Ghosting

O dia, ensolarado. As árvores, floridas e os pássaros cantando. A natureza, em festa e eu vendo fora o que havia dentro de mim desde antes daquele fatídico piquenique. Assim que chegamos ao bosque, fomos nos acomodando à sombra de uma macieira frondosa que parecia nos abençoar. Os sorrisos eram mútuos e eu sentia uma enorme alegria por acreditar na vivência de um sonho. Dali a pouco estávamos lanchando e trocando carinhos. Ainda havia muito a conhecer um do outro e eu imaginava que teríamos tempo pra isso. O meu encanto ia além da beleza física dele; meu idealizado príncipe encantado, cujos defeitos eu negligenciava. Do outro lado da corda estava ele: sempre quieto e observando minhas atitudes. Parecia querer me avaliar e, ao mesmo tempo, o casamento entre seu sorriso e seu olhar trazia-me à mente uma malícia até então desconhecida. A cada instante, uma novidade: a gentileza dele, a minha delicadeza, sua praticidade, meu jeito atrapalhado, sua objetividade, minha prolixidade... Senti que quanto mais conversávamos, mais impenetráveis se tornavam seus pensamentos e menos previsíveis eram suas atitudes. Mesmo sem querer, eu deixei que alguma insegurança me escapasse pela boca seca, mas havia um fio de esperança de que as afinidades entre nós pudessem vencer os obstáculos expostos. Ao terminarmos de comer, fomos passear pelo bosque. Andamos bastante e nos divertimos mais ainda. Parecíamos duas crianças e foi então que ele teve uma ideia: propôs que brincássemos de esconde-esconde. Pediu-me que fechasse os olhos, contasse até 100 e fosse procurá-lo em seguida. Eu aceitei, sem questionar coisa alguma, afinal, eu estava super contente. Assim que terminei, fui buscá-lo. Procurei em várias partes daquele lugar imenso, sem sucesso. Eu o chamava incessantemente, como uma criança largada pelos pais na escola. E aos poucos fui caindo na real. Senti-me abandonado num túnel escuro, tentando entender o porquê da ida sem despedida. Culpei a mim mesmo; depois a ele... E por fim, saindo daquela cegueira emocional, eu voltei a enxergar o sol. Entretanto, desde aquele dia há um pontinho preto sobre ele.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 03/10/2017
Reeditado em 14/11/2017
Código do texto: T6132385
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