À PROCURA DE LAURA

Carlos, Artur e Laura sempre foram amigos inseparáveis. Estudaram juntos, na mesma sala, desde o Jardim de Infância até o término do ensino médio.

Aos catorze anos, Laura já era uma garota exuberante, alta, esguia, inteligente e linda, em razão do que, nunca passava despercebida. Todos os meninos da escola a paqueravam. Em vão, porém, porque ela não pensava em nada para além dos estudos e da amizade com Carlos e Artur.

O ensino médio terminou e os novos desafios impuseram ao trio uma pequena mudança. Carlos foi para a faculdade de direito, decisão que tomara ainda no ensino fundamental, enquanto Artur e Laura seguiriam o mesmo caminho na faculdade de engenharia civil.

A amizade entre os três, não obstante, continuou inabalável. Firme e forte. Um sempre concordava com o que o outro propusesse. Todavia jamais extrapolavam os limites do bom senso e da educação que receberam dos pais.

Os encontros continuavam, na casa de um ou de outro, para estudar, ou apenas para conversar, relembrar passagens interessantes, contar piadas e dar gostosas gargalhadas, como sempre fizeram desde a infância.

Carlos era mais expressivo, mais convincente com as palavras e até um tantinho manipulador. Dizia que, para ser um bom advogado, teria que ser assim, como ele e dava gargalhadas. Artur e Laura, um pouco mais contidos, concordavam com o amigo.

Embora o trio fosse inseparável, entre Artur e Laura havia algo maior, transcendente, que ainda não tinham conseguido entender. Era uma coincidência de afinidades, que os atraía e os unia de forma cada vez mais intensa. A necessidade de estarem sempre juntos era inexplicável.

Certo dia, durante um dos costumeiros encontros, no apartamento de Laura, ela e Artur revelaram ao amigo terem, afinal, descoberto que se amavam desde sempre, com um amor tão grande, que não puderam mais se conter, por isso noivaram. E mostraram as alianças. Carlos levou um choque e empalideceu.

- Meu Deus, Carlos, o que foi? perguntaram os dois a uma só voz.

- A notícia te desagradou tanto assim? questionou Artur.

- Nada disso, respondeu Carlos, é uma ótima notícia. Parabéns mesmo, sincero, de irmão. Que sejam para sempre felizes!

Assim dizendo, alegou que um compromisso sério o aguardava e saiu apressado. Não queria que os amigos percebessem o tamanho do estrago que a notícia lhe causara. Desceu as escadas como um autômato, apoiando-se no corrimão. Na rua, as pernas cambaleantes o impediam de prosseguir. Encostou-se na parede e ficou, não sabe por quanto tempo, ali, parado, tentando entender. Quando se deu conta, estava em casa, sentado em sua poltrona. Se lhe perguntassem, não saberia dizer como chegara.

Quando conseguiu clarear um pouco a mente e passar os acontecimentos em revista, entendeu tudo. No exato instante em que Artur e Laura anunciaram o noivado e lhe mostraram as alianças, tudo ficou claro: amava Laura. Sempre a amou, com um amor tão incomensurável grande, como jamais poderia amar outra mulher. A descoberta caíra sobre sua cabeça feito um raio. Como amiga, ela estaria sempre presente, ele sabia. Amizade, porém, não substitui amor.

Uma parte de sua vida fora roubada, assim, de repente. Apesar de tudo, Artur era seu grande amigo, mais que isso, seu irmão. Claro que os encontros poderiam continuar, mas não seria mais a mesma coisa. Ele não teria prazer nenhum nessas reuniões. Nada mais seria do mesmo jeito. Teria que fingir. Estaria sempre sofrendo. Mergulhado naquele vazio imenso.

Pensou, pensou e chorou até cair nos braços do sono. No dia seguinte, dirigiu-se à faculdade no automático, feito um zumbi. E foi assim, mergulhado naquele torpor amargo, que encontrou Valéria, a bela colega que não lhe dava sossego. Namorá-la poderia, talvez, ser a alternativa para sua libertação. A ideia surgiu como uma luz no exato instante em que a vira. Formariam um quarteto e a amizade continuaria.

Fora uma ideia tola, não deu certo.

O vazio que tomara conta de sua mente o atormentava, roubando-lhe todas as suas forças. A imagem de Laura transformara-se num fantasma e o perseguia implacavelmente, onde quer que estivesse, dormindo ou acordado. Começou a faltar às aulas, a ir mal nos estudos. Bebia. Abandonou a faculdade e os encontros. Se os amigos ligavam, não atendia o telefone. Se lhe procuravam em casa, não abria a porta. E bebia. Passou a falar sozinho, a chamar pelo nome de Laura. A mente, entorpecida, mergulhara naquele profundo e estranho sonho, do qual não tinha alento para sair.

Durante um longo tempo, viveu assim, como um sonâmbulo, trancado no apartamento, bebendo e falando palavras descontextualizadas, entre as quais destacava-se o nome de Laura. Sem atinar no que fazia, deixou o apartamento e começou a andar sem rumo. Andou, andou muito, saiu da cidade e continuou andando. Quando alguém lhe perguntou para onde ia, respondeu que estava indo encontrar Laura, porque ela o amava. E se pôs a caminhar. Caminhou até as pernas fraquejarem. Era noite e dormiu à beira da rodovia. Quando o clarão da madrugada o acordou, voltou a caminhar. Precisava encontrar Laura. Assim chegou à próxima cidade. Perambulou pelas ruas, a esmo, sempre perguntando por Laura.

Lentamente, os dias iam se transformando em meses; os meses, em anos. A barba e os cabelos cresceram e branquearam. O tempo e a fome o maltratavam impiedosamente. Estava debilitado. Esquálido. Um farrapo. Mas havia dentro dele uma força que o empurrava para a frente, e ele ia. Era Laura, que o esperava em algum lugar.

Durantes anos a procurou, de cidade em cidade, sem rumo, até que o destino o empurrou de volta para sua terra natal.

E foi assim, que certo dia tocou mais uma campainha, talvez a última, porque não reunia mais condições físicas para continuar. Uma bela jovem o atendeu e ele perguntou, com um fio de voz:

- Você é Laura?

- Não – respondeu a garota - meu nome é Lúcia. Laura é minha mãe, mas ela não está em casa. Posso lhe oferecer um prato de comida? Espera aí um pouquinho só, que não demoro.

Quando Lúcia voltou, encontrou o velho mendigo deitado na calçada, encostado no portão, completamente imóvel. Chamou-o, mas ele não ouviu. Tocou-o de leve, e ele não se mexeu.

Sua procura chegara ao fim.

MCSobrinho
Enviado por MCSobrinho em 14/04/2020
Reeditado em 27/06/2021
Código do texto: T6917303
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