Águas de Março.

Tinha sido a melhor noite de sono, quando eu acordei cedo para trabalhar, sentia ter pagado vários séculos de fadiga acumulada. Via o dia lindo amanhecido, o céu maravilhoso, e com a bela vista infinita do mar para enfeitar. Fui logo preparar o café, aprontar as coisas para sair e pegar o ônibus: que a linha que eu pegava era demorada, então era uma eternidade para o ônibus aparecer. Enquanto eu descia no elevador havia um silencio incomodador, mas quando sai do prédio e ouvi o barulho urbano da capital cearense, vi aquela pressa dos carros, os passos ligeiros dos pedestres, aquilo parecia música para meus ouvidos. Peguei o ônibus na parada e desembarquei no terminal para pegar o segundo ônibus para o trabalho, lá tocava sempre o melhor da MPB, estava tocando no momento uma das minhas favoritas: aguas de março do Tom Jobim. Eu cantarolava e mexia os dedos seguindo o ritmo até o ponto de espera do ônibus. Chegando lá me deparo com uma mulher, eu não estava acreditando que no plano de existência existia uma mulher tão perfeita fisicamente. Ela era linda, divina, com seus olhos cor de esmeralda, cabelos ondulados e uma boca vermelha e carnuda, pele branca e um rosto bem simétrico, tirou-me o ar e me deixou estupefato. Era a primeira vez que via ela naquele ônibus, alguém como ela nem parecia ser de classe média que andava de ônibus. E a música continuava e eu gesticulava querendo chamar um pouco de atenção, uma atitude em van.

Eu estava tentando tomar coragem para falar com ela, mas a coragem não vinha. Eu não era muito bom com as mulheres, era tímido e não tinha aquela facilidade que muitas pessoas têm em puxar assunto, eu era muito reservado, fazia de tudo para não ser notado, porém de alguma forma eu sabia que ia me arrepender se não tomasse uma atitude. Não ligava para as várias chances que perdi com algumas mulheres, pois sabia que eu via tais mulher apenas como um abrigo para escapar da solidão e eu já estava tão acostumado a viver sozinho, que nem fazia diferença, porém com ela era diferente, eu tinha que tentar, e naquele dia eu não consegui.

Quando cheguei em casa do trabalho, cansado de tanto programar. Ser profissional de TI não era fácil, embora ganhasse bem, mas ainda assim a cobrança era grande, e não havia espaço para erros. Ainda bem que como profissional, diferentemente de como eu sou socialmente, eu era excelente.

Fui tomar um banho para relaxar, fui jogar vídeo game, fui procurar algo para fazer para tirar a imagem do fracasso da minha mente. Comecei então a tentar me convencer de que se ela for amanhã eu iria falar com ela.

Passei a planejar como ‘’ chegar junto’’, o que eu iria falar... decide então que eu ia chegar me apesentando e perguntando seu nome, um diálogo simples e básico, nada demais.

Chegando lá no terminal para meu alívio encontrei ela, na rádio terra do sol tocava ‘’minha namora’’ dos Secos & Molhados, parecia até ser um sinal, pois eu nunca havia namorado na vida, apenas tive casos passageiros. Pensei, vai que essa seja minha primeira. Ao me aproximar dela, parecia que tinha sido picado por uma aranha com um veneno mortal paralisante, não parava de tremer e até comecei a suar frio, foi quando o ônibus chegou e eu entrei e consegui sentar do lado dela. Finalmente eu respirei fundo e soltei um:

-Oiii!

-Oi! - Respondeu ela.

-Dia quente neh- comentei.

-Sim muito, estou derretendo já- Brincou ela.

Eu dei um leve sorriso, e perguntei:

-Está indo para o trabalho?

-Sim! Trabalho novo, comecei ontem.

-Percebi mesmo que você é nova nessa linha.

-Estava me observando era - disse ela com sarcasmo.

Eu fiquei um pouco sem jeito e falei:

-Um pouco

Então seus lábios desenhou um sorriso que me deixou abobalhado olhando, e pensando, ela é ainda mais bonita de perto. Então ela perguntou:

-Você trabalha em quê?

-Sou técnico da informação- respondi.

-Legal, deve ser muito inteligente.

-Um pouco.

Então rolou aquele silencio incomodador entre nós, e eu estava pensando em alguma coisa para dizer, porém ela interrompeu:

- Minha parada, vou indo, até mais.

- Até amanhã, bom trabalho- Respondi.

Eu depois notei que não tinha perguntado seu nome e também não havia falado o meu – porra - praguejei. No trabalho estava o tempo todo pensando, qual seria o nome dela, devia ser um nome bem bonito, que remetesse exatamente isso. Mal podia eu aguardar para que chegasse logo o amanhecer, eu só queria vê-la novamente.

E finalmente amanheceu, eu acordei com aquela ansiedade de finalmente chegar na parada e vê-la. Estava com um pouco mais de confiança, já que ela foi super legal comigo ontem. Chegando lá no terminal dei graças a Deus a parada não estar muito cheia, e ela já estava lá esperando. Então eu falei:

- Oi!

