Desculpa se te amo - Parte 3.

No domingo de manhã, Paulo se levantou da cama sem ânimo nenhum. O grande dia tinha chegado e ele se sentia o pior dos homens por ter magoado Ronaldo. Olhou para o terno arrumado na porta do guarda-roupa. E claro que ele não iria ao casamento. Não queria causar mais confusão. Já havia feito besteiras demais para uma única semana. Mas ele precisava ver, mesmo que de longe. Foi por isso que se levantou e tomou um banho rápido. Vestiu o terno e correu para igreja.

Chegando lá ele se escondeu atrás de uma arvore. Todos já estavam dentro. Dava para ouvir as palmas de onde ele estava. Esperou quase 20 minutos. Até que as pessoas começaram a sair. Viu então Ronaldo com a esposa ao lado, todo sorridente. As pessoas jogavam arroz em sua cabeça e gritavam felizes. Paulo não pode deixar de sorrir também. Torcia para que o amigo o perdoasse um dia, mesmo que não voltasse a se falar. O que mais queria era vê-lo feliz, mesmo que isso o deixasse triste, por sem com outra pessoa, e não com ele. Deu as costas e voltou para casa em silêncio. Precisava seguir em frente, por mais difícil que fosse.

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Duas semanas depois...

Ronaldo estava sentado em uma cadeira na sacada de seu apartamento. A esposa tinha se mudado e agora os dois moravam juntos. Ele sentia o vento de São Paulo no rosto e tentava em vão ler o livro que tinha no colo. Depois da lua de mel, ele não conseguia parar de pensar em Paulo e no que tinha acontecido. Os sonhos continuavam a acontecer. E em uma das noites ele tinha acordado excitado, pensando no corpo de Paulo.

Sabia que aquilo era errado. Ele era hétero. E sempre iria ser, principalmente agora que era casado. Mas se por um lado ele sabia que amava a esposa, por outro não conseguia tirar o amigo de sua mente. Era como se todos os caminhos e conversas levassem a ele. E ele sentia saudades. Saudades de vê-lo, de conversar com ele, de trocar mensagens, de ouvir sua voz no telefone. Mas haviam cortado relações. Ronaldo não conseguia ir atrás do amigo, e Paulo tinha feito o que ele havia mandado: se afastou. Exceto pelo dia do casamento. Paulo não sabia, mas Ronaldo tinha visto ele escondido em uma arvore olhando de longe.

Jéssica acordou e foi até o marido. O abraçou pelas costas e deu um beijo em seu rosto.

- Bom dia amor, acordou cedo.

- Sim. Não consegui dormir mais.

- Ainda tendo pesadelos?

- Sim. Só que estão mais frequentes agora.

Ela se sentou na cadeira ao lado segurando sua mão.

- Você precisa ir no Psicólogo. Ele pode ajudar você com isso.

- Não sou louco.

- Sei que não é. Mas você está tendo pesadelos todas as noites, isso pode fazer mau para o seu dia-a-dia. Talvez uma conversa com alguém experiente possa ajuda-lo.

Ele ficou em silêncio, ela estava certa. Precisava entender o que estava acontecendo. Andava confuso, nervoso e com medo. Medo de descobrir que as coisas não eram como ele pensava. Principalmente seus sentimentos por Paulo.

- Se não quer ir no Psicólogo, poderia conversar com algum amigo.

- Não tenho amigos.

- Tem o Paulo. Até agora não entendi porque vocês pararam de se falar, e porque ele não esteve no nosso casamento. Quer dizer, ele era seu padrinho.

- Porque não pergunta para ele?

- Eu tentei, mas ele não atende o telefone. Fui na casa dele, mas não havia ninguém.

Ronaldo olhou para ela curioso.

- Como assim não tinha ninguém?

- Fui ontem, mas ele não estava. A casa estava toda apagada. Acho que ele viajou.

