UMA DOCE SURPRESA

Tom sentara-se à mesa e observava os seus familiares e amigos presentes. Fernanda, a sua esposa e quase ex. pois estavam em vias de separação, ladeava a mãe e o irmão.

Comemoravam-se as bodas de ouro dos sogros e Tom apenas comparecera porque a sua sogra, pessoa muito agradável e que sempre fora carinhosa consigo, lho solicitara com gentileza.

O seu divórcio estava eminente devido às posições irredutíveis de ambos, mas sobretudo por imposição dela. Teimosos até mais não, entravam facilmente em conflito. Felizmente que não trabalhavam na mesma empresa, caso contrário já há muito estariam separados.

Ele olhou à volta e entre os convivas de outras mesas reinavam conversas animadas, ruidosas, talvez demais para o seu gosto, devido ao seu apreço pelo sossego. Nisso Fernanda também alinhava, detestava conversas para público ouvir.

Tom teve um momento de nostalgia, observou tranquilamente a beleza dela, as feições suaves, a pose altiva, o cabelo sempre impecável, vestida de forma simples sem ser espampanante. E reconheceu que muitas das brigas de ambos tinham sobretudo a chancela dele, embora ela também tivesse pavio curto, era Touro e não virava a cara a uma boa discussão. No entanto, ultimamente apresentava olheiras, dormia mal, a situação também não lhe era agradável.

Às tantas, pegando-o de surpresa, a sogra pediu-lhes um discurso, afinal a ideia das bodas de ouro tinha sido da filha. No entanto, Fernanda declinou o convite e olhando expressamente para Tom, referiu que ele era um bom orador e mesmo de improviso faria um discurso marcante.

Tom sentiu-se acuado perante os olhares dos outros. Depois de uma pausa de reflexão, levantou-se e olhando para os sogros, começou a dissertar:

- Não vou fazer um discurso de circunstância. Sei que a Nanda, a par do irmão, Paulo, são as luzes dos vossos olhos. É sabido que vos prezo muito, sim. Gosto do meu sogro e adoro a minha querida sogra.

Aqui a sogra ficou muito corada, mais agradada que incomodada com as palavras de Tom.

- Não, não vou falar directamente de vocês. Com vossa permissão e de Paulo, vou falar da vossa filha.

Fernanda olhou para ele, sem entender… Temeu críticas e depois começou a ficar indisposta com as palavras dele.

Ele retribuiu o olhar e falou-lhe, numa voz surpreendente terna:

- Conheci-te numa tarde de convívio do nosso grupo desportivo, já lá vão uns bons anos. Quando te vi pela primeira vez, deslumbraste-me com o teu porte, a tua beleza, a tua elegância. Tal como tem sido sempre. Ouvi a tua voz quando me foste apresentada e a impressão foi estranha, eras diferente em tudo. O toque da tua mão quando me cumprimentaste e soube teu nome, aquele toque quente e sincero, tornou pesaroso a ato de a largar…

Andei muito tempo contigo no pensamento. Depressa me apaixonei mas tu esquivavas-te quando tentava falar contigo, achei que não sentias a mínima empatia por mim e isso também se reflectiu na minha maneira de estar. Andava nostálgico… Dava grandes passeios a pé, à beira-mar. O mar sempre foi o meu melhor confidente e quando podia ia aspirar a maresia, ouvir as gaivotas do Tejo esvoaçando à procura de comida…

Fez uma pausa e continuou:

-Nunca me saíste do pensamento, nunca…

A emotividade fê-lo tossir um pouco e depois continuou, sem tirar os olhos de Nanda.

- O tempo foi passando e casualmente uma amiga tua acabou por nos aproximar, convidando-nos para uma saída. De aí em diante, tornámo-nos inseparáveis. Não esqueço o nosso primeiro beijo. Já havia beijado várias moças mas aquele beijo marcou-me…O meu coração disparou a mil e o teu também, que bem o senti… Uma imensa emoção despontou quando nossos lábios se tocaram… E mesmo hoje, tantos anos passados, se nos beijássemos certamente que iria sentir o mesmo…

Fernanda olhou para ele e ambos tinham os olhos rasos de água.

Então a sogra levantou-se da cadeira e abraçou-os. – Pensem no que vão fazer… Afinal amam-se muito, há imenso tempo que isso é latente… Por orgulho vão destruir tantos anos de vida em comum? E tudo o que já viveram, como esquecer?

Fernanda então abraçou Tom, ele acariciou-lhe o cabelo e beijou-a. Num impulso, ela abraçou-o com mais ímpeto e o beijo foi prolongado, ambos colados um ao outro. Choraram.

A mãe dela acariciou-lhe o ombro e disse:

- Desiste dessa ideia, Nanda. Se te divorciasses seria a maior burrada da tua vida. Ele ama-te e tu também o amas… Essa é a verdade que conta. Digam-me que desistem da ideia. Façam-nos felizes neste dia.

Por todas as razões seriam umas bodas de ouro inesquecíveis…

Fernanda sorriu, tal como Tom e ambos a abraçaram. – Claro que sim, seria uma ideia disparatada. Apenas temos de ser mais flexíveis um com o outro, não é querido?

O sogro e o irmão também sorriam, felizes com o desfecho e às tantas Paulo fez sinal ao empregado de mesa e perguntou aos pais:

- Então não são horas de beber um champanhezinho?

Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 19/04/2017
Reeditado em 19/04/2017
Código do texto: T5975195
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