Amor à segunda vista

- para o carro Vitor, depressa!!! Olha a minha amiga ali... – Vitor quase bateu o carro pra atender o pedido da sua irmã - eu nem sabia que ela está morando aqui... Nossa... Mas ela era pobre... como ela consegue morar num condomínio chique desse?

Vitor teve tempo de observar a “amiga”, enquanto Roberta ia ao encontro dela. as duas se cumprimentaram com efusiva alegria e o olhar de Vitor era muito técnico quando rastreou as características da moça. Era alta e muito bonita, mas nada em sua aparência denotava luxo ou posses. E Vitor externou sua conclusão quando Roberta entrou no carro.

- ela é garota de programa, Rô... Tá na cara... saindo essa hora da casa de algum cliente. E se você reparou na roupa dela pode ver que ela não parece ser bem sucedida no negócio. Calça jeans e tênis? Não...

Seu cérebro buscava mais argumentos para confirmar sua suspeita. Mas pra isso ele teria que conversar com a mulher e não havia essa possibilidade. A chance deles se verem novamente era zero. E procurou ocupar seu pensamento com o transito daquela hora. Sua irmã falou devagar.

- você acha, irmão? Estranho... ela é meiga e um poço de educação... Mas realmente tem algo estranho... mas aposto quanto você quiser que você está errado. Ela era esforçada demais pra escolher o caminho mais fácil...

- e quem disse que ser garota de programa é fácil? É necessário muito sangue frio e dedicação...

Roberta preferiu não discutir, porque ninguém vencia o irmão dela nos argumentos. E quando ele mastigava um linha de pensamento, qualquer pessoa ao lado dele se anulava. Mas ela realmente ficou curiosa em relação a amiga. E durante o jantar decidiu dividir suas preocupações com os pais.

- pai, mãe... hoje revi uma amiga do tempo do colegial e Vitor acha que ela é garota de programa. Como eu faço pra descobrir? Eu gostava muito dela e ela não mudou nada...

Sua mãe era a praticidade em pessoa.

- vocês trocaram telefone? Convida ela pra jantar amanhã. Quando eu bater o olho nela, descubro no ato. Eu conheço muito bem o tipo porque uma amiga de uma amiga era garota de programa. E ela achava que escondia da gente, mas...

Seu marido e os filhos trocaram olhares divertidos. Suzana sempre os brindava com histórias adaptadas da sua juventude, quando queria dar um cunho moralista pra ela. Mas Vitor não cedia um milímetro. Ele estava pagando pra ver e seu pai perguntou suas impressões.

- absolutamente, pai. Não tenho dúvidas... também conheço o tipo, mas porque uma colega da faculdade prestava esse tipo de serviço pra custear suas despesas. Vai ver essa moça faz faculdade e está pagando pelos seus estudos...

Vitor achou que essa resposta seria mais suave para o pai. Ele era um homem cheio de princípios e de certa forma moralista. Mas amava demais a filha para negar um pedido de ajuda. E quando a noite seguinte chegou, a família sentou para esperar a visita. Eles moravam num condomínio fechado e quando o porteiro informou que ela havia chegado, todos ficaram de pé e caminharam para a entrada da sala. Era assim que visitas eram recebidas na casa.

A família tinha piscina e todos os quartos eram suíte, mas Suzana fazia questão de cozinhar o jantar para a família. Quando a moça chegou, vestia um vestido simples, sem joias. E todos repararam que ela tinha dentes brancos e perfeitos e estava sempre sorrindo. Roberta foi logo se dependurando nos braços dela e levou ela pro jardim.

Suzana mal terminou de se acomodar na cadeira para servir os pratos e foi perguntando a queima roupa.

- Luísa... Roberta me falou em que você trabalha, mas eu esqueci...

Vitor esperou prazerosamente a resposta. A colega da faculdade falava que o pai mandava dinheiro pra ela.

- sou instrumentadora cirúrgica, senhora...

Vitor não aguentou e perguntou.

- e o que exatamente faz uma instrumentadora cirúrgica, senhorita?

Luísa olhou assustada pra ele, pois ela tinha certeza que ele não tinha se dado pela presença dela.

- eu entrego os instrumentais cirúrgicos nas cirurgias...

- em qualquer cirurgia?

- não... só nas grandes e nas que sou contratada para isso... Sou autônoma...

Sua mãe assumiu o controle novamente.

- e porque você não faz as cirurgias? Porque você não é médica?

Seu pai respondeu.

- o curso de medicina é o mais caro do país, querida...

Luísa corou levemente e Vitor sentiu vergonha da falta de delicadeza do pai. Mas Roberta entrou na conversa.

- não é pelo dinheiro, pai. Tenho certeza que Luísa faria faculdade pública, se quisesse ser médica. Então porque você não estudou medicina, amiga? Eu lembro que você falava que queria algum curso na área da saúde...

