Entre dois amores - Cap 1

Dolores se viu dividida entre seus dois grandes amores de sua vida, os quais não imaginaria viver sem. Mas seria preciso decidir entre um deles.

Dolores ainda não havia se decidido. Esteve adiando durante anos aquela decisão. Não sabia exatamente o que fazer. Mas de fato, nada poderia continuar como estava. Permanecer em estado de inércia seria perigoso.

O cenário de uma família amorosa e unida havia se transformado em guerra. O sentido da palavra paz era desconhecido naquele domicílio. Um ambiente em que a alegria reinava, agora deu lugar a um local sombrio. Local onde mesmo o sol relutava em entrar. Aos poucos o drama da família Laranjeiras foi se intensificando, ganhando proporções gigantescas e o sofrimento tomou conta.

Desde que Atacílio perdeu o emprego na fábrica onde trabalhava, nada mais foi como antes. Aquela notícia pegou a todos de surpresa. Na mesa de jantar, ele contou o que havia ocorrido naquele dia.

- Pai, o senhor bebeu?! – perguntou surpreso o filho Eitor.

Atacílio nunca havia colocado uma gota de bebida na boca até então. Por isso o fato da família estar surpreendida.

- Bebi. Bebi sim – respondeu ele andando com dificuldade pela casa.

- O que é isso marido. Você não é disso. O que aconteceu?! – Dolores esperava uma resposta.

- Fui demitido mulher. Demitido. Não tenho mais emprego.

- Como assim? Não pode ser. Até ontem você estava feliz, falando do trabalho.

- Mas acabou. Eu não tenho mais trabalho. Eu nunca mais vou poder colocar comida nessa mesa!!! – exclamou virando o bico da garrafa na boca.

Eitor subiu para o quarto.

Dolores ainda tentava conversar com o marido, mas ele só queria beber. Estava transtornado.

- Mãe, o que vai ser da gente agora? – perguntou Eitor.

- Calma filho. Logo o seu pai vai conseguir outro trabalho. E vamos superar tudo isso juntos. Vamos ficar unidos, como sempre fizemos – Dolores consolava o filho mesmo tendo por dentro a mesma dúvida do rapaz.

No outro dia, logo cedo, Atacílio saiu. Poderia estar já atrás de outro emprego. Distribuindo currículos. Batendo de porta em porta a procura de um novo rumo. Com o sol forte sob sua cabeça e os pés ardendo por dentro dos sapatos de tanto caminhar. A boca seca de sede. O suor escorrendo em seu rosto e as roupas coladas em seu corpo. Assim imaginava Dolores. Mas ela estava enganada. O marido foi para um bar. A partir daquele dia não parou mais de beber. A única coisa que o consolava era um copo de bebida. Era um alento. E assim foi todos os dias. Bebendo sem parar. Tropeçando sobre os próprios pés. Caindo pelas ruas da cidade.

Muitas vezes Atacílio dormia na rua. Despertava de uma noite de bebedeira com um cachorro lhe lambendo a boca e dando bom dia. Já não mais se importava com seu corpo. As roupas sujas, a barba imensa, o cabelo grande, dentes amarelados e mau hálito tornaram Atacílio irreconhecível. Não pareciam a mesma pessoa.

As brigas em casa tornaram-se frequentes. Atacílio chegava bêbado em casa e ameaçava agredir o filho e a mulher. Eitor era o mediador dos inúmeros conflitos que ali ocorriam. Atacílio tinha se tornado violento. Um animal feroz não seria capaz daquilo.

- Quando é que a senhora vai colocar um ponto final nisso mãe? O pai não é mais a mesma pessoa. Ele não quer mais arrumar trabalho, só quer saber de se escorar em algum bar por ai – Eitor cobrava a mãe.

- Eu vou dar um jeito. Mas não é assim como você pensa.

- E é como então mãe? Fala. Porque eu não aguento mais essa vida. Isso aqui ta um inferno. Não se tem mais paz nessa casa – Eitor estava revoltado.

- Calma filho, calma.

Dolores sabia do sofrimento do filho, mas nada fazia para mudar aquilo. Ao mesmo tempo em que amava o filho, ela também ainda amava o marido. Todas as brigas causadas por Atacílio em casa, não foram capazes de matar um casamento que já durava vinte anos. E assim ela ia vivendo. Era como se aquilo fizesse parte de sua rotina e não havia mais nada a se fazer, a não ser se conformar. Até que um dia, teve uma surpresa.

- Que malas são essas filho?

- As malas são minhas mãe – respondeu o filho.

- Suas? Por que dessas malas? – no fundo ela já sabia a resposta, mas queria ter certeza.

- Eu estou indo embora de casa mãe. Vou para o Rio de Janeiro.

- Como assim ir embora? Rio? Você não conhece ninguém lá.

- Já me decidi. A passagem está comprada. Eu não vou mais ficar nesse inferno. A senhora teve oportunidades de se decidir, de se separar do papai ou sei lá. Mas nada fez. Agora eu vou viver a minha vida. Longe daqui – Eitor ergueu as malas com as mãos e foi em direção a porta.

Dolores estava de pé. Tentou conter as lágrimas, mas em vão. Sua cabeça estava a mil. Pensava em várias coisas ao mesmo tempo. Um filme de sua vida passava em sua cabeça. Um filme no qual por vezes era mocinha e outrora, vilã. Uma mistura de sentimentos. Em silêncio culpava-se por tudo o que estava acontecendo.

- Ah! – continou Edgar antes que deixasse a casa – Se algum dia quiser saber de mim, ou me ver, terá que ir até o rio. Adeus mãe, adeus.

- Eitor espera, espera!!! – Dolores arrastava-se no chão segurando na calça do filho.

- Adeus – finalizou sem meias palavras.

A partida de Eitor trouxe ainda mais sofrimento. Dolores chorava incansavelmente. Não se sabia o que seria dali em diante. Dolores nunca pensou em viver longe do filho.

- Tudo poderia ter sido diferente. Se eu escutasse mais o meu filho. Se eu tomasse alguma decisão. Mas tudo culpa daquele desgraçado. Você me paga Atacílio, você me paga. Eu não vou sentir essa dor sozinha – pensava Dolores em silêncio.

Em seu quarto, já à noite, Dolores procurava por algo. Revirou suas roupas, gavetas, caixas e... encontrou o que procurava. Uma arma.

Dolores teria ficado com a arma de seu pai assim que ele morreu. Nunca entendeu porque guardava aquilo. E nem se teria alguma serventia.

- Vou acabar de vez com esse sofrimento. Ninguém mais vai precisar chorar – colocou a arma na bolsa e saiu.

Luccas Nascimentto
Enviado por Luccas Nascimentto em 20/01/2017
Código do texto: T5887591
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.