- Olá- respondeu ela.

- Ontem você saiu e nem me disse seu nome

- Ah foi mesmo, você não tinha perguntado - sorriu

- Qual seu nome?

- Luana!

- Bonito nome, meu nome é Antônio.

- Prazer Antônio.

Quando terminamos de nos apresentar chega o ônibus e novamente sentei do lado dela.

- Ave! Bem no lado do sol - reclamou ela.

- Vai pegar um belo bronzeado

- Eu vou é torrar, isso sim.

- Não tem problema, gosto de morenas

Ela riu e logo percebeu minhas intenções, então acho que ela resolveu frear.

- Tenho namorado, quer dizer acho que ainda tenho.

- Por que? Vocês brigaram?

- Algo assim.

- Foi muito sério?

- Eu ainda não sei, ele está sumido já a três dias e a culpa da briga foi dele, e eu não vou ligar.

- Tá mais que certa.

Eu me desanimei por dentro e comecei a pensar como uma mulher daquela sofria por causa de homem, onde eram os homens que deviam sofrer por ela. Ela então perdeu um pouco o brilho de deusa grega aos meus olhos, ela continuava linda claro, porém mais humana, e por incrível que pareça, isso aumentou ainda mais meu interesse.

- É eu cansei de ser besta. Passei muito tempo perdoando os erros dele.

- É o tempo ensina.

Eu não sabia nem o que estava dizendo mais continuei dando apoio. Até que chegou a parada dela, ela então se despediu e desceu. Eu segui sentado na janela pensando se eu teria chances. Eu que apenas era um rapaz comum. Nem bonito nem feio. Nem alto nem baixo. Tinha chances sim, porém com mulheres comuns de beleza mediana. Ela com certeza, se ficasse solteira, teria uma fila de caras que me deixam no chão já no seu encalço.

No outro dia quando encontrei ela, estava meio tristonha.

- Você está bem Luana?

- Mais ou menos, isso é apenas um pouco de trouxesse aguda.

Eu dei um sorriso

- Então o que aconteceu?

- Ontem eu não resisti e acabei ligando.

- Oh!! Fez burrada.

- Eu sei.

- E então?

- Então a gente terminou.

- Sinto muito.

- Não sinta, eu já esperava isso, aliás fico até aliviada. Talvez assim fica mais fácil de esquecer ele.

- Como assim?

- É que quando terminávamos ele sempre vinha atrás pedindo mil desculpas, e eu besta aceitava. Agora como dessa vez eu senti que era definitivo, ele não vem mais atrás de mim, talvez eu consiga tirar esse encosto da minha vida.

Eu dei uma leve risada, e estava pulando por dentro, porém pensando na concorrência que eu ia enfrentar.

- E agora quais são os planos?

- Primeiro me recuperar desse relacionamento fatídico. Sabe eu já perdoei os mais absurdos vacilo dele comigo. Uma vez já até peguei ele na cama com outra. Todo mundo me perguntava porquê eu ainda estava com ele. Eu arrumei intriga até com minhas melhores amigas que não aguentava mais me ver sofrendo...

O ônibus chegou e então entramos e ela continuou a desabafar.

- Então, sabe realmente porquê eu gostava de ficar com ele? Era sua companhia que era boa, não importava quão cafajeste ele era, quando estava só nós dois, ele era completamente diferente. Parecia se importar comigo, me contava seus sonhos, perguntava os meus e ainda dizia com firmeza que iriamos realizar juntos. Eu tinha medo de perder aquilo, tanto medo que perdoava até traição.

- Entendo

- Tu deves está me achando a maior bobona né.

- E porque eu estaria? Quem garante que, se eu fosse você não faria o mesmo. Ter medo de não encontrar alguém que preencha o vazio da solidão é normal, afinal não é qualquer um que vai fazê-lo.

Eu não sabia de nada, mas estava poetizando só para tentar impressioná-la, afinal eu conhecia muito bem o amor, nas músicas que eu ouvia, e nos livros que eu lia, porém todos dizem que é diferente, você só sabe sentindo.

- Nossa. Eu estou ti contando tudo e não sei nada sobre ti

- Sou um ótimo ouvinte, porém sou péssimo para falar de mim mesmo, acho que porque minha vida não é tão interessante.

- Se interessante você quer dizer igual a minha, preferiria ter uma vida monótona também.

Nós dois rimos percebi que estávamos começando a nos entender. Aquilo estava me enchendo de esperanças. Eu ainda estava com medo de mergulhar nas aguas misteriosas do amor, embora já estivesse apaixonado.

Chegando em casa, me ajeitei e me preparei para ensaiar como ia pedi-la para sair comigo, já que eu era todo desajeitado não queria fazer feio, então comecei:

- com licença Luana, você gostaria de ir ao cinema?

- Oi Luana, estava pensando se não podíamos sair um dia desse?