Ronaldo ficou em silêncio. Sentia que algo estava errado. Mas nada podia fazer. A tarde ele se arrumou e foi trabalhar. No meio do caminho no entanto ele desviou o caminho. Parou o carro na frente da casa de Paulo. Ficou alguns segundos sem conseguir descer, não sabia o que dizer. O que pensar. Até que por um impulso saiu do carro quase correndo. Bateu duas vezes na porta e não teve resposta. Girou a maçaneta mas não abriu. Então voltou para seu carro, ali ele pegou a copia da chave da casa de Paulo que ele guardava até hoje. Abriu a porta e foi até a sala, não havia ninguém ali, exceto uma bagunça enorme. Subiu as escadas e entrou em seu quarto. Paulo estava jogado na cama. Parecia bêbado. O quarto estava abafado e muito quente. Se aproximou dele em silêncio. Havia garrafas de Vodka na mesinha ao lado da cama, e perto das mãos dele, um caderno pequeno. Curioso, Ronaldo pegou o caderno e olhou a última página:

" E difícil encontrar forças para seguir em frente. Para entender o que acontece comigo. Gostaria muito que todo esse amor sumisse do meu peito. Que Ronaldo fosse apenas um amigo, e nada mais. Só que mesmo não o vendo mais, eu ainda sinto seu cheiro, ainda sinto o gosto do beijo que demos. Como se tivesse sido ontem. Ele me odeia agora pelo que eu fiz. E não tiro sua razão. Eu trai sua confiança, e agora sinto meu mundo desabar. Nem mesmo a bebida me ajuda a afogar as magoas, não importa o que eu faça. A dor sempre volta. Mas ele está feliz, e isso que importa. Porque eu abro mão da minha felicidade para ver ele feliz. E somente isso que importa... nada mais. "

Ronaldo terminou de ler e percebeu que tremia, sentia os olhos cheios de lágrimas. Não sabia o que dizer, o que fazer. Colocou o caderno no mesmo lugar e saiu dali. Fechou a porta sem fazer barulho e entrou no carro, dirigiu em disparada para o centro. Até que parou em frente a uma clinica médica. Sua mulher tinha razão. Ele precisava conversar com alguém sobre o acontecido.

Rick era um amigo antigo de Ronaldo, eles haviam estudado um tempo juntos, não eram muito íntimos, mas tinha o convidado para seu casamento. Como ele era Psicólogo e conhecido, sentia-se mais a vontade para conversar com ele sobre o acontecido. Parou na recepção e uma moça sorriu para ele.

- Boa Tarde. Em que posso ajudar?

- Gostaria de falar com o Dr. Rick.

- Tem hora marcada?

- Não, sou amigo dele.

- Um momento que vou ver se ele pode atende-lo. Como e seu nome?

- Ronaldo Silva.

Ela pegou o telefone e desligou alguns segundos depois.

- Ele está terminando com um paciente e já fala com você.

- Obrigado.

Ronaldo se sentou e esperou. Ficou olhando o vai em vem de pessoas. Se sentia deslocado. Seu coração estava acelerado. Não conseguia parar de pensar em Paulo, vê-lo naquela situação o deixou triste, como se a culpa fosse dele. Estava tão distraído que não viu quando a moça o chamou.

- Sr. O Dr. Rick já vai recebe-lo.

- Obrigado.

Ele se levantou e foi em direção a sala. Entrou em silêncio. Rick estava sentado em uma mesa grande escrevendo algo no computador. Sorriu ao ver Ronaldo.

- Olha, até que enfim o recém casado veio me visitar.

Ele se abraçaram forte e Ronaldo sorriu.

- E você? Quando vai casar com o Pedro?

- Quando ele fizer o pedido né, se um dia fazer. Mas me diga, posso ajudar você em alguma coisa?

- Na verdade pode, eu vim aqui para conversar.

- Mas quer falar com o Rick amigo ou psicólogo?

- Os dois. Principalmente porque eu não quero que nada que falarmos saia daqui.

Percebendo a seriedade no tom de voz do amigo, se sentou e pediu que Ronaldo se sentasse em sua frente.

- Aconteceu alguma coisa?

- Eu estou confuso. Não sei o que acontece comigo. Tenho tido sonhos, sonhos que me assustam, e ao mesmo tempo me deixam curioso. Como se algo dentro de mim que eu não conhecia, tivesse despertado.

- Que sonhos são esses?

Ele abaixou a cabeça, não conseguia falar.

- Olha Ronaldo, não vou contar para ninguém o que você me disser. Somos amigos, e como médico, sou obrigado a manter sigilo ao que meus pacientes me dizem. Estou aqui para ajudar, e para isso preciso entender o que acontece com você.

Ronaldo respirou fundo, e contou tudo que tinha acontecido nas últimas semanas, desde o dia da despedida de solteiro. Até o momento em que leu o caderno de Paulo na casa dele. Quando terminou se sentia mais leve. Mas ainda tinha o sentimento de dor dentro de si, por não saber o que fazer. Rick ouviu tudo em silêncio, então olhou para ele sério.

