A Morte De Arabella

O céu nublado, carregado com as nuvens pesadas, projeta um brilho cinzento que não chega aos olhos de vidro. A neve caiu a noite toda, formando uma camada branca, agora compactada, que recobre todo o solo e se assemelha a uma uniforme folha de papel; rasgada aqui e ali pelos pinheiros frondosos.

Seu corpo jazia rente ao chão. Os braços, naquela posição indefesa, provavelmente tentavam proteger o rosto; os olhos, azuis como o mar, perderam a luz e assemelhava-se a cristais vazios; a pele se tornara tão pálida quanto a neve ao redor, intacta e sem imperfeições; os fios dourados do cabelo escapavam do penteado elaborado, espalhando-se ao redor da cabeça como uma coroa brilhante. E a única cor naquela face, baseava-se aos resquícios de sangue nos lábios arroxeados.

É claro que seria por pouco tempo. Os vermes logo tratariam de deixá-la abominável, decompondo a carne morta e os fluidos secos, mas naquele momento, estava bonita como nunca, fria como uma rainha de gelo.

O sangue ainda fresco escorria das costas da menina, criando uma linha escarlate que se misturava à pureza da neve, deixando a cena dramática, até mesmo poética, e manchando a renda cara do vestido de Arabella.

Ela o vestira apressadamente, já perturbada pela manhã. Pensando em diversas maneiras de fugir e não imaginando que encontraria uma delas involuntariamente, depois de acabar sendo arrastada para aquela floresta sombria.

Os corvos pareceram sentir o cheiro do cadáver e alguns pousaram no peito imóvel, inspecionando o alimento à sua frente. Estavam prestes a rasgar a carne da menina quando um jovem surgiu no horizonte. Estava ofegante e sentia as pernas queimarem depois da longa corrida.

Ele aproximou-se do corpo com lágrimas se formando nos olhos. Sua chegada espantou as aves e em seguida os joelhos dobraram, o levando ao chão. O rapaz agarrou a morta gelada, com o desespero correndo nas veias e o coração pesado como uma rocha, então chorou sobre ela.

Arabella poderia agradecer ao seu agressor. Era irônico como toda a sua vida parecia se concertar com este fim. Finalmente possuía aquele que tanto amava ao seu lado, abraçando-a como se dependesse dela para respirar. A dor e a culpa que ele carregaria iriam impedi-lo de esquecê-la. Além disso, não teria que se preocupar com mais nada. Poderia esquecer todos os medos, apagar todas as cicatrizes a que ela foram causadas. Estava liberta e talvez ficasse feliz, se já não estivesse morta.

(texto escrito em meados de 2015)