Seis anos

Estava eu sentado no velho sofá manchado com vinho barato e remendado inumeráveis vezes quando subitamente lembrei: Há seis anos que ela já não sentava ao meu lado, nem reclamava da minha comida sem sal ou porque deixava minhas meias e cuecas jogadas dentro da pia do banheiro.

Faziam-se seis anos desde a última vez que acordei e minha primeira visão do dia foi o seu rosto sereno e angelical ao meu lado. Por Deus, parecia que tinha sido ontem que ainda discutíamos coisas triviais como “por que não usa aquele tênis que te comprei?” ou “não quero brigar, te amo. Ver se mete isso na sua cabeça dura”.

[...]

Normalmente eu só saía quando notava a chegada de uma nuvem de chuva, me molhar nas tempestades fazia bem, ao menos, por alguns segundos, esquecia do que tinha acontecido e me parecia que quando voltasse ela estaria lá me esperando sentada na mesa lendo um livro do Alvares de Azevedo, mas ela não estaria nunca mais...

Enfim, naquele dia o apartamento estava me sufocando, para todos os lados que olhava a via sorrindo, só de respirar sentia o cheiro adocicado que ela deixava pelo ar quando se movia. Eu estava enlouquecendo, e o pior, estava gostando...

Era dia, pensei em ir visitá-la em seu novo endereço (talvez me desculpar por tudo, ou sei lá), não levei flores nem chocolates, nem nenhum tipo de presente. Só queria vê-la mais uma vez, ter certeza do que eu deveria fazer – ela sempre foi boa em me guiar pelo caminho certo, e sinceramente queria ser guiado por ela.

– Olá meu amor. – Deixei algumas lágrimas correrem pelo meu rosto quando cheguei em frente de seu tumulo. – Vim te perguntar uma coisa, posso? – O silencio daquele cemitério era ensurdecedor. – Tudo bem, desculpa ter vindo te incomodar, beijos.

Era isso, eu já sabia o que fazer e não podia mais esperar nem mesmo mais um minuto.

Fui ao viaduto mais próximo que havia, me preparei, olhei ao meu redor e deixei o vento seco e sujo me levar.

“Liberdade”

– Deixo-te meu Amor e leve-me para perto de ti.