Claro e evidente

“O óbvio precisa ser dito para não ser esquecido.”

Samuel Aguiar

Era bem cedo e os pássaros sequer haviam começado a cantar. Os primeiros raios de sol, ainda frios, atravessavam a janela fechada e iluminavam o cômodo. Passamos o dia anterior tão imersos em nossas leituras, discussões e escritas que só agora me dava conta de quão divertida fora a experiência.

O móvel de maior destaque no ambiente era aquele que, de frente para a cama, comportava o computador. A mesa comprida, feita de madeira lisa e inteiriça, chamava atenção pela desordem. Do lado esquerdo, onde ficavam as gavetas, os papéis pareciam querer escapar de seu confinamento. Do lado direito, onde supostamente devia existir apenas uma cadeira, havia duas. Sobre a mesa, o computador estava ligado, o abajur exalava o calor característico de lâmpadas que se mantiveram acesas por muito tempo e as canetas estavam espalhadas e destampadas.

Na parede, logo acima, o quadro de anotações mostrava-se abarrotado. Eram muitos textos, todos nossos. Os pinos que fixavam as folhas ao painel pendiam com o peso. A sensação era de que toda aquela armação desabaria a qualquer instante.

À direita, uma das portas do guarda roupa dormira aberta. Evidência de que, em algum momento, você pegara uma de minhas vestimentas, já que eu mesmo não me lembrava de ter precisado.

Lá estávamos nós, na cama. Sentado ao seu lado, olhei pra cima e torci para que não tivesse notado a infantilidade das prateleiras. Carrinhos, bonecos, livros e retratos não pareciam condizer com minha idade. Talvez combinassem com minha mentalidade brincalhona, mas nem isso eu gostaria que notasse. Voltei a olhar praquela que era, agora sim, o maior destaque de todos.

Você permanecera exatamente como eu a havia deixado dormindo. Embrulhada delicadamente pelo meu edredom alaranjado e de bichinhos, deixava à mostra apenas seu lindo rosto, que com as bochechas coradas pelo frio, parecia esboçar um sorriso de quem sonha com anjos.

Investi bons cinco minutos em admirar lhe. Não apenas o seu corpo, que ainda permanecia adormecido, mas toda a sua personalidade. Inteligente e decidida, você me encantava com pensamentos, falas e atitudes. Senti-me, naquele instante, privilegiado por estar ao seu lado.

Um vento vindo da porta trouxe consigo o agradável aroma do café. Antes de levantar-me para buscá-lo enquanto ainda estivesse quente, olhei-a outra vez e, por impulso, dei-lhe um beijo. Rápido e bem de leve, dei-o por amor e não por paixão. Sentimentos diferentes geram beijos diferentes, únicos e perfeitos a sua maneira.

Fui e voltei. Bandeja em mãos.

- Bom dia, amor!

Cara... Como eu gosto da sua voz trêmula de sono. No levantar de espreguiço, notei a roupa que você vestia: minha blusa de frio branca com detalhes verdes. Fofa, linda, apaixonante! Provavelmente demorei-me a responder.

- Bom dia, Kathe! Hoje eu já disse que te gosto muito?