palavras que eu deveria ter dito em nosso último encontro

     "Isso tudo é muito difícil," ela disse.
     "Mas só é complicado se quisermos."
     "Então, as pessoas tornam isso tudo muito difícil. Elas romantizam essa luta. Se não teve sangue, então não é real."
     Pareceu-me ser um bom resumo do que vemos e vivemos. "Só não se esqueça," eu disse, depois de beber um gole do café distante que viemos tomar. "De que você é você," e ela me olhou sem espanto algum, mas prestando bem atenção no que eu tinha a lhe dizer. "Pode parecer uma coisa óbvia, claro. Não tem como você ser outra pessoa. Mas eu digo em questão de não mudar por causa de outra pessoa, quem quer que seja. Você é você, com seu amadurecimento, com suas crises, com seus problemas, com seus sorrisos. As pessoas gostam de você com tudo isso
eu gosto de você com tudo isso, além disso." E levei o café novamente a minha boca.
     "Tá, mas não deveríamos nos adaptar? Porque tipo, por mínimo que algo mude em sua vida, você acaba mudando também, e pra isso nos adaptamos. Não tem como acordar e ir dormir sendo a mesma pessoa."
     "Aí," eu bebi um gole de café. "Essa é outra questão," respondi. "E, porra, você acabou de reclamar que as pessoas dificultam as coisas."
     "Verdade. . ." Ela se recostou na cadeira, ficou um momento em silêncio enquanto eu continuava bebendo o café. Até que se inclinou a mim. "Porra, mas eu sou pessoa também, né? Tô dificultando, caralho, me deixa." E nisso nós rimos brevemente. Sim, não estava errada, apesar da discussão ser justamente sobre isso, éramos o exemplo que um via no outro. Somos moldados a partir disso, aos poucos esquecendo a melodia de nosso próprio coração.
     Vê-la me transmitia uma certa calma, como se eu encarasse o que havia perdido a muito tempo. E ouvi-la era a certeza disso, e a certeza de que ela merecia muito mais do que já vivenciara e tivera em seus relacionamentos passados. Como uma música que dura menos que o tempo necessário para se acostumar com o silêncio entre o olhar e o beijo. Eu não estava apaixonado, não. Mas confortável. Subindo os patamares de uma recíproca e aconchegante amizade. O que precisávamos nesta noite, após acumuladas insonias de tremores mentais encontrando o fim do poço das paranoias sem razão. Ficamos quietos um pouco, ouvindo a composição das vozes das demais pessoas, o bater dos talheres nos pratos, nas xícaras e nos pires. O ambiente desta cafeteria era demais pra mim, mesmo com meu psicológico. Que lugar maravilhoso a passar uma noite de sábado. E a companhia também era formidável.
     "Mas e você?" ela me perguntou. Repousou os dois braços em cima da mesa, me encarando, prestando atenção, e se fosse outra pessoa eu já estaria desviando meus olhos para qualquer canto que não fosse seu rosto.
     "O que tem eu?" perguntei do mesmo jeito, cortando um pedaço do bolo à minha frente.
     "Já desistiu do amor esse ano?"
     Levei o pedaço à minha boca. Não era uma resposta fácil, precisava pensar um pouco antes de falar qualquer coisa. "Não," eu respondi depois de comer. "Não posso fazer isso." Sorri.
     "E por que não?"
     "Seria crueldade demais," eu dei uma pausa. A frase perfeita nasceu em minha mente. Coisa do destino, se eu acreditasse nisso.
     "Mas você está à procura?"
     "Pode ser que sim, pode ser que não," desviei meu olhar antes de encará-la em seus olhos. "Pode ser que já tenha encontrado, só que ainda não sabemos." Minha resposta a fez sorrir, e eu retribuí do jeito que melhor achei e podia.
     Ainda nos encaramos um pouco antes de levantarmos para um passeio pelo shopping. Ela pagou minha conta, sem me deixar com a opção. "Ei!" Eu exclamei. Minha resposta veio de seus ombros, depois que tirou o cartão da maniquinha. "Mas vai ser assim?"
     "Vai não. Já foi." E se levantou. "Vamos?" Passou por mim e foi em direção à saída.
     Levantei-me a alcançá-la. "Aonde você quer ir?" Perguntei. 
     Ela olhou para os dois lados, como se fosse atravessar uma rua, para se localizar. "Não sei. . ." Respondeu se decidindo, ainda com uma faceta perdida. "O que você acha?"
     "Bom," acontece que eu tenho meu lugar favorito quando venho aqui, assim como ela tem o dela que acabamos de deixar. "Podemos ir à uma das tantas livrarias," respondi. "Ou em todas!"
     Notei um esboço de um sorriso em seu rosto, e me atrevo a dizer que foi devido a minha súbita animação. "E por qual começamos?"
     "Com a que estiver mais perto."
     O que sem sombra de dúvidas me estressava nesses lugares eram as pessoas que paravam no meio do caminho. Sem aviso algum. Elas andavam com a cabeça virada para as vitrines, e ao invés de se aproximarem, para facilitar a vida de quem estivesse atrás, apenas paravam. E ficavam plantadas onde estivessem numa decisão mental sem contar o próprio tempo. Mas com a boa companhia eu sequer deixei me abalar. Passamos por alguns quiosques de acessórios para celular, de óculos escuros, de sorvetes, sendo este último me chamando bastante atenção. Preciso me conter para não comprar uma casquinha de baunilha, é o que geralmente faz minha visita render. 
     "Me diz, como tá teu irmão?" Eu perguntei.
     "Ele tá bem paterno," ela me respondeu balançando a cabeça. "Inclusive, sábado que vem vai ser o chá de bebê. Eu tô meio louca, né? Dá até vontade em ter um, mas como ele já conseguiu isso, então não vou precisar dar satisfação a nossos pais."
     "Eu tenho vontade em ser pai, sabe?" 
     "Sério?"
     "Sim, mas não agora, claro. Quando eu tiver uns quarenta anos, creio que já estarei bem preparado, ou ainda na idade. E quero ser pai de menina ainda. Acho que eu seria um bom pai. Ensinaria tudo o que sei. É uma imagem legal que tenho em mente quando me pego sonhando acordado, por exemplo, ao lado da minha criança com uma guitarra em seu colo."
     "Ah, poxa, já eu quero ter um filho."
     "Tudo bem, a gente pode ter um casal."
     "Mas se tivermos um menino primeiro, eu não quero passar pela gravidez uma segunda vez, não, hein."
     "Pra isso temos a nobreza dos serviços de adoção."
     "Pensando no futuro. . . Gosto disso," assim que ela respondeu nós chegamos em uma das livrarias. "Olha," ela apontou para um cartaz colado numa vitrine. "Eu tenho muita vontade em ir nessa feira em Paraty, cara."
     "Eu também tenho."
     "Tu nunca foi?" 
     "Infelizmente, não."
     "Vamos então! É que dia?"
     "De acordo com o cartaz, é semana que vem."
     "Ah, que merda. Vamos ter que deixar para próxima."
 "É," eu concordei olhando seu rosto. "Teremos outras oportunidades."
Cleber Junior
Enviado por Cleber Junior em 09/07/2019
Reeditado em 09/07/2019
Código do texto: T6691994
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