O gato

O que todo bom gato tem, ele tinha. A não ser raça. Ele, como diz hoje em dia era um (SRD) Sem Raça definida. Mas isso não o tornava pior. Muito antes, pelo contrário. O gato era espertíssimo, e lindo. Analisando sua personalidade, sua postura e suas frescuras, eu desconfiava que ele descendesse de uma linhagem nobre dos gatos. Olhando pelo rabo, grosso e peludo, eu apostaria que ele era talvez um bisneto de gato Persa, mas ele também tinha traços de Maine Coon, o tamanho dos Scottish Fold. Talvez ele fosse filho de angorá mesmo.

Soberbo, peito estufado, andar estiloso. O desgraçado desfilava pelos telhados.

A vida do gato fora dificílima. Ele perdeu a mãe muito cedo. Não conheceu o pai, nem seus irmãos. Teve que se virar pra sobreviver. Mas ao contrário de se tornar um fraco, ele ficou atrevido.

Quando entrava em uma casa e via um frango na bancada da cozinha descongelando ele se gabava com os outros gatos da rua “aí é muita moleza”.

A beleza do gato era tanta, que nem quando o pegavam com a “boca na botija” ele apanhava. Vinha o xingamento e logo o elogio “Sai daqui gato filho da puta... mas que gato bonito”. Ele aprendeu rápido a sempre se dar bem.

Parou de lamentar por ser um gato de rua, por não ter casa e tudo mais. Na verdade sua vida era melhor do que de qualquer gato doméstico, que precisa seguir as regras da casa, obedecer o dono. Ele não obedecia ninguém.

Mas como a vida dá muitas voltas, e um gato também. Em uma das casas da vizinhança foi morar uma família, e com ela veio uma gata. Uma gata não. A gata.

Ela parecia uma onça pintada de tão bonita. Que bela pelagem, que estilo. O cheiro da gata impregnou todo o quarteirão , o focinho do gato era um radar pra fêmeas.

O gato mais do que depressa foi atrás daquele perfume de rosas, misturado com alfazema, e flor de laranjeira. Para ele era o perfume do amor.

Foi pela manhã quando ele a avistou pela primeira vez. Quis logo se aproximar, mas como era um especialista na arte da conquista, achou melhor esperar a hora certa. Passou o resto da manhã, a tarde e a noite se lambendo no seu banho meticuloso, afinal era preciso estar impecável no primeiro encontro. Podiam o chamar de tudo, menos de fedorento. Sujeira é um pecado mortal para os gatos.

A noite caiu, veio a madrugada, ele adorava a madrugada. É nessa hora que os gatos ficam mais à vontade.

Ele esperou, esperou, e logo surgiu ela. Caminhando devagar, desfilando pela nova vizinhança. Todo o discurso que ensaiou foi inútil. Quem puxou conversa foi ela. Na verdade ela como toda fêmea era muito observadora, e já tinha se encantado pelo gato quando de dentro do carro dos seus donos o viu.

Não foi preciso muita conversa para o acasalamento. Também, era época de cio dela, até nisso ele teve sorte. Foi um encontro de almas. Se isso não é amor à primeira vista, eu não sei o que é então. Eles se deram super bem. O papo fluiu, era muita química. Foi uma noite especial, para os dois.

Quando amanheceu se despediram já combinando o próximo encontro. Mas aí o conto de fadas acabou.

Na noite seguinte ele não deu as caras.

Nem nos dias que se seguiram. E ela já estava apaixonada demais.

Dias depois ela descobriu sua gravidez. Enlouquecia. Vagava pelo bairro procurando ele. Mas nada.

A gata se arrependeu amargamente de ter se apaixonado. Sentiu-se uma idiota. Prometeu nunca mais acreditar em vagabundo nenhum. Teve certeza que ele, o gato, tinha arrumado outra e a abandonou. Machos, todos iguais.

A barriga da gata estava enorme, já estava nos dias de parir. Ela escutou seu dono conversar com um vizinho, uma homem estranho, passarinheiro. E ouviu quando ele disse que era pra o seu dono trancar ela dentro de casa, porque estava colocando veneno pra pegar os gatos de rua que atacavam seus passarinhos de madrugada, e que semanas atrás ele enterrou um gato macho, que parecia gato de raça, muito bonito, mas que era o mais atrevido. E disse que ele morreu antes de pular o muro. E ainda falou rindo.

A gata entrou em trabalho de parto na mesma hora. Ela gemia chorava, chorava, berrava. Não queria acreditar na verdade. Assassino! Queria poder falar. Mas gato não fala. Se ela não estivesse grávida teria unhado aquele homem

Nasceram três filhotes. Duas fêmeas e um macho lindo como o pai.

Paulo Carvalho
Enviado por Paulo Carvalho em 22/09/2018
Reeditado em 22/09/2018
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