquele Cappuccino com chantilly e canela que você sempre costumava tomar, e tudo isso por dois motivos: o primeiro é porque eu preciso saber o que você sempre achou de especial nessa bebida, e o segundo é porque eu queria sentir o gosto para lembrar-me de todos os beijos apaixonados que dávamos toda vez que você bebia animadamente um gole do seu famoso “néctar dos deuses”. O meu néctar dos deuses é e sempre será a sua boca, porém na falta do principal, esse acaba servindo. Tem que servir. E sim, eu sei que isso é muito masoquista da minha parte.

Acho que estou apto o suficiente pra cantar aquela música 365 dias da dupla Thaeme & Thiago, que por acaso você sempre adorava ouvir. “Comprei o mesmo perfume que o seu, passei na roupa que você deixou, e durmo abraçada e inconformada me perguntando aonde foi que a gente errou.” Confesso que sempre achei um amor assim, igualzinho a este descrito nessa música, algo meio doentio, porém hoje eu entendo que na realidade, esse amor descrito é um amor intenso, desses que torna-se parte de você. É como um vício, daqueles que quando se entra em abstinência a pessoa fica louca, vidrada, insana. Vou começar a dizer que sou insanamente apaixonado por você, porque sinceramente, você é a droga que não me deixa ser completo. Não te ter aqui dó, machuca, corrói, e só aumenta mais ainda a vontade de ter.

QUARTO PONTO: EU MORRO, TODOS OS DIAS, DE SAUDADES DE VOCÊ. Eu sei que eu disse isso no tópico anterior, porém eu só queria deixar esse ponto bem claro: eu morro de saudades de você. Eu não ando por aí chorando (não mais), e eu consigo rir, me divertir e possivelmente até flertar (embora confesse que esteja enferrujado demais pra isso, ou apaixonado demais por você para isso), mas, de alguma forma, nada disso me satisfaz. É como se uma parte de mim tivesse faltando. Sabe aquele mito grego que você contou sobre as almas gêmeas? (Eu pelo menos me lembro que era grego. Se não for me perdoe, era difícil prestar atenção nas suas aulas particulares de filosofia. Ficava perdido demais te olhando pra prestar atenção em outra coisa) Eu acho que vagarei a vida toda procurando minha metade: você. Quem sabe eu não posso largar tudo e ir pra Grécia? Quem sabe eu não te encontro em um dos seus estudos no Parthenon, ou ainda tentar a sorte em te procurar dando aula em alguma famosa academia de Atenas talvez? Tudo é melhor do que viver nessa saudade absurda de você.

QUINTO PONTO: EU TE DEIXEI IR, MAS DE MIM VOCÊ NUNCA SAIU. Eu sei que me largar pareceu uma opção muito sensata. Pelo menos, no seu ponto de vista, eu conseguiria seguir em frente e ser feliz. Possivelmente até casar. Não havia meios de que eu fosse com você para a sua nova vida no exterior, e eu entendo que você não podia evitar progredir na vida e seguir aquilo que sempre sonhara. Eu apoiava isso, e sempre vivi desse sonho com você. Eu o sonhei juntinho contigo. Tanto que, mesmo pedindo para que você não fosse, eu não impedi você de ir. E nem conseguiria fazer isto. Te dei o último beijo no elevador como uma promessa de que algum dia nós nos encontraríamos. Perder contato contigo foi uma tortura. Quando vi seu SMS mês passado dizendo que sentia a minha falta, eu senti um aviso claro em minha mente: Não a perca de novo, idiota. Não a deixe escapar novamente. E eu não pude evitar, simplesmente não pude.

Por isso eu estou aqui, em frente a sua casa.

