A Menina do Vestido Azul

Conto de 2015, perdido e achado pelos ventos que a vida sopra.

"E então, ela parou, fitou por longos segundos aquela escada que, por diversas vezes, subiu com um brilhante sorriso estampado no rosto, que agora dava lugar á lágrimas e olhos vermelhos. Sentia a pressão do mundo lhe esmagar os órgãos internos, a responsabilidade que lhe foi dada, e ela não conseguiu carregar; era sufocante. Aos olhos críticos das pessoas de fora, era pura banalidade. “Não é motivo para chorar” “Ora, você já não é mais criança”. Isso era o que estava ouvindo, e o que iria ouvir por um bom tempo. Ninguém entendia, ninguém nunca iria entender. Com muito esforço, respirava profundamente o ar pesado que lhe cercava, subiu um degrau, e depois mais um, e assim prosseguiu, até chegar ao topo. Respirou mais uma vez, um gato preto lhe encarava com olhos amarelos e curiosos, talvez sentisse que estava sofrendo, talvez não, ela nunca saberia. Encarou a porta a sua esquerda, aquela porta, branca, de madeira, fora muitas vezes seu portal para um mundo só de dois. Um mundo consistido por duas almas que consideravam-se vazias, e ao mesmo tempo completas, pois tinham uma a outra. Um mundo que, nas suas doses viciantes de tempo, se mostrava ser cruamente tudo que ela almejava. Alguém a esperava dentro daquele mundo, então ela entrou. Ele percebeu seus olhos inchados, sabia que havia chorado. “ Ele está lá fora, no quintal. “Eu não vou conseguir fazer isso.” Ela disse. E então, ele compreendeu. O olhar esmaecido daquela garota dizia tudo, ele admirava a capacidade dela de transmitir sentimentos apenas pelo olhar, mesmo quando a situação era ruim, e ele sempre lhe dissera isso. Os soluços em meio ao choro desesperado vieram como uma avalanche, de uma vez só. A raiva, a culpa, sentia-se supérflua. Deitou-se no colchão, e naquele momento, só queria sumir. Mulher, vezes menina. Menina, vezes mulher. Equilibrava-se serenamente no meio da gangorra, e não pretendia pender para nenhum dos lados, satisfazia-se com seu jeito estranho de ser. Ele entendia. O mar de choro parecia não cessar, ele não desistiria. As depreciações cuspidas não paravam, o espaço estava preenchido de desespero. O mundo de dois, agora era um mundo só dela, cinza, sem cor, sem luz. “Estava na hora dele, você não pode fazer nada” Ele insistia. “Está em um lugar melhor” “Você só o ajudou a ir em paz” “Ele vai voltar, de um jeito diferente, de um jeito mais especial” os amparos eram seguidos. Lentamente, a calma ia se estabelecendo, mas o mundo não voltou a ser de dois, permaneceu cinza. Seu vestido, que viera a ser azul, agora era banhado em vermelho-sangue. Ele levantou-se e passou pela porta branca, desceu as escadas, fitou a pequena cadela apreensiva, estática no pé da escada, esperando a garota descer; ela não desceria. Saiu pela porta da frente, chegou no quintal. Ele estava lá; a pequenina criatura, causa de toda a lástima. Sofrera um acidente e foi acolhido por ela. Mulher pela ternura, menina pelo consterno. Morreu olhando para ela, não pode fazer nada, não sabia fazer nada. E isso era o que corroía. Foi enterrado. “O sofrimento acabou” pensou ele, puro equívoco. Tempos mais tarde, existiam dois mundos, um só dela; um só dele. Tempos depois, ela não teria mais ninguém esperando do outro lado da porta branca de madeira, ninguém mais a alentaria, só haveriam julgamentos. Tempos depois, num súbito momento de devaneio, ela se deu conta de que, aquele mundo de dois, chamava-se amor; e ele se transformara, assim como a pequenina criatura, ele voltaria de um jeito diferente, de um jeito mais especial” – A Menina do Vestido Azul