A Pólis Azul

Constituída por um aglomerado urbano, abrangia toda a vida pública de um pequeno território e geralmente encontrava-se protegida por uma fortaleza, é como conhecemos a pólis grega.

Foi um mês sujo e cruel. Eu não posso dizer que perdi alguém, tendo em vista que esse alguém nunca pertenceu a mim, e eu nem quis. Odeio possuir coisas, quem dirá pessoas. Mas quando Kaio saiu da minha vida em seu tapete voador de covardia e desordem, o mundo não foi o bastante. Então o vento tratou de querer apagar mais uma vela no mundo. Lembro do azul turquesa, das palavras das pessoas, dos meus pensamentos, e de como o vidro da janela quebrou sobre mim quando arrombaram o meu quarto. E eu não tive medo, e nem dor. Eu não acreditei estar ali, naquelas condições, então eu acordei. Eu posso estar evitando as palavras, mas aposto tudo que tenho que você entendeu. Sim, pode rir de mim, me achar um idiota ou sentir muita pena, mas isso não muda o fato de que tentei morrer. Não foi por um cara, foi... ah, irônicas consequências da vida. Eu abro meus olhos de forma total. Às vezes, ainda nessa cama, com esse quarto branco, eu consigo ouvir das pessoas me perguntando, por que?, elas dizem. Meus olhos estão pesados. E por dois dias eles não abriram totalmente.

Estou melhor num sentindo escroto da palavra. Me levam para a casa. Na zona sul da cidade você ganha mais vida, eles dizem. Deito. Não como. Tenho bebido mais que o normal. Tentam me tirar de casa. A poeira está organizada sobre os móveis. Durmo. Duas semanas resolveram me tirar obrigatoriamente de casa por conta de uma dedetização. E foi quando eu conheci Davi e José. Não os conheci nessa ordem. Primeiro veio José, e depois Davi.

José:

A rua estava escura, e eu quase não conseguia enxergar. O pedido de desculpa já saia pela minha garganta bem antes de esbarrar em você. E então você sorriu. Eu lembro que pensei além do seu sorrido. Eu pensei que seus óculos eram maiores que seus olhos, mas que isso era para não esconder o quanto eles eram tristes e bonitos.

Uma vez Kaio me disse que eu busco a tristeza. Eu não acho que seja verdade, pois do contrário eu ainda estaria trancado no meu próprio quarto, e pior, pensando em uma maneira de encontrá-lo.

Mas não, eu estou tão cansado de brincar com o meu arco e flecha, não posso mais te acertar. Ninguém pode ser feliz por dois.

Eu não lembro o que me fez chegar até a praia. Eu realmente precisava preencher a minha vontade de estar ocupado todo o tempo. Mas eu parei naquele banco com você, José, e sorri com o seu sorriso. Você se virou no meio de várias palavras, e eu não lembro de mais nada, porque eu só pensei no quanto sua boca tinha gosto de vida. Depois disso você perdeu dois ônibus para a Barra, e eu fiquei entre o a placa de sinalização e você, torcendo para você não ir. E você não ia. Quando você se foi eu só conseguia sorrir.

Nós nos encontramos depois, na quinta-feira. Nos sentamos na mesma areia. Olhamos o mar e os barcos. A praia de Botafogo é sempre tão bonita, pensei. Você me beijou várias vezes, e eu também te beijei mais mais. Você disse que gostaria de ir para casa, mas queria que eu fosse com você. Eu não quis ir, mas disse que tudo bem. Passamos na minha casa, você conheceu meus tios, minha amiga, minha cadela que estranhamente te amou de cara. Passamos no mercado, compramos pizza. Você jogou duas pizzas vegetarianas no carrinho e riu por tentar ser legal, eu percebi. Passamos uma ótima noite juntos. Quando fui embora, quarenta minutos atrasado para o trabalho, você me agarrou na portaria do seu prédio e me pediu que eu não fosse. Pedi desculpa, novamente esse pedido de desculpa, e você me pediu que eu voltasse. E eu voltei.

