Proposta em Vias e Fato 29-A Viagem(continuação)

Cada um no seu carro. Chegaram juntos ao local. Lídia estacionou e foi adiantando na entrada ao Bar, conhecia ali desde “outros carnavais”, não sabia porque, mas o recinto vez ou outra servia como refúgio para conversas informais com amigos, até com os pais. Conhecia o pessoal todo: garçons, funcionários do caixa e pessoal da cozinha. Visitava-a, adorava vê-los preparando os aperitivos, principalmente o famoso escondidinho de carne seca, prato da casa. Foi o “pedido” do dia.

No ínterim de Lídia dizer o que queria para lambiscar, Cortez chegou. Havia sentado em lugar escolhido (por ele), esguio, decidindo sempre um passo à frente da mulher que queria como sua. Lídia, assim que o avistou, inconscientemente retomou a conduta de subserviência às decisões dele, indo ocupar assento à mesa escolhida.

Na chegada, Cortez arriscou na brincadeira:

____Porque escolheu este local? nome convidativo para reflexão...Zidani...Seria aqui o palco de enfrentamentos parecidos aos da cena histórica entre o francês Zinedine Zidane em campo, que perdeu a cabeça e encontra o peito do jogador Materazzi na última partida da sua carreira? Deu uma risadinha.

Lídia, nessas alturas estava sentada, de frente com ele, respondeu em meio a um tom sereno, sem o ímpeto de querer continuar com resposta picante:

____Meu amigo, corro destas freqüências. Tenho encontrado dificuldades no acesso à transa com a violência, seja ela de qualquer modalidade. Venho aqui porque gosto do lugar, aqui tem um “quê” , me deixa aberta à fala sincera, o pessoal é hospitaleiro, e só. Digo a você que participei muito de falas envolvendo violência, mas no campo emocional, palavras...palavras. Falei e ouvi muitas delas que provocou rachaduras profundas na confiança que mantinha com pessoas íntimas, que partiram. Hoje estou a fim de deixar a memória de lado. Vamos lá, fale-me de você.

Ele, que havia pedido de propósito suco de laranja, bebia-o, que depois de alguns goles e segundos de silêncio, olhando daquele jeito nos olhos de Lídia, disse:

____Estou assim, mudo. Não consigo raciocinar. Quanto mais defino a estrada, você enche-a de flores, rosas, crisântemos, até orquídeas. Coisa que é difícil para mim, por isso a dependência que tornou você para meu sentido de felicidade. Você não sabe como foram meus dias, noites que não consegui ao menos distrair com outra numa transa informal. Olha que não deitei contigo ainda!

Enquanto Lídia mantinha-se em silêncio, continuo:

_____Vi, certa vez num livro do física quântica, o desenho feito por M.C.Escher tentando explicar pela arte a questão da realidade imanente do papel, onde as mãos direita e esquerda desenham uma a outra, que na realidade nenhuma poderia fazer o desenho; uma deu impressão de desenhar a outra. Mas foi preciso que o desenhista, de fora, desenhasse ambas.

Ajeitou-se na cadeira e aproximou seu olhar no dela, arrematando a explicação, que vinha do coração:

____ Dizem que somos constituídos de corpos: físico, sutil,instintivo, mental e espiritual,encontrando todos num contexto de hierarquias entrelaçadas. Como observador, vejo nossa estrada como estas mãos entrelaçadas, corpos e almas que tem tudo para dar certo em futuro que dependerá de nós a escrita. Continuou: “Nenhuma mulher fugiu de mim; por medo, rejeição, ou indiferença, fui eu quem deu fim aos relacionamentos; não dava tempero, a relação era salobra. Mas no horizonte, com você, vejo planícies forradas de bem aventurança, apesar das intempéries que não estaremos ilesos, a condição humana cumprirá em nós, como em qualquer um.

Lídia lacrimejou os olhos, e ao mesmo tempo acenou para o garçon, pediu uma caipiroska, não suportaria ouvir tudo aquilo em sã consciência.Desconversou, insistia levar o assunto para outro rumo, nunca tinha tido diálogo tão sutilizado com um homem. Ainda mais, pelas primeiras impressões, tinha as mesmas tendência em curiosidades no conhecimento, mundo quântico, falava de forma estranha, mas gostosa aos seus ouvidos. O garçon chegou com a bebida, junto, o famoso escondidinho de carne seca.

Entre uma conversa e outra, falou:

____Tudo tão saudável até agora! A perfeição reina neste instante, estou feliz, você, saindo como perfeito cavalheiro, inteligente, convencendo-me das suas argumentações. Mas a impermanência trabalha para o bem e o mal, hoje trouxe-o aqui, neste agora, amanhã, trará outra situação, podendo ser o desgaste da relação pela cessação minha ou sua de não querer estarmos mais na intenção de ficarmos juntos, e tudo acabar...

Era fraca para bebida, ao final da dose estava sorrindo até do movimento do ventilador que tinha instalado acima da mesa deles. Cortez não havia bebido, conversaram mais um pouco sobre assuntos diversos. Lídia mostrou interesse em ir embora. COMO? Tinha ingerido duas doses de caipiroska, estava vendo dois homens em sua frente, ao invés do espanhol.

Ele, mais prudente, levou-a até o carro dele, quase carregada. Lídia aceitou que ele a conduzisse até em casa. Daria um jeito de o guincho levar seu carro posteriormente.

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Chegando em casa, apesar de ter perdido o equilíbrio de corpo, não tinha perdido a orientação. Mesmo apoiada em Cortez, deu as chaves para que abrisse e entrasse com ela. Assim que a ajeitou no sofá, disse:

____Tenho que ir. A vontade é de tê-la agora. Mas não! está fragilizada nas escolhas, além da certeza de que você está bloqueada no ímpeto para uma nova vida, presa ao ego, esse organismo inanimado que criou vida à partir das experiências negativas que viveu, memória pronta que está aí, conectado ao seu cérebro, identifica com ela nas questões dos amores mal resolvidos do passado. Somente você para desconectar disso e abrir-se às novas possibilidades quânticas criativas, novo mundo de possibilidades para viver o amor. Passar bem.

Indo em direção à porta, Lídia, impetuosamente falou:

____Ajude-me começar desatar esses nós, então... fique.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 24/08/2016
Código do texto: T5738482
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