Paixonite

Com um olhar... Tu me farás entrar novamente no mundo das ilusões: o “platonismo”. Posso ver, mais uma vez, o surgimento daquelas vontades impossibilitadas... Com um olhar... Nada mais!

Eu vejo que muito rapidamente estarei a pensar em ti, nas situações mais inacreditáveis. Um dia de chuva me levará velozmente à reflexão, uma melancolia: o vazio se instalará no meu corpo. E me condenarei todas as vezes que pensar que meus lábios tocarão os teus, direi: “Há um prolongamento do impossível! Again?! Não, eu não quero... Eu não estou... Eu não vou mais...” Como no enredo sagrado, eu negarei três vezes, e na hora da minha crucificação o galo cantará três vezes: oh eu não terei escolha!

Meu olhar não terá domínio próprio, cederá a contemplar-te sempre que se puser na frente da tua presença. Teu nome e sobrenome, que de quando em quando, invadem meu inconsciente, passarão a ser constante no curso do meu pensamento: eu me pegarei a gritá-los no imaginário. Tua voz, a qual faz muito bem aos meus ouvidos ─ embora afete a minha psique ─ inviabilizará meu raciocínio lógico. Contigo ele inexistirá.

E quando aproximares o teu corpo ao meu, encostando tuas mãos nas minhas por eventual “descuido”, compondo tua elegância até com vestes despojadas, e corresponderes ao meu olhar insinuador, o que eu farei contigo?...

Pensamentos aleatórios, vontades loucas, corpo sem poder de reação, diagnóstico: “paixonite-platônica-aguda”... Eu que já fui vítima tantas vezes dessa enfermidade dos sentidos direi: “essa eu já conheço de muitos anos, doutor”. Não obstante, ela entrará com passos de ladrão nos meus sentidos e os corroerão tão embaraçadamente que neles se tornará soberana. Contra ela não há prevenção. Não há vacina contra “paixonite...”

E todas as noites que a minha cama estiver incompleta; eu estiver agarrada ao travesseiro, no esconderijo do meu cobertor, quando uma lágrima cair da minha face, e eu enlouquecer na noite, só se fará presente esta minha mania de dramatizar os desencontros e de me apaixonar rapidamente. Tu não estarás aqui para consolar-me a agonia, e padecerei todas as noites, em claro, a implorar tua presença. E quando tu estiveres por perto, meu sentimento pedirá teus afetos. Gritarei ─ suplicante ─ para dentro: “podes me dizer o que faço para curar a minha enfermidade, essa ‘paixonite’?” E colocarei para fora nas madrugadas, com minha letra que um professor disse parecer com a escrita bíblica de Gutenberg, cheias de pontos, vírgulas, e paixões: são as cartas que nunca ousarei entregar-te, para que eu não te importune. Nos dias que tu ─ aparentemente ─ estiveres a me consumir com teus olhos, serei feliz, a esperança reinará em minha vida. Contudo, tuas atitudes indiferentes me farão sofrer: “inviável esta minha quase possível chance”, vacilarei muitas vezes. E como uma montanha-russa de sentimentos, meus desejos ora atingirão um ponto culminante, ora despencarão de uma distância altíssima. Sim, esses são alguns dos possíveis sintomas.

Ah, em terras amargas eu habitarei! Beberei da fonte mais absurda. A minha prosa não será a mesma. O meu sorriso existirá, mas meu olhar será triste, mesmo quando eu sorrir. Eu navegarei até naufragar com meu bote, até que tu me socorras do naufrágio. Eu me afogarei no mar das fantasias insólitas... E, enfim, me perderei nas poesias: Dante, Maiakovski, Pasternak, Augusto dos Anjos... Versarão por mim, através de seus desencontros, seus amores, o que me fará lembrar dos meus tantos amores secretos, e por tabela me fará pensar em ti.

Ao passo que terei a força de Apolo quando eu conseguir arrancar um sorriso teu; eu me sentirei Afrodite quando tu destilares a mim segundas intenções nos teus olhares, deitar-me em tua cama me trará um prestígio de Cleópatra, como nas vezes que tu elogias meus raciocínios verbal e escrito: “ah, ótimas sacadas... excelente exposição de idéias, parabéns!” Massageias o meu ego, me vem uma felicidade. Ainda que, esse nosso convívio “res/tri/ta-MENTE” acadêmico e “sub/en/ten/di/da-MENTE” apaixonado, não tenha feito bem a minha mente. Porque eu sempre te quero mais do que eu posso, e eu nunca te posso como eu quero. Diante de ti eu me recolho à submissão da minha necessidade de estar contigo.

Dentre os amores: platônico, à primeira vista, carnal, físico, livre, eterno. Não seria o platônico o mais puro e doentio?! Ele não espera nada do ser amado, contudo ele dar-se por inteiro, sem reclamar nada em troca, e ainda digo que ele queira muito de quem ama, mas contenta-se com a insignificante possibilidade de alimentar um possível “amor-impossível”. Na sua simplicidade de servir ao seu amor, ele não tem ânimo algum para protestar com algum desabafo.

“Paixonite-platônica-aguda”, já diagnosticada... O amor platônico é a evolução dela. A paixonite é muito difícil de ser diagnosticada no início, e quando se descobre mais avançada, fica ainda mais difícil de curar-se, e, assim, o indivíduo acometido parte para o estado terminal: amor platônico crônico. Oh que sorte a minha!

E mesmo em face da revelação da minha dependência a ti, pela minha enfermidade: “paixonite-platônica-aguda”... E mesmo tendo sofrido tantas outras vezes deste mesmo mal, que na verdade é um bem, que eu por outro não troco... Ainda assim, afirmo: dou-te meu afeto até o meu último suspiro de paixão.

Gosto quando exemplificas tuas explicações com paradigmas de teu particular. É uma maneira que eu encontrei de conhecer tua vida privada, já que eu sei tão pouco de ti. A única coisa que sei muito bem sobre ti e que me cabe uma descrição é: criatura meiga e forte; inteligente e alegre, sensível e disciplinada, linda e indecifrável.

Tu que já me tiraste tantas dúvidas meramente científicas... Acaso podes me ajudar na minha dúvida suprema? Eis a pergunta que não quer calar: qual a ponte que interliga a paixão e a loucura?

Ninguém arrancará de mim a glória de estar contigo, mesmo sem ligação carnal, porque até o meu definhar de amor por ti me faz bem. Se tu achas que desisto na iminência da morte, direi: “mesmo que me mate, mesmo que me enterre, eu me levantarei de novo”. E os platônicos gritarão em coro: “E viva Maiakovski!”. A receita é: rimas maiakovskianas, pelo menos três vezes ao dia, para aquele que for um platônico incurável! Uso sentimental (vide bula).

Tu és a razão da idéia surreal que me alegra, e és também a razão pela qual meu peito adoece, a cada dia mais, neste afastamento de mar dos meus desejos.

E um dia quiçá, eu dotada de tanta paixão ─ fixada no meu mundo sórdido ─ te farei sentir a delícia do beijo invisível que roubarei de ti.

Luana Zenaide
Enviado por Luana Zenaide em 30/01/2024
Código do texto: T7988176
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