Ame alguém

Se eu pudesse entrar em conexão completa com todos os meus sentidos, eu poderia me entender mais, esvaziar.

Deitado sobre a mureta, em uma parte que só o sol pode me ouvir, eu vejo a manhã gritar. Eu sinto o cheiro da laranjada, dos pães. Ouço os ônibus, os barcos, os carros, e as pessoas lá do outro lado, na enseada. O dia nasce.

Noite passada eu não fechei meus olhos para descansar. Dentro de mim havia fogo, mas havia quase uma paz. As pessoas costumam confundir o fogo com o caos, a desordem, o desespero. Acredito que deva ser o medo das chamas. O que as pessoas esqueceram, na verdade, com o passar dos anos, é que o fogo é vida, e vida é paz. Você pode até não acreditar que o propósito da vida é trazer paz à alguém, mas é. Nós podemos ver isso em todas as sensações que existem ao longo de nossas vidas, como amar.

O amor é algo tão maravilhoso, que te faz ter todos os sentimentos em um só. E é nessa perspectiva que eu começo a minha história com o João, amando.

Quando eu o vi pela primeira vez, eu fiquei petrificado. Meu coração pulava por todas as partes do meu corpo, meu sangue gelou, e ao primeiro toque dele, que foi um beijo, pensei que meu cérebro havia derretido.

O cheiro dos cachos dele ficaram exalando nas minhas narinas por semanas.

Lembro de pensar que ele tinha um rosto familiar. Ele lembrava uma amiga de infância, chada Natália Punk. é engraçado como os apelidos surgem ao longo das nossas histórias, e eu digo apelidos, porque de punk a Natália não tinha nada. Na verdade, ela até repudiava um pouco essa semana.

Mas voltando, lembro de pensar que o João me lembrava essa minha amiga, e eu achava engraçado. e lembro de como não nos poupávamos, seja na dor, seja no afeto, seja em qualquer tipo de sentimento. E dentro de mim, eu pensava no melhor. Ocorre que, o melhor que nós achávamos ter feito nem sempre é o melhor dentro das perspectivas do outro. No intuito de proteger, eu o causei tanta dor, e o pior, eu nem percebia isso. Não pelo falo de não olhá-lo, eu até o olhava com grande frequência, e pensava sempre o que eu poderia fazer para melhor a vida do rapaz que fez meus dias terem mais cor, embora meio fosca.

Depois de me sentir com sentimentos diferentes que variam do medo até uma relativa calma, o que algumas pessoas aparentemente descrevem como choques hemorrágicos. Mas dentro de mim o sol não morria, eu queria queimar e trazer vida, mas ele já não me queria mais.

-

Dentro de mim há uma cama bagunçada livre dos ácaros, e eu nunca procurei métodos de eliminação. Quando eu abri a porta desse quarto, o João deitou nessa cama. Ele já não sorria, mas conseguia dormir um sono leve e quase fundo. De fora, como uma luz eu o olhava, e tinha medo. Eu tinha medo por ele, tinha medo por mim, por nós... Se muito de tudo é demais, e a vida é sinônimo de paz, esse planeta já está super populado. Ele se esticava, e às vezes rasgava os lençóis, sem perceber. Desbotava as fronhas, afundava um pouco o lado da cama de tanto que adormecia em um só lugar, e não acordava.

Eu não o culpo por nada. Também não me culpo. Nunca nos demos tempo suficiente para nos conhecermos. Ouvi relatos, pessoas que falavam sobre amor, sobre crises, sobre problemas, superações. Eu chorava como ele chorava. eu falava sobre amo, sobre os meus sentimentos, e ele não ouvia. ele falava sobre seus sentimentos, e eu não compreendia. Mas eu estava ali, eu tentava, eu queria estancar a ferida que havia dentro dele. Eu tentava tacar os remédios, ele se negava, não parava de se mexer. Eu já estava cansado, ele estava cansado. então nós nos deixamos. Ele me deixou primeiro, e eu senti a dor, eu já não sabia o que significava aquilo no mundo. Eu já não sabia o que significava estar em um mundo ontem eu não pudesse vê-lo sorrir novamente, sentir seu sorriso, ouvir sua voz, sentir seu cheiro. A paz ia embora, o fogo, a vida se apagava dentro de mim.

Eu mergulhei no infinito de algo muito escuro e úmido, e eu já não sabia o que era o chão. Eu me esqueci no meu egoísmo, eu me implorei, e eu não me ouvia, então por que ele me ouviria? Ele se foi e nunca mais vai voltar.

No fim dessa história uma música triste e forte toca. Acho que consigo pensar em "isqueiro azul", da Tiê. Acho que no fundo eu ainda o espero em uma outra vida, porque aqui eu realmente já não vejo outra saída para quem não quer recomeçar.

Se eu pudesse ter espaço para mostrar o meu amor por esse rapaz, nós sem dúvidas seriamos os caras mais felizes do mundo. Sem engano, sem mentiras, sem dor, só o tempo e paz.

Mas em falar sobre poder, se eu pudesse me esvaziar... Já estou além de mim com esse sussurro de amor.

Yuri Santos
Enviado por Yuri Santos em 18/04/2018
Reeditado em 19/04/2018
Código do texto: T6312279
Classificação de conteúdo: seguro