Sentada no bar

Sentada em uma mesa mais afastada no bar, com uma taça de vinho branco em uma mão e na outra um livro, Dalila só queria esquecer o dia ruim que teve no trabalho, o estágio que a estava enlouquecendo e as matérias acumuladas do fim do semestre. Mesmo estando sozinha, rodeada de casais e grupos de amigos, ela não se sentia triste. Pelo contrário, gostava de sua própria companhia. Absorta em sua leitura, ela abstrai tudo ao seu redor e começa a relaxar.

A porta do bar se abre repentinamente e entra um jovem louro de olhos verdes, percorrendo o ambiente à procura de alguém. Camilo tenta achar naquela pequena aglomeração de pessoas seu grupo de amigos. Mesmo cansado após o plantão, ele decidiu acompanhar os colegas para um drink. Todavia, surgiu um paciente de última hora e ele ficou de encontrá-los depois. Ele tira o cachecol e continua a sua procura pelo bar. Ao fazer isso, seus olhos recaem no canto do bar, onde uma linda mulher chama sua atenção. Ela está sozinha, lendo o mesmo livro que ele e parece destoa o ambiente frenético com seu semblante calmo. Antes que perceba, ele se move, abrindo espaço pela multidão até ela.

Ao percorrer o bar para se aproximar dela, observa que ela realmente é linda. Seus cabelos cacheados curtos emolduram seu rosto e dão destaque à sua boca vermelha. Seus olhos castanhos se movem lentamente sob os óculos redondos. Ela está de vestido preto e seu casaco está perdurado na cadeira. No entanto, seu caminho é interceptado por um amigo. Ele o leva até a mesa para se juntar aos outros, mas os seus olhos estão sob a linda morena que ler em um bar. E

Sem conseguir disfarçar seu interesse e se concentrar na conversa que se desenrola na mesa em que está, ele bebe o último gole de sua bebida e toma coragem para ir a moça que rouba sua atenção. Os amigos resmungam quando ele se afasta, mas logo observam o que roubou, ou melhor, quem roubou sua atenção.

Ao se encaminhar a mesa em que ela está, Camilo não sabe como reagir, o que fazer para chamar a atenção dela. Ele não costuma ficar nervoso diante de garotas. Só que hoje era um dia bem atípico.

Afim de chamar sua atenção, ele para em sua frente e tosse levemente. Ela levanta os olhos do livro e encontra o olhar dele. Ao encarar seus olhos castanhos, ele se sente impactado. Ela o observa com um misto de surpresa e curiosidade. Ele pigarreia para destravar a garganta. Está perto dela o desconcertou mais do que gostaria de admitir.

– Desculpe interromper, mas eu não pude resistir. Você está lendo o mesmo livro que eu.

Um rapaz interrompe sua leitura, seu momento de paz e ela estava pronta para dispensar mais uma cantada barata. Será que não entendiam que uma garota pode querer ir a um bar somente para apreciar o ambiente, a bebida e um bom livro. No entanto, ao levantar o olhar para dar uma boa resposta, ela foi pega de surpresa.

Dalila não esperava encontrar um belo jovem de olhos verdes a encarando fixamente, parecendo um pouco nervoso, o que o fazia fofo. A reclamação e irritação sumiram, sendo substituída pela surpresa dessa interrupção. Ela se perdeu naquele olhar. Piscou duas vezes ao se dar conta do que ele falou. Ele se aproximou dela por estar lendo o mesmo livro que ela. Ela acha graça. Que novo tipo de flerte é esse? Ela ri e responde:

– Sério? Uau. Que coincidência incrível. Bom, é um romance muito interessante. O que está achando?

O som da voz e a forma como ela riu, achando graça da situação, o encantaram ainda mais. Ele poderia passar a noite ouvindo falar que não cansaria do som de sua voz. Ele prossegue, seguro que é sua chance de impressionar.

– Estou adorando a leitura. É um livro muito sensível, em que podemos sentir os sentimentos dos personagens, por serem tão humanos. O autor tem uma escrita leve, que faz a narrativa ser fluída e envolvente.

Ela riu ainda mais. Não poderia ser só uma cantada. Ele falou com muita paixão e suas palavras o encantaram. Ele riu também e perguntou:

– Eu disse algo errado?

– Não, desculpa. Só estou achando interessante um rapaz como você ler esse tipo de livro e conseguir sentir toda a sensibilidade presente nele. Você quer se sentar e dividir uma garrafa de vinho?

– Eu adoraria.

Camilo puxa a cadeira e se senta. Eles engatam uma conversa sobre o livro e a admiração entre eles estava muito visível. Era surpreendente como dois desconhecidos começaram um diálogo tão familiar. Contudo, havia aquela sensação de que eles se conheciam de algum lugar. Beberam, falaram dos seus gostos literários, riram e estavam envoltos em uma familiaridade indescritível. Após um tempo conversando, eles se deram conta que não se apresentaram formalmente.

– O papo fluiu de forma tão surpreendente que eu esqueci de me apresentar: eu sou Camilo Alves. Sou médico e gosto de uma boa literatura, a ponto de reparar em uma linda moça sentada no bar lendo o mesmo livro que eu. E a senhorita?