Sabe, eu continuei jogando na loteria assim como fazia toda terça e quinta. E você não vai acreditar: eu finalmente ganhei. Você sempre olhava pra mim com aquela cara de “Esse homem gasta muito dinheiro jogando”, e eu sempre te dava um beijo na bochecha e te levava pra almoçar depois. Quem diria hein? Eu ganhei uma bolada. O suficiente pra encerrar a minha vida no Brasil e, como eu diria? Talvez começar a estudar mitologia grega onde tudo nasceu?

PS. Eu gostaria muito de ver a sua cara neste exato momento. A forma como você deve estar processando lentamente essas palavras que eu acabei de te dizer. Eu queria muito conseguir imaginar a sua expressão de espanto quando descobrir que o novo morador da casa ao lado da sua sou eu. Eu gostaria muito de te ver. Nem que seja pela última vez. Olhar a forma como o sol bate nos seus cabelos, ou a maneira como suas bochechas ficam avermelhadas por causa do frio. Quem sabe até não ouvir um “Ainda bem que você voltou! Meu coração se partia em dois ao pensar em você tão longe de mim”.

Faça o que quiser, Ana. Apenas saiba que eu sempre estarei ao seu lado. Agora literalmente falando.

Com amor, Michael."

...

A tremedeira era tremenda no percurso de abrir a porta de casa e colocar a carta fechada na entrada de correio em sua porta. Torci com toda a minha força para que ela estivesse em casa.

Tinha acabado de chegar praticamente. A casa era pequena e simples, porém tão aconchegante e com uma vizinhança tão tranquila, que pude notar a diferença gritante com o meu apartamento no centro de São Paulo. Sentei na escada que dava para o segundo andar e parei para refletir a loucura que era a minha vida nos últimos dias. Cruzar o oceano atrás de uma mulher que amava, sendo que não sabia se ela estava solteira ou comprometida, ou qualquer outra coisa parecida. Era quase um enredo de uma comédia romântica. Ou de um drama romântico. Apenas a conclusão de tudo isso, o momento em que ela lesse a carta e reagisse de alguma forma, é que diria que gênero a minha história se classificaria.

A ansiedade me bateu tão forte que fui desempacotar minhas coisas de dentro das milhares caixas espalhadas por todo o cômodo. O trabalho era tão grande que o tempo passou e eu nem notei.

Até que a campainha tocou.

A sensação de frio, com um tremelique estranho me abateu novamente, quase como uma onda. Aquela sensação de fogo no estômago, causado pelo estresse, começou a nascer lentamente em mim. Será que era ela? Só poderia ser, afinal ninguém me conhecia por aqui ainda. Minhas pernas pareciam gelatina no caminho até a porta, chegando num nível que pensei que cairia no meio do caminho.

Relaxa Michael. Respira e vai.

Quando abri a porta, vi a silhueta de uma mulher de costas para a porta, como se ela já estivesse prestes a ir embora. O barulho a fez virar, e foi quando eu a vi. Os seus cabelos castanhos continuavam os mesmos, seus olhos adquiriram um tom mais intenso e sério, porém as travessuras ainda estavam ali, mesmo que bem mais escondidas agora. A boca continuava do jeito que eu me lembrava: rosada e delicada. Definitivamente era ela, e em suas mãos estava o conjunto de folhas que eu tinha demorado tanto tempo para escrever.

Sua íris azul me analisava, certificando-se de que tudo não passava de um mal entendido. Sua expressão era de descrença, e enquanto trocávamos esse olhar de reconhecimento, um silencio pairou sobre nós. Até que os olhos dela ficaram marejados e ela sorriu, formando covinhas em suas bochechas, da mesma forma que havia feito no dia do nosso primeiro beijo. “Como você é linda”, pensei comigo mesmo. Ela abriu os braços e veio em minha direção.

Eu não sabia o que ocorreria a partir dali, mas, com certeza, tudo o que fizera por ela até aqui por todo esse tempo já tinha valido a pena.

Ela estava aqui, e era isso que importava afinal.

Deboni
Enviado por Deboni em 18/02/2016
Código do texto: T5547693
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