E por aí foi. Tentei várias formas e percebi que sou ridículo, porém sou muito mais ridículo fingindo ser o que não sou. Decidi então agir naturalmente ou seja, infelizmente ser um nerd que não lida muito bem com as mulheres, e pior ainda quando são bonitas a ponto de te fazer sentir não ser bom o suficiente para elas.

Era sexta primeiro de março, dia perfeito para sair, já que no outro dia é sábado. Então fui ansioso para o terminal mirando encontrá-la. Chegando lá estava tocando a mesma música de quando eu a vi pela primeira vez: aguas de março. Aquilo mesmo não significando nada, me fez interpretar como um sinal, elevou um pouco mais minha confiança e quando cheguei na parada ela não estava lá.

Fiquei desesperado por dentro, mas escondendo meu desespero. Olhava compulsivamente para um lado e para outro, observando se ela não chegava. O ônibus chegou e ela não. Imaginei que tivesse acontecido algo e que nunca mais a veria. Foi tenso, o dia passou lento e eu ansioso pelo o fim, para chegar o outro dia.

Quando anoiteceu eu fui para casa, não aguentei ficar lá só pensando nela. Decidi então dá uma caminhada na praia para acalmar, e enquanto ia andando na calçada e vários pedestres passavam por mim, me olhando como se eu tivesse emanando tanta tristeza que eles sentiam. Então decidi ir andando pela à beira do mar, onde ninguém ia me observar e eu podia então ter um momento mais íntimo com minha tristeza.

Foi caminhando que observei bem a lua que estava enorme, parecia encostar no mar, era lindo. O momento em que a lua beija o mar, é assim que alguns chamam, um momento mais que romântico, que eu não podia apreciar, pois estava desiludido. E então pensei: por é eu que estou aqui vendo, há tantos casais apaixonado que poderiam estar aqui em meu lugar apreciando verdadeiramente, é um desperdício deixar eu ver aquilo.

O vento frio da maresia bateu em meu rosto, fechei os olhos para sentir aquela sensação relaxante. Quando abri os olhos percebi que havia caminhado uma longa distância e não estava nem aí continuei caminhando. Avistei uma mulher sentado na areia da praia, me aproximei e fiquei surpreso, era ela. Me aproximei rápido e disse:

- Luana...

Ela se assustou, talvez pensasse que fosse um bandido:

- Antônio, é você?

- Sim sou eu.

Demos um sorriso e então ela perguntou:

- O que tá fazendo aqui?

- Eu não tava muito bem e decidi dá uma volta para relaxar a cabeça, acabei andando demais. E você?

- Eu moro aqui perto, e decidi sair um pouco, passei o dia chorando, por causa do fim da relação, e você por quê está mal?

- É.... sabe, e.…u pense...i que nunca mais ia te ver.

- Nossa, não pensei que eu fosse tão importante para você, a gente se conhece a tão pouco tempo.

- É que sabe Luana, não sei explicar como, mas desde a primeira vez que eu ti vi, não paro de pensar em ti. Tu já deves ter percebido que eu sou meio desajeitado....

- Sim- Disse com um sorriso

- Bom sou principalmente com as mulheres, tive poucos casos e foram muito passageiros, e nenhuma das poucas mulheres que tive, despertou o que você desperta em mim. Acho que isso é o que chamam de amor, paixão, não sei. Só sei que é forte e eu tinha que te dizer.

- Uau, eu não esperava isso, estou surpreendida, estava tão triste e solitária e agora vem você assim se declarando...

- Eu sei que estou indo rápido demais, mas eu não queria esperar, estou me atirando sem ver o fundo, porquê se eu não falasse, tu nunca irias saber, e eu nunca teria uma resposta, isso me mataria.

- Entendo, eu andei pensando...o meu ex foi o único que eu tive algo realmente sério. E hoje eu passei o dia lamentando o que tinha de lamentar. Estou sozinha, com aquele lugar vazio no peito. Você se declarando assim para mim, tão sincero, com uma voz tão meiga que era uma coisa que eu notei desde que te conheci e gostei muito em ti; você me disse uma vez, que o vazio do peito não é qualquer um que preenche...

- Eu não sou qualquer.

- E como pode me convencer disso?

- Eu te amo, isso é o bastante para você saber que não sou qualquer um. Te desejar qualquer um deseja, você é linda e pra mim, mais linda ainda, agora te amar como eu, é uma coisa que só eu nesse imenso universo sinto, e falo isso sem dúvida alguma no meu coração. Pode olhar nos meus olhos e você verá a sinceridade da minha declaração.

Ela levantou, se aproximou devagar, segurou minhas mãos, apertou forte.

- Onde você esteve esse tempo todo?

- Te faço a mesma pergunta.

- Você sabe, estava sofrendo com a pessoa errada.

Nós sorrimos um pro outro, e foi um beijo, que dei com gosto.

- Veja, a lua e o mar também estão se beijando

- É mesmo, acho que não havia dia melhor para isso acontecer.

E eu nem havia percebido mas o céu da cidade estava fechado e enquanto nos direcionávamos para a casa dela, começou a chover.

“ São as águas de março fechando o verão, é promessa de vida, no meu coração”.