Luísa encarou a amiga e sorriu.

- eu fiz enfermagem, na verdade. Mas trabalhei como instrumentadora pra pagar a faculdade e não consegui emprego que cubra o que eu ganho. Então continuo como instrumentadora. E mesmo se pudesse, não ia querer medicina. É muita responsabilidade e eu não tenho estrutura para aguentar as consequências...

A pauta perdeu a importância e a família começou a falar de suas viagens e Luísa mostrou ser uma excelente ouvinte. Mas quando a sobremesa foi servida e ela não recusou a generosa fatia que a mãe serviu, ela os surpreendeu com um pedido estranho.

- a senhora me desculpe se vou ser muito deselegante, mas a senhora se importaria de fazer uma marmita pra mim com um pedaço da lasanha e um pedaço desse pudim?

As paredes daquela casa nunca ouviram tal heresia. Mas a mãe sorriu antes de responder.

- gostou tanto assim da minha comida?

Sua família não era apreciadora da comida da mãe. Mas comiam por respeito e pela força do hábito. A moça se desmanchou num sorriso.

- amanhã tenho cirurgia até tarde... e vai ser reconfortante saber que vou comer novamente essa delicia. Eu absolutamente amo lasanha. A senhora acertou em cheio...

Quando ela se despediu, viram incrédulos ela pedir táxi e a mãe tirou o celular da mão dela e falou.

- imagina se não vamos levar você em casa. Deixa só eu pegar minha bolsa...

Mas minutos depois ela mandou virar na esquina que haviam chegado. E quando o carro estacionou, um grupo de jovens sentados na calçada fez todos gemerem. E Luísa falou em voz alta.

- meu Deus... não acredito... Senhor Jesus, me dê uma luz aqui, por favor...

Logo um dos rapazes veio bater no vidro da janela, chamando por ela. Ela pediu para abrirem a porta que estava tudo bem. Rubens havia descido a trava sem perceber. Mas viram ela descer do carro e o rapaz quase jogar ela em cima do capô. Mas ela falou com voz calma.

- que bom que você tá acordado. Adivinha o que eu trouxe pra gente? Lasanha e pudim... só que não dá pros seus amigos, por que o pedaço é pequeno. Como fazemos? Posso comer tudo e depois trago mais pra você?

O rapaz tirou a sacola da mão dela e subiu correndo as escadas. Quando ela se abaixou para se despedir, estava sorrindo.

- obrigada pelo jantar e pela carona. E fechem o vidro e travem as portas e não parem no sinaleiro ali embaixo. Hoje a noite está movimentada por aqui. Mas vocês vão ficar bem. Mais uma vez obrigada e eu te ligo, Rô...

Eles viram ela subir as mesmas escadas e Rubens não saberia dizer como chegaram em casa. Mas quando deram por si estavam todos sentados na sala. Suzana falou com a filha.

- liga pra ela, minha filha... Confere se ela chegou bem...

E foi com alivio que ouviram ela atender.

- Roberta?! Aconteceu alguma coisa?

- não, não... só que mamãe pediu pra te falar pra você colocar a comida na geladeira. Presunto perde fácil...

- não há esse perigo, amiga... Ele está guardadinho na barriga do meu amigo Gustavo.

Elas desligaram o telefone e Vitor saiu do transe. Se levantou para ir embora e perguntou se a irmã queria carona.

- não... não... vou dormir com mamãe hoje. Amanhã papai me deixa lá...

Vitor foi ter notícia da irmã, embora morassem no mesmo andar, duas semanas depois. Ela bateu na porta dele logo após ele colocar o paletó na cadeira. E quando ele abriu a porta não reconheceu o sorriso que estava na face dela.

- tem compromisso pra hoje? Não, né? Beleza... Jantar de família lá em casa, as oito. E pra você não morrer de surpresa, finalmente encontrei uma colega de quarto ideal. Não tem conversa fiada, não pega as minhas coisas e não faz bagunça na casa. E como você sempre diz, mostre com quem andas e direis quem tu és, ela vai trazer um amigo pra falar dela pra nós. E você leva o vinho, por favor... Já desisti de tentar te agradar...

Vitor não economizou nos acompanhamentos e atravessou o corredor até a outra porta, com a travessa e a garrafa nas mãos. Mas quem abriu a porta foi ninguém menos que Luísa e pela cara de surpresa que ele fez, ela deduziu.

- sua irmã não te contou tudo, não é mesmo? Porque será?

Ela deu as costas pra ele e ele não ignorou a ironia na voz dela. Mas entrou fazendo pose de rei e se deparou com um homem negro, jovem e muito alto e bonito. O rapaz tirou a garrafa da mão dele e colocou sobre a mesa. Vitor simpatizou com ele de imediato e serviu o vinho para os dois. Se estivessem sozinhos travariam uma conversa sem dificuldade, mas três mulheres conversavam na cozinha.

