Campo de Girassol

- Você lembra do campo de girassóis? – perguntei enquanto segurava a sua mão fragilizada. Você acenou positivamente com a cabeça. Um sorriso cansado, porém, inevitável, surgiu em seus lábios secos e pálidos.

- Foi o dia em que... em que nos beijamos pela... pela primeira vez... – sua voz antes melodiosa e alegre, agora cansada e seca, reproduziu aquelas palavras quase em um sussurro. Sempre que lutava para falar, meu coração apertava em meu peito. Tentei não transparecer estes sentimentos, mas ela os lia em meus olhos. Eu o sabia. Apenas continuávamos exercitando esse pequeno teatro inofensivo, aonde o seu estado terminal não me magoava, e ela não se culpava por ser a razão de minha atual tristeza.

- Eu a arrastei comigo até aquela macieira... Ou seria um pé de manga?

- Macieira.

- Isso, uma macieira. Agora me recordo. Bem, lembro de arrasta-la até lá. Estava muito nervoso, tudo o que eu queria era me declarar para você. Falar dos meus sentimentos, do que você significava para mim, o que você havia feito por mim. Apenas por ter entrado em minha vida... Você me mudou tanto, você me fez tão feliz... Naquele dia, apesar de ter ensaiado tantas e tantas vezes na frente do espelho o que te dizer, ao olhar nos teus olhos cor de mel, eu travei.

Ela riu. Uma risada nostálgica que foi

seguida de uma tosse seca. Eu dei um pouco de água para ela que bebeu com o auxílio de um canudo.

- Você ficou tão vermelho... tão vermelho...

- Eu devo ter ficado mesmo! Você sempre foi exuberante. Não apenas linda, meu amor. Mas estonteante! Eu ficava simplesmente extasiado em te ver. Em olhar para você. Sempre foi a minha musa, até hoje.

Ela sorriu para mim, recuperando um pouco o rubor naquela face pálida.

- Não consegui dizer nada... Você segurou o meu rosto e disse...

- Eu sei. Eu também.

- Exatamente. Foi quando você me beijou, e quando eu tive a certeza de que você era a mulher de minha vida. Um beijo. Nada mais. Eu me conectei com você de uma maneira tão bonita, tão especial, algo que nunca poderia se repetir novamente. Algo que... Algo que... – meus olhos estavam marejados e minha voz embargada. Sua mão frágil abandonou a minha e pousou em meu rosto. Eu olhei para ela que sorria.

- Um amor assim não termina, meu amor. Até que a morte nos separe? Não. Lem... Lembr... Lembra como foram nossos votos?

Eu assenti.

- E mesmo que a morte nos separe temporariamente, iremos nos amar. Iremos nos encontrar novamente. Do outro lado.

- E de novo, e de novo, e de... de novo, meu amor. Eu... eu sem... sempre irei encontra-lo.

- E eu a você, minha princesa. Sempre.

Sempre.

Naquela tarde ela faleceu pacificamente, enquanto eu lhe contava uma de tantas de nossas histórias. Vivemos bem. Fomos felizes um com o outro. Crescemos muito um com o outro. Não tivemos filhos biológicos, mas adotamos duas lindas garotas que amamos incondicionalmente. Elas me fizeram companhia após a morte da mãe. E durante três anos pude desfrutar os frutos de nosso amor.

Então fui lhe acompanhar do outro lado... E te encontrei. E nosso abraço durou séculos. Nos perdemos nele e também nos encontramos. Nossos corações batiam em uníssono. Não éramos um. Éramos você e eu. Dois que se encontraram, que se amaram, que se escolheram... Em um campo de girassol, debaixo de uma macieira. E foi por isso, quando tivemos que voltar e esquecer de quem éramos e o que vivemos, que não nos lamentamos. Nós sabíamos que iriamos nos encontrar novamente. Sempre conseguimos nos encontrar. Seja num campo de girassóis, numa galeria de artes, na rua, na escola, no campo, na cidade, de países diferentes, de existências diferentes, nós sempre, sempre nos buscávamos.

Sempre...

Anderson C Alves
Enviado por Anderson C Alves em 26/03/2020
Reeditado em 26/03/2020
Código do texto: T6897273
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