– Muito prazer, Dr. Camilo. Eu sou Dalila Duarte. Estudante de Jornalismo. Larguei o curso de Direito na metade por não me identificar. Hã... Faço estágio em uma editora, o que é perfeito para mim que amo ler, mesmo em um bar lotado.

– Uau, esse parece ser o emprego dos sonhos.

– Eu concordo. Mas o seu também se encaixa na categoria de empregos heroicos. Garotas deve adorar isso.

Ele gargalha. Ela é uma garota bem-humorada, que sabe conversar sobre tudo e flerta não flertando. Ela continua:

– Não pense que isso é uma cantada, mas eu tenho a estranha sensação de que já conheço você.

– Bom, isso soou como uma cantada para mim.

Dalila revira os olhos e ele acha isso muito atraente.

– Sério, eu também tenho essa sensação e estou tentando recordar de onde.

– Talvez a gente tenha se visto em algum bar. Ela arrisca.

– Não sei. Eu não costumo sair muito. Morei fora muito tempo e estou me adaptando novamente.

Eles se encaram um pouco, procurando resposta para essa sensação de reconhecimento. Eles se observam um bom tempo. Essa troca de olhares, como se quisessem ler a alma um do outro, trouxe uma insegurança para Dalila. Ela se retrai, perdida no nervosismo e morde o lábio inferior, uma mania que tem desde a adolescência. Esse simples gesto, quase imperceptível, traz lembranças que atingem Camilo em cheio. O reconhecimento passa nos olhos dele. Ele fica estupendo. Conhecia muito bem aquela mania. Conhecia muito bem a dona dessa mania. Observando agora, ele ainda reconhecia traços daquela menina tímida que roubou seus pensamentos adolescentes.

– Eu não acredito! Lia?

– O quê? Ela se surpreendeu. Há muito tempo não a chamava assim. Esse era um apelido de quando ela era uma adolescente.

– Eu sei de onde nos conhecemos. Eu me lembrei. Nós estudamos na mesma escola. Éramos de séries diferentes, mas tínhamos amigos em comum. Eu conheço você.

Ela estava em choque. Não podia ser! É claro que ela o reconhecia. Era ele. O garoto que assombrou sua adolescência. O primeiro amor impossível. O homem a sua frente ainda tinha os traços daquele adolescente de outrora. Era surreal um encontro quase 10 anos depois.

– Meu Deus! Caramba! É claro que eu me lembro de você.

– Nossa! Quanto tempo. Você mudou bastante, quase não te reconheci. Está ainda mais linda e inteligente do que eu me lembro.

Ela estava em choque. Parecia uma cena de novela. Um encontro, no meio da semana, com um desconhecido que trazia muitas lembranças e sentimentos a muito guardados.

– Como pode se lembrar de mim? Tínhamos amigos em comum, é verdade. Mas eu era uma adolescente muito tímida e você era um dos garotos mais populares da escola. As meninas suspiravam por você, se me lembro bem. Eles riram.

– Bom, eu nunca poderia me esquecer de você. Eu sempre quis reencontrar você. Saber como você estava e se, se lembraria de mim. Sendo bem sincero: a verdade é que sempre gostei de você.

– Não posso acreditar. Ela estava perplexa.

– É verdade. Eu gostava de você e me arrependi muito de não ter dito antes de ir embora.

– Bom, se estamos sendo sinceros: eu também gostava de você, Camilo. Mas eu jamais teria tido a você naquela época. Eu pensei que você nem me notava. Eu era tão sem graça e você, bem, era você.

Ela fez uma careta, constrangida. Abaixou o rosto, encarando a taça quase vazia. Ele se aproximou e delicadamente segurou seu queixo, fazendo-a encará-lo. Com tom sério, ele falou:

– É impossível não notar você, Dalila. Veja por hoje, mesmo após tantos anos, eu notei você em meio a um bar lotado. Sua presença não pode ser ignorada. Eu falo muito sério. Eu gostava de você e estou muito interessado em desvendar a linda mulher que você se tornou.

Dalila riu sem jeito e achou aquilo surreal. Ela que não acredita em destino, não conseguia pensar em outra coisa para explicar o evento que transcorria nessa noite. Ela tinha ido ao bar para relaxar após um dia ruim e tem um encontrou um com lindo homem, que se revela o seu amor de adolescência, que parecia ter retornado do passado.

– Acho que é essa a chance que eu pedi ao destino. Camilo a encarava com uma paixão recém acendida.

– Eu acho que sim.

Eles se olharam intensamente e Dalila não resistiu a atração que os envolvia. Ela o puxou pela gola da camisa e o beijou. Um beijo no começo lento e cheio de saudade. Camilo levou a mão a nuca dela para aprofundar o beijo. Beijaram-se com uma paixão adormecida por medo e dúvidas que agora não faziam mais sentido. Beijaram-se sem se importar com o lugar em que estavam. Beijaram-se até precisarem de ar. Quando se separaram, encostaram a testa um do outro e compartilharam o mesmo ar. Sorriram, estampando uma felicidade recém-descoberta. O destino os uniu e lhe deu uma chance para viver o que adiaram por muito tempo.

Belinda Oliver
Enviado por Belinda Oliver em 05/01/2020
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