De repente um celular toca na bancada e as três se calam. Luísa pede Roberta pra atender e deixar no viva voz, que ela não podia segurar.

- boa noite, doutor. Em que posso ajudar?

Uma voz grossa respondeu, de forma educada.

- você está livre essa noite?

Todos prenderam as respirações, mas ela foi rápida.

- parte da noite. Qual é a cirurgia?

- não... não estou interessado em cirurgia com você...

Ela jogou a colher na pia, fazendo um barulhão. Pegou o celular na velocidade da luz e interrompeu a ligação. Depois ficou em silencio, observando o aparelho. Depois ela fez uma ligação.

- Elisa... a doutora Kátia está de plantão hoje, não é? Posso falar com ela? – segundos se arrastaram – doutora, boa noite. Aqui é Luísa, a instrumentadora. Vi uma ligação do seu marido no meu telefone e quando eu fui retornar a bateria acabou. A senhora faria o favor de avisar ele que eu não estou disponível? Obrigada e boa noite...

Ela depositou o aparelho na bancada e pegou outra colher na gaveta. E quando todas sentaram na mesa, o amigo dela falou com todos.

- conheci Luísa na faculdade, por que estudamos juntos. Ela tinha terminado o curso de instrumentação e eu já trabalhava no hospital, como técnico. Eu apresentei ela para alguns médicos e ela foi auxiliando algumas cirurgias e hoje é a instrumentadora oficial de algumas equipes. Mas porque é muito competente. Só que a fama dela no hospital é bem outra. O que passa na boca dos invejosos é que ela dorme na cama de cada médico que ela auxilia.

Luísa não se defendeu. Mas respondeu.

- os escoteiros querem que eu seja exclusiva deles... Mas não aceito me pagarem menos do que eu recebo separado. Então eles estão tentando me seduzir com chocolate e pequenos mimos...

O moço fez cara de vítima.

- ninguém nunca tentou me seduzir...

Vitor não conseguiu sentir o sabor da comida. Sua atenção estava voltada para as curvas do rosto de Luísa e pela curvatura dos lábios quando ela sorria. E ela sorriu muito naquela noite. Mais do que ele via as mulheres do meio dele sorrirem. E não havia falsidade no sorriso e nem a risada era forçada.

Mas as feições calmas dos seus pais também foram alvo de sua atenção. Sua mãe manteve um sorriso calmo no rosto durante todo o jantar. E ela pouco falou, o que era anormal. E quando terminou o jantar ele foi sentar na pequena sacada, admirando o movimento de carros na avenida logo a frente. Sua irmã veio sentar com ele.

- já sei... você também se apaixonou por ela, não foi? – Vitor sorriu ao ouvir o resumo da sua agonia – mas você foi um completo babaca e ela percebeu isso de imediato. E você viu o conceito que ela tem dos homens, não viu? Ela não me respondeu quando eu perguntei porque ela não tem namorado, bonita daquele jeito. Como eu também não tenho, não me achei no direito de ser insistente. E você viu a fama dela, não é? Do mesmo jeito que você fez mal juízo dela, seus amigos farão. E você vai querer encarar tudo isso? Com tanta mulher caindo aos seus pés? Tá certo que essas mesmas mulheres não chegam nem na sombra dela. Mas se você quiser só sexo, não é com ela que você vai conseguir. E estou te dizendo tudo isso não é porque sou apaixonada por você e quero o melhor pra você. Não. É porque não quero perder minha melhor amiga e agora colega de apartamento. Então se você decidir avançar, que seja pra casar. Qualquer intenção menos honrosa vou encarar como uma afronta a minha pessoa. Mas te dou um tempo pra você pensar... mas pense de longe... evite minha casa na minha ausência. Faça cara feia quando topar com ela nos corredores e aqui. E guarde seu sorriso sedutor pra quando você se decidir pelo sim.

Ela se levantou e quando Vitor foi começar a pensar na gravidade da situação, ouviu som de violão. E teve certeza que era o rapaz quem tocava e nem quis levantar pra conferir. Por que se fosse ela, ele teria que pedi-la em casamento agora mesmo.

Vitor se comprometeu a ficar firme quando descobrisse a verdade. E não desfaleceu quando viu o violão no colo dela. Aquilo foi natural. Assim como era natural a afinação da voz dela. Mas a cara de desespero que a irmã fez ao vê-lo, o fez decidir pelo sim. Mas Vitor não tinha pressa e se comprometeu elaborar cuidadosamente cada estratégia da conquista.

Mas lembrou em tempo que precisava descobrir o que ela fazia naquele condominio chique. Mas seria bem mais sutil na invetigação.

Lucilia Martins
Enviado por Lucilia Martins em 24/02/2019
Reeditado em 24/02/2019
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