Amor e mortadela

Ele se apaixonou por ela praticamente a primeira vista. Eles se conheceram meio que por acaso. Ele esperava um táxi na porta do hospital, onde tinha visitado um amigo, quando ela com o jaleco nas mãos saiu e ficou olhando a chuva que caia naquele final de tarde.

Ele não se movimentou. Ficou ali olhando para ela. Loira, mais de 1 metro e 72, olhos verdes, corpo perfeitamente desenhado por muitas horas de academia. No pulso um relógio que certamente custaria mais do que um mês do seu trabalho como pedreiro.

- Vai ocupar o guarda-chuvas? - Ela perguntou no momento em que ele a observava de maneira tão distraída que nem viu o táxi parar no estacionamento.

- Não! - Ele meio que gritou e entregou o objeto ao mesmo passo em que começava a se movimentar em direção ao veículo.

- Venha amanhã para pega-lo. - Ela gritou. Ele não respondeu.

Foi assim, meio que por acaso. No outro dia ele foi buscar e ela o convidou para um café no final da tarde. Ele aceitou para não fazer desfeita, mas nunca tinha tomado café apenas pelo prazer da companhia ou no final da tarde sentado em uma mesa com uma caneca chique. Café era algo que ele tomava de manhã antes de sair de casa com pão e mortadela para aguentar o peso do trabalho do dia.

Conversaram como se fossem amigos de anos e ele se apaixonou. Ela contou para ele que era médica, porque o pai dela era médico e o vô dela também, então não restou outra escolha.

Ele até pensou em mentir que era alguma coisa mais glamorosa, mas nunca foi de se envergonhar do trabalho que tinha e então contou que sua história era parecida. Seu pai foi pedreiro, seu avô carpinteiro e ele literalmente não teve opções.

Depois desse dia eles se viam regularmente. Era até ridículo, ele pensava. Tinha 35 anos, nunca fora casado, e não tinha tempo para ser amigo e confidente de alguém que se queixava de problemas que estava tendo na casa de praia que deu cupim, ou de um namorado que voltou para lhe atazanar, ou se trocava de carro naquele ou no próximo ano.. Ele tinha o mesmo carro desde os 16 anos. Um Chevette, verdinho, lindo demais, mais já bastante batido. Estava pagando a casa dos pais num desses programas do governo de 30 anos. Morava de aluguel e ainda tinha que pensão para dois filhos menores de suas mães diferentes que teve nas suas andanças no mundo.

Final de semana ela comentava que esteve viajando com a família a Buenos Aires, enquanto ele contava sobre o futebol que bateu com os amigos num campo do bairro e o que aconteceu num baile que tinha perto da sua casa.

Ele pensou mil vezes em se declarar para ela, mas logo a realidade lhe dava um tremendo soco no estômago e ele era confrontado com a ideia de que o dinheiro que ela gastava numa passada em uma loja ele levaria no mínimo 15 ou 20 dias para ganhar. Ele não passava necessidade, era um bom profissional e ganhava mais do que a maioria das classes trabalhistas do país, mas comparado com ela, era um pé rapado e então ele desistia.

As coisas mudaram em uma única manhã. Ela apareceu na sua casa no exato momento em que ele montava seu pão com mortadela para tomar o seu tradicional desjejum quando ela bateu a porta. Nos últimos dez meses em que estavam se vendo, ela foi epenas duas vezes na casa dele. Um dia para chamar ele para ir em um bar e outro dia em que lhe deu carona no final de uma festa que ele a acompanhou.

Ele teve vergonha. Tinha louça na pia, roupas jogadas no sofá, duas garrafas de cerveja jogados em cima da mesa ao lado dos pães franceses e da mortadela. A casa estava bagunçada, suja e mal cuidada. Ele quase fechou a porta, mas não teve tempo para isso. Ela entrou falando alguma coisa sobre as suas férias que seriam dali a alguns dias.

Foi direto para a cozinha, pegou a xícara onde ele tomava café e tomou um gole. Partiu um pão ao meio com as próprias mãos, recheou com mortadela e levou a boca e começou a comer enquanto seguia conversado. Ele sorriu para ela, depois a pegou pelos braços e não teve dúvida, com uma voz forte e sonora falou:

- Eu estou apaixonado por Você.

Ela sorriu, comeu mais um pedaço do pão e respondeu.

- Eu também!

Naquele momento eles eram iguais. Eram dois em um só.

Jonas Martins
Enviado por Jonas Martins em 20/03/2018
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