- A amnésia alcoólica, mesmo que longa. Causa efeitos posteriores nas pessoas. Porque algumas não conseguem entender o que fizeram quando bêbados. E quando se lembram, rejeitam o que descobrem. O que você precisa entender, e que por mais bêbado que você estivesse, nada do que aconteceu entre você e o Paulo foi forçado. Mesmo bêbado, você permitiu que ele fosse em frente...

- Não, claro que não. Eu jamais ficaria com o Paulo, somos amigos. E eu não gosto de homens.

- A bebida, por mais forte que seja, não vai contra o intimo do ser humano. Ela não pode modificar o seu interior, o sentimento que você tem somente com mulheres, a sua condição sexual. Imagina que o Paulo tivesse mandado você atirar em si mesmo, você acha que teria feito isso?

- Não, claro que não.

- Não, porque você pensaria nas consequências de fazer isso.

- Mas isso e totalmente diferente.

- Apenas em tese, a sua vida e mais importante do que fazer sexo com seu melhor amigo. Mas em ambas as situações, você pensou antes de fazer. Você tinha opção de ir ou não em frente. Mas se deixou levar. Por algo que talvez no seu intimo, você já queria fazer.

- Não, eu nunca quis fazer sexo com o Paulo, eu nunca o vi mais do que amigo. Eu não quero nada com ele além disso. Eu não quero mais ter esses sonhos, esses pensamentos.

- Então é simples, ignore o que aconteceu. Perdoe ele. Voltem a ser amigos. Como eram antes, coloque você um ponto final nisso.

- Eu não consigo. Não consigo esquecer o que houve.

Ele se levantou frustrado. Quase chutou a cadeira. Rick esperou calmamente. Até que ele se sentou de novo, e esperou.

- Me responda uma coisa, alguma vez você já fez sexo com prostitutas?

- Sim. Duas vezes.

- O que acontecia quando você terminava o sexo com elas?

- Elas iam embora, e eu voltava para casa.

- Digamos que Paulo seja um garoto de programa, já que mesmo sendo Gay, ele e homem. Se fosse com ele o programa, o que você teria feito?

- Não sei, iria embora?

- E nesse ponto que eu quero chegar Ronaldo. Uma coisa e você fazer sexo com um amigo, mesmo que você não queira. Outra e você não conseguir esquecer isso. Você tenta mas não consegue encarar como um sexo casual, como algo que aconteceu somente uma vez na sua vida. E você não consegue fazer isso porque não pode ou porque não quer. Porque no fundo, você sente pelo Paulo algo há mais do que amizade, você não sente raiva do que aconteceu. Apenas não consegue entender, e é o seu preconceito que está impedindo de ver isso.

- Não, eu não gosto de homens.

- Então e simples, converse com o Paulo, aceite as desculpas dele voltem a ser amigos e esqueçam isso. Ou aceite que você o ama, e que não e só um amor de amigo. Mas sim algo que estava dentro de você, e que precisava apenas ser despertado. E foi quando vocês passaram a noite juntos. Entenda que o que existe entre você e ele, e algo que vai além do sexo. E amor.

Ronaldo olhou para ele assustado. Aquilo não podia ser verdade. Ele amava sim Paulo, mas era como amigo. Ele estava casado, não podia ter algo com ele. O que estava acontecendo? Porque se sentia tão confuso? Porque Rick não lhe dava as respostas que tanto precisava?

- Olha, foi um erro vir aqui. Desculpa o incomodo. Eu acerto a consulta com a recepcionista.

- Não foi uma consulta Ronaldo, considere um papo de amigos.

- Obrigado. Até mais.

Quando deu as costas e segurou a porta, ouviu Rick dizer:

- Converse com o Paulo, se eu não consegui ajuda-lo, acredito que ele possa. Afinal, vocês são melhores amigos. Ninguém melhor do que ele para entender seus sentimentos.

Ronaldo parou sem saber o que dizer, ficou ali alguns segundos. Sentiu o coração acelerado. Como se faltasse algo dentro de si. Saiu em silêncio e foi em direção ao carro. Ele realmente precisava de respostas. E talvez elas estivesse com Paulo.

CleberLestrange
Enviado por CleberLestrange em 14/02/2017
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