Davi:

Foram dois dias frios. Na noite mais fria de todas você apareceu na saída do metrô da São Clemente. Eu lembro que quando eu te olhei você disse que tinha conhecido seu ex namorado bem naquela praça. Que porra de encontro arranjado, eu pensei. Quem fala do ex namorado num primeiro encontro? Meus amigos só podiam me odiar. E eu nunca nem tinha concordado com isso. Eu queria provar para eles que não havia necessidade disso, então eu pensei em andar com você por meia hora e depois voltar para casa com dizendo que isso não daria certo nunca. Nos sentamos no bar, porque você queria beber e provavelmente falar mais do quanto seu ex namorado era fantástico. Eu lembro que poucas horas antes eu tinha lido uma lista ridícula sobre o que não se fazer no primeiro encontro. Você fez tudo o que dizia para não se fazer, e conversamos sobre o mundo e tudo o que tem dentro dele. Você relaxava sua perna sobre a minha, fazia piadas que eram mais engraçadas das do que eu costumo rir por gratidão ou simpatia. E foram cinco horas se passando. Às vezes eu pegava disfarçadamente o celular para ver se o rapaz que eu tinha conhecido há dois dias tinha mandado mensagem. Ou se alguém me procurava. E eu sempre esquecia de ver as horas, que eu acho que era o meu principal objetivo de pegar o celular. Não existia vácuo, não existia silencio. Eramos nós dois nomeio de mais ou menos cem pessoas gritando e pedindo mais uma cerveja. E eu pensei que nunca iriamos nos ver novamente.

Quando decidimos ir embora, você me pediu para que o levasse no ponto de ônibus. Embora fossem duas da manhã eu não opus, mesmo que tivesse pensado em me opor.

Andamos cerca de cinquenta metros e o ônibus já estava parado no ponto. Você me abraçou e tentou me beijar. Eu virei o rosto. Você saiu correndo, e eu lembro que achei engraçado. Voltei para casa sorrindo. E lembro que quando entrei te deixei uma mensagem, que quando você chegasse na Tijuca, que me desse sinal de vida, ou então eu passaria a noite em claro. Não deu dez minutos e você me retornou dizendo que eu era muito mais bonito pessoalmente do que quando viu minha foto forçada por um amigo que nos quis arrumar esse encontro. Eu ri. Te dei boa noite. Você perguntou quando nos veríamos novamente. Marcamos para três dias mais tarde. Você concordou, me deu boa noite. Dormi.

Nós nos encontramos no show do Liniker, na entrada do Circo Voador. Eu estava trinta minutos atrasado. No meio da multidão você pulava e chamava por mim. Eu te vi feliz, me puxando para a sua felicidade. E você finalmente me beijou.

No final da noite fomos inesperadamente para a casa de um amigo seu na Rua Riachuelo. Acho que ele ficou assutado quando nós batemos completamente bêbados na porta da casa e nos jogamos no chão da sala, nos abraçamos e dormimos por meia hora. Acordei com você de olhos fechados beijando meu nariz. Eu sorri e retribuí o beijo, e fomos até onde queríamos chegar. Eu esperei te ver novamente. e te vi por mais tantas vezes. Fico feliz.

Um presente:

Tenho encontrado vocês dois, Davi e José. E vocês simpatizaram, fizeram de mim o que eu fui antes de perder essa linha azul, que eu acreditei ser segura, firme e feliz. Uma vez eu ouvi simultaneamente e em coro, de três mulheres, que nada dura para sempre. Vocês sempre vão durar no pra sempre do quanto durar. Me sinto feliz com vocês. Seja quando estou com um, ou com o outro, ou até com os dois. Você me fazem querer ser feliz. Agradeço sempre, né? Agora vocês sabem do por que.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 17/07/2016
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