Proposta em vias de fato

Chegou um pouco mais próxima daquele que a espreitava pelas costas, desafiou-o quando iniciou o apelo:

____Admita-me! Aconchega em seus braços aquela que espera; um olhar, um toque, um sorriso, seu. Liberta esta alma que se lançou à sorte de ser parceira na festa que besuntará a vontade da comida servida por ti. Arrasta-me até qualquer canto, desnuda minha realidade, mostra que sabe meu jogo.

Assim continuou sem ao menos alterar o tom de voz, a não ser calmamente aproximar até o homem que faria a acareação histórica, continuou:

____Arrasta-me até qualquer canto, desnuda minha realidade, mostra que sabe meu jogo. Estapeie, sacuda, esfrega-me até o tremer dos ossos, desfaz com vigor da indiferença esta obra falsa.

Olhando-o no olho, na curva do corredor escuro que conduz às câmaras internas daquela alma, poetizou a sinceridade da motivação da entrega:

____Você sabe! Não fiz o mapa de mim!Deita-me em seu regaço, mexa aqui dentro, pericia os estragos provocados pela lonjura dos anos, trabalhe. Deixarei que me refaça na sua arte, como papel machê, modele-me mesmo que por puro capricho, afinal, sua sempre fui.

Contemplando com carinho o breu daqueles olhos masculinos endurecidos pela razão, esqueceu deles, finalizou:

____Podemos fazermo-nos. Tira os ciscos daqui! Não se arrependerá! Tirarei as ferpas que nem você sabe que tem aí dentro... sentirá melhor, mesmo que por um instante não terá na consciência o infortúnio da certeza quase que plena do absurdo que é esta vida. Sem prejuízo de tornar encantada minha noite de inverno.

Investido na natureza perfurocortante da natureza masculina, dirigiu no caminho de volta destemidamente pelo olho dela, sem dificuldades chegou até o subterrâneo da casa, ficou assim por alguns instantes em silêncio; como nuvem negra passageira, dos seus olhos brotaram duas gotinhas d´àgua.

Como chegou, saiu de carona com a morbidez, acostumou viver com as portas fechadas da alma; mais uma vez acovardou do desafio proposto, hábil em potencial a solucionar muitas mazelas no trato entre espíritos afins que eram. Manteve o sepulcro caiado. Seguiu no desenho sinistro da vida que escolheu para não ser.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 09/07/2016
Código do texto